AUTONOMIA 44 ANOS DEPOIS JOSE GABRIEL AVILA

Views: 0

44 anos depois…

Foi há 44 anos que o primeiro Governo Regional dos Açores iniciou a administração autónoma do arquipélago.
No início, o processo não foi consensual, pois os habitantes destas ilhas tinham razões de queixa para duvidar de que os interesses e direitos das nove, seriam tratados com equidade.
Na mente do cidadão comum, persistia – e ainda subsiste – a dúvida de que os governantes sediados nas ex-capitais de distrito iriam, com o rodar dos anos, envolver as restantes seis na partilha administrativa do poder, disponibilizando aos quadros e técnicos entretanto formados, a possibilidade de integrarem os novos serviços públicos continuando a viver no torrão natal e promovendo a fixação das jovens gerações.
Tinham razão os que assim pensavam, pois em quatro décadas, a tripolaridade cimentou-se e afirmou-se nas três ex-capitais, todavia os serviços não foram distribuídos pelo arquipélago, como se esperava.
E não vale a pena apontar o dedo a esta ou àquela ilha e seus habitantes.
O poder político tem por missão a defesa da justiça, da equidade, do progresso e do bem-comum, cabendo-lhe satisfazer – o que não tem acontecido – as aspirações legítimas de ilhas cada vez menos povoadas e mais envelhecidas. Por falta de coragem, certamente, o que aumenta o desânimo dos lesados há décadas com esta estruturação administrativa.
O centralismo não existe apenas na mentalidade do poder de Lisboa. Ele manifesta-se, nos Açores, de formas diversas e atende sobremaneira à concentração do eleitorado em prejuízo das “insignificantes” ultraperiferias açorianas, cada vez mais carecidas do essencial.
A compreensão da singularidade e do querer de cada ilha e de cada localidade, a aceitação dos problemas por que passam os seus habitantes, é a única forma capaz de promover a necessária unidade das nossas ilhas e de alterar este estado de coisas.
Quem não entende as nossas especificidades insulares, normalmente designa por bairrismo, reclamações antigas, direitos não satisfeitos vindos de pequenas ilhas e de comunidades sem-voz, que mais não pretendem senão aceder a satisfatórias condições de vida existentes noutras localidades.
Assim promove-se a desunião, a fuga de jovens para os centros urbanos maiores, a emigração – clandestina ou não.
As ilhas pequenas ficam, normalmente, a perder no seu crescimento e tardam em aproximar-se dos lugares da frente, apesar das suas potencialidades.
Felizmente, os que nelas ficam, não desarmam e são resilientes. Agarram-se às suas tradições culturais e animam o seu viver, “enquanto Deus quiser”. Esta forma de estar tem preservado a identidade cultural – bem precioso -, o que é de louvar.
De entre as manifestações típicas de cada ilha, saliento o rejuvenescimento dos “balhos” de roda, nomeadamente a Chamarrita, as filarmónicas, cujo interesse pelas crianças e jovens é de louvar, a preservação do cerimonial das Festas do Espírito Santo, as confraternizações familiares nas matanças dos porcos e das vindimas, a produção de artefactos típicos, as manifestações da religiosidade popular e o desvelo na preservação do património cultural.
Se o processo autonómico não integrar a cultura e identidade própria de cada ilha e não responder ao viver e às necessidades das suas gentes, de pouco vale apelar à participação cívica nos atos eleitorais.
Quarenta e quatro anos após a entrada em funcionamento do primeiro Governo Constitucional Autónomo, importa que os agentes políticos – todos eles – se questionem sobre que respostas satisfatórias têm sido dadas ao mais humilde cidadão da ilha do Pico ou do Corvo, do Nordeste ou da Calheta de São Jorge – esse açoriano ou açoriana que luta pela vida no dia-a-dia e que estampa no rosto as agruras do mar e das invernias, o calor do sol, a rudeza do acesso a ravinas e campos de pão, a firmeza das convicções religiosas e o amor ao torrão natal.
Se a Autonomia não responder a estas contrariedades, toda a sua credibilidade, eficácia e devir estão em causa.
O poder político tem de preocupar-se em satisfazer não só os interesses de grupos sociais, como em atender aos direitos fundamentais dos sem-voz.
O desígnio da fraternidade humana é tratar todos por igual.
Essa deve ser também a prioridade da Autonomia açoriana.

José Gabriel Ávila
jornalista c.p. 239 A