RACISMO A RODOS – CRÓNICA 272 – 14.7.19

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18.14. RACISMO A RODOS – CRÓNICA 272 – 14.7.19

 

Este tema é sempre difícil de abordar pois todos têm, ou julgam ter, a resposta e a atitude certa, seja ela politicamente correta ou incorreta, mais de acordo com as crenças políticas de cada um do que com quaisquer outros fatores endógenos ou exógenos. Todos são rápidos a disparar, condenar e julgar quaisquer afirmações que se profiram sobre este tema. É um dos chamados tema fraturantes, não só da sociedade portuguesa, mas da maioria das sociedades (ie., daquelas onde é permitido falar dele).

Cresci numa sociedade fechada em pleno Estado Novo, quando as criadas (não havia técnicas auxiliares domésticas) diziam “se a menina não come corto-lhe a trança e dou-a aos ciganos”, “se o menino se porta mal chamo o polícia”.

Havia variações ao tema da cegonha que vinha de Paris. Quando alguém se comportava mal “se continuas assim devolvo-te aos ciganos a quem te comprei”, ou similares.

O racismo era também de ordem social (somos um país de castas) e o meu pai foi criticado por se matrimoniar com uma mulher que trabalhava (a minha mãe era professora) e mais nenhuma mulher na família trabalhava.

Apesar da mistura genética da família, não havia africanos na família, até em 1973 chegar a Timor Português e descobrir um luandense negro com o meu apelido, filho (não-matrimonial) de um primo direito do pai. Também vim a descobrir primos mulatos no Brasil onde havia um ramo de parentes que ali se radicou há dois séculos.

O racismo era religioso. Quando me casei pela primeira vez e não o fiz pela Igreja, metade da família ostracizou o casamento. Mais tarde quando me divorciei (consta que fui o primeiro) outros houve de mais idade a seguirem o exemplo.

O racismo era educacional, havia quem tivesse meios para prosseguir os estudos no liceu ou escolas comerciais e industriais e outros sem esses meios, e a distinção fazia-se logo nesses infantes com quem nem brincar se podia.

O racismo revelava-se nos nomes e apelidos, resquícios dos tempos da monarquia e de fidalguias arruinadas. Era igualmente visível nos subúrbios onde se crescia dentro da cidade (no Porto era a Foz, Avenida da Boavista, Avenida Marechal Gomes da Costa vs Rua dos Combatentes nas Antas, por exemplo), e prolongava-se pelos locais de férias (no norte, os transmontanos iam de banhos para a Póvoa de Varzim, e a gente “fina” andava mais pela Granja ou Miramar ou Espinho e a Aguda era mais classe média baixa…)

O racismo prosseguia dentro das próprias elites, consoante os colégios que frequentavam e as festas onde iam.

 

Depois veio o 25 de abril e tudo se baralhou, mas o racismo continuou com novos paradigmas e alvos (os ciganos mantiveram-se na linha da frente). Pena é que (quase todos) os que se insurgem seriam incapazes de viver num subúrbio de ciganos ou afrodescendentes que alegadamente dizem defender desse racismo. Mas fica-lhes bem a defesa dos mais fracos.

 

Aqui nos Açores, além dos tipos de racismo atrás descritos, há muitos outros derivados da canga feudal que constituía a matriz dominante das ilhas, mas muita gente, mais capaz do que eu, poderá elaborar sobre o tema.

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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