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CRÓNICA 357, Timor 45 anos depois 20.8.2020
Era agosto 1975, passava uns meses de férias em São Martinho do Porto em Portugal quando ouvi na rádio, primeiro, a notícia do golpe de estado da UDT a 11 e depois a sublevação da Fretilin dia 20 e o começo da guerra civil que iria mudar a vida a milhões de pessoas em vários países. Um terço da população (200 mil) foi aniquilada pela invasão e colonização indonésia de 24 anos, milhares de mortos e estropiados, a destruição quase total em 1999 até a ONU patrocinar o referendo que deu a independência em maio 2002.
Eu deixei Timor e Bali em maio 1975 e planeara regressar passados uns meses de descanso e férias, provavelmente depois do meu aniversário em outubro, aproveitando a viagem a que tinha direito num avião das FAP (Força aérea portuguesa, como todos os oficiais milicianos que tinham estado no exército colonial português e que queriam regressar à província ultramarina onde tinham estado em serviço).
Em outubro as forças avançadas e infiltradas da Indonésia antecipando a Operação Komodo assassinaram os 5 de Balibó (os colegas jornalistas australianos, britânicos e neozelandeses o repórter Greg Shackleton, 29, o operador de som Tony Stewart, 21; o Kiwi, Gary Cunningham, 27, cameraman do canal 7 HSV-7 em Melbourne; dois britânicos, cameraman Brian Peters, 24, e o repórter Malcolm Rennie, 29, do canal 9 TCN-9 em Sydney). Havia um sexto, Roger East de 53 anos, (jornalista australiano da AAP Reuters) que seria executado pelos indonésios no cais de Díli na invasão de 7 de dezembro… desesperadamente a Fretilin proclamara unilateralmente a independência a 28 de novembro e a sua liderança seria tragicamente abatida pelos indonésios nessa guerra sem quartel que se prolongou por 24 anos. O resto é história e todos a conhecem. Hoje, Timor tem 40% da população abaixo do limiar da pobreza (menos de USD 1,25 ao dia), 50% de analfabetos, 97% de católicos, milhões de dólares em fundos da exploração de petróleo, muitas estradas novas foram construídas e dessas quando chove há derrocadas e ficam intransitáveis como aconteceu recentemente no Suai onde existe um inútil e enorme aeroporto internacional sem movimento. Em menos de 20 anos, Timor já teve sete governos, estando atualmente no 8º, mas raramente atingem o fim dos mandatos devido a lutas intestinas, conflitos internos alianças feitas e desfeitas (como no tempo tribal), muita corrupção, nepotismo, laivos ditatoriais de personalidades de destaque. Atentados, sublevações da polícia, do exército, de ex-guerrilheiros resumem os anos de independência. Costumo ironizar que além da língua portuguesa, a velha guarda aprendeu os truques da cunha corrupta portuguesa, mas doutoraram-se em corrupção com os indonésios. Tanto poderia ter sido feito e não foi, à exceção de Díli que cresceu desmesuradamente (éramos 25 mil, hoje são mais de 250 mil habitantes) se modernizou, mas continua a inundar-se sempre que chove. Os membros do governo e uma certa elite vivem em boas casas com carros de topo de gama, mas no resto do país a miséria assemelha-se à dos anos 70 sobre a qual tanto escrevi ao longo dos anos.
Tanto podia ter sido feito e não foi mas eles são soberanos nas suas escolhas políticas e nas suas opções, eu não, eu nem a opção de regressar tive, nem a de voltar a visitar a terra que o sol em nascendo vê primeiro, a mim restam as memórias que o tempo ajudou a mitificar, as recordações da beleza das terras e das gentes, e imaginar como tudo teria sido diferente se as datas de 11 e 20 agosto de 1975 não tivessem alterado o nosso futuro para sempre. Resta-me o amor incondicional pela terra e pelas gentes.
Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association] MEEA] Para o Diário dos Açores (desde 2018) Diário de Trás-os-Montes (desde 2005) e Tribuna das Ilhas (desde 2019)
Tito Duarte Um bom resumo, bem resumido, do que se passou. Eu estava lá, ouvi as declarações, da UDT, na emissora, e tudo seria fácil de solucionar se o governador, também comandante-chefe, tivesse agido como tal. Mas não o fez, não autorizou os pára-quedistas a acabarem com a disputa (o que teriam feito rapidamente, até sem dispararem uma arma), mentiu para a metrópole dizendo que uma das suas maiores preocupações era zelar pela segurança dos civis e, no entanto, queria que os poucos que se tinham juntado na Mess dos oficiais, ali ficassem, não se sabendo em que condições, enquanto ele e todos os militares se reuniam na ponte-cais, considerada zona neutra, juntamente com a área que ia desde a Mess até à igreja de Sto.António. Sabendo que, alguns de nós preferimos não aceitar as instruções e irmos para lá, colocou uma sentinela no portão do porto e proíbiu que utilizássemos qualquer das barcaças ou barcos que ali permaneciam. Não contente com isso, sabendo que uma multidão de civis ali se tinham asilado, entrando na ponte-cais de diversas maneiras, ali se deslocou na manhã do dia 22 de Agosto e, algo irado, disse-nos que fôssemos para nossas casas e, quando lhe retorquimos que já não tínhamos casa, que fôssemos para Batugadé porque estávamos à espera de um “barco fantasma” — que todos sabíamos que estava para chegar… fantasma que se materializou naquela mesma noite. Na sua pequena comitiva, apenas o ‘comandante militar’ se virou para nós, dizendo-nos: “Eu não posso adiantar mais, mas, no vosso lugar, não saía da ponte-cais”. Este governador e comandante-chefe foi quem não arranjou uma forma de libertar o seu camarada Maggiolo Gouveia, o qual, no seu dizer, ele era mais do que camarada, era um amigo. Além disso, transmitindo para Portugal que tanto o Aeroporto como a ponte-cais estavam em poder da UDT, não esclareceu que ambos os lugares foram sempre utilizados pelo governo, sempre que deles precisou, indo lá dois ou três pára-quedistas, os quais, sem desarmarem os Udetistas, os mandavam simplesmente para um canto… e que não fizessem ondas. No entanto, deixou a Emissora à mercê da UDT, a qual, durante os cerca de dez dias seguintes, emitiu todas as mentiras que lhe apeteceu. Estranho é que ele, estrategista de renome, tivesse preferido a ilha de Ataúro a Baucau, quando era claro,para qualquer pessoa, mesmo sem ser militar, que ali não conseguiria resolver nada… como, de facto, não conseguiu.
Jose Ramos-Horta wrote: