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ÁLAMO OLIVEIRA:
Mais um volume reeditado pela Companhia das Ilhas.
Pintura da Capa: Rui Melo.
Excerto do meu prefácio:
(…) «O mundo configurado em “Marta de Jesus (a verdadeira)” é fundamentalmente o das Flores, um mundo rural em queda, social, económica, sem sinais de redenção à vista; e a utopia de transformação do país a partir desse espaço remoto e graças à acção de um pequeno grupo como o de Emanuel Salvador e seus seguidores, essa utopia, dizia eu, não passa disso mesmo e acabará por tropeçar nas contingências do próprio tempo, sem que tenha qualquer efeito prático o papel de mentor ideológico desempenhado a partir de Lisboa por Pedro (o intelectual saído das Flores tempos antes). A pretendida viagem de libertação rumo à capital é atalhada por intervenção brutal de um tribunal de excepção (tribunal plenário?) constituído à pressa na cidade da Horta para julgar os rebeldes; e, mesmo que chegue a desembarcar em Lisboa, o grupo já estará decapitado do seu líder, Pedro terá desaparecido misteriosamente durante o julgamento e Judas já terá cortado os pulsos na Horta, à vista da ilha do Pico (o que sempre é uma forma de, graças à paisagem, suavizar o remorso de ter vendido o Mestre por 30 contos).
“Naquele tempo, não havia epílogos”, escreve o autor (p.181). E se é verdade que, após a tentativa de intervenção na política portuguesa (uma espécie de golpe das Caldas com origem na placa tectónica americana), “a ilha das Flores nunca mais fora a mesma” (p.178), ganhara visibilidade mediática (diríamos hoje), também é verdade que continuou a sangria migratória, Marta viu a ilha esvaziar-se em direcção a Oeste, obviamente, como sempre: “Daí para a frente, começaram a gerir a tristeza” (p. 179) e nem mesmo as transformações decorrentes do golpe de Abril de 74 e a instituição de um governo regional foram capazes de colocar as esperanças da ilha ao mesmo nível das suas expectativas.
Aos poucos, “o grupo dos anos 60” foi-se desfazendo, em boa parte pelas américas de maior ou menor abundância. Dos outros, Pedro, libertado do Tarrafal em 1974 para onde, afinal, fora atirado, morre desencantado com a política, após a fracassada experiência com o partido que fundara; a morte de Marta desencadeia uma série de fenómenos cósmicos que anunciam o fim das coisas. Emanuel morre tranquilamente por obedecer de forma excessiva a uma ordem de João, o discípulo amado, que apenas o mandara dormir; o próprio João acabará internado na Casa de Saúde de São Rafael, já depois de o governo regional ter mudado de partido.»(…)
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