ERA UMA VEZ NA SUÉCIA, MAOISTAS E OUTROS COMUNISTAS

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ERA UMA VEZ NA SUÉCIA

“Os ‘gulags?’ Um horror sem dúvida. E estou à vontade para dizer isso. O problema é quando funcionam como um mero disfarce — para inglês ver …– do real condicionamento anti-comunista operado por decénios de propaganda fascista.”

Mário de Carvalho – escritor

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Esta contou-ma um velho amigo meu, rapaz da minha idade, hoje desfrutando de uma merecida aura mediocritas, depois de uma vida agitada pelo mundo em pedaços repartida.

Tinha-se-me varrido do espírito, mas agora aflorou, quiçá despertada pelo alvoroço em torno do Aljube, em que de novo Mao se voltou a confrontar com Estáline, com Portugal ´pelo meio…

Jovem militante do PC nos seus verdes anos de faculdade,o meu amigo – cuja identidade preservo pelo respeito que se deve à privacidade – perseguido pela PIDE e obrigado a atravessar a fronteira a salto para não ser preso e ter de ir combater nas colónias, numa guerra inglória condenada internacionalmente e que já se anunciava perdida – viu-se de repente emigrado na Europa, reduzido à condição de refugiado das Nações Unidas e tendo de ganhar o pão com o suor do seu rosto.

Quando já tudo parecia perdido, e as lutas em Portugal remetidas ao silêncio, eis que lhe surge um convite da Suécia: na qualidade de ex-dirigente associativo, alguém tinha indicado o seu nome e as associações estudantis daquele país nórdico convidavam-no a ir falar aos estudantes suecos sobre a luta travada em Portugal contra a ditadura.

O meu amigo procurou então informar-se de como iam as coisas no país e com um caderno cheio de anotações lá se apresentou na data marcada para o colóquio promovido pelos estudantes na universidade de Lund.

Tudo decorreu normalmente, até que de repente um grupo de jovens da mesma idade ou mais velhos que ele começaram a hostilizá-lo de tal maneira que se viu obrigado a deixar a sala à pressa para não ser agredido.

Espantado, sem saber bem do que se tratava e qual o motivo de toda aquela agitação e agressividade, o meu amigo foi então esclarecido pelos colegas suecos: o grupo hostil – explicaram-lhe – era composto por estudantes portugueses iguais a ele, que tinham fugido para a Suécia e ali se encontravam refugiados.

Mais espantado ainda ficou o meu amigo: então eles eram portugueses como ele, refugiados como ele, longe da pátria pelos mesmos motivos que ele e estavam contra ele? Porquê?

A razão – veio a saber – era ideológica – como jovens maoistas, eles eram ferozmente anticomunistas ortodoxos, a quem acusavam, entre outros pecados, de pretenderem travar a luta dos trabalhadores portugueses e subordiná-la aos interesses de Moscovo, para já não falarmos dos crimes do Gulag… Isso numa altura em que estava ainda em pleno curso a chamada Revolução Cultural de Mao, com o seu rosário de crimes e arbitrariedades de toda a ordem…

Gorada a sessão de esclarecimento pela agitação provocada pelos seus próprios compatriotas, quem lhe valeu foram os estudantes sociais-democratas suecos, que ficaram escandalizados com aquela atitude anti-democrática do grupo maoista.

Afinal, o pequeno escândalo acabaria por suscitar mais interesse pelo que ele tinha a dizer e foi assim que foi entrevistado por um grande jornal e participou depois num programa de rádio de grande audiência, podendo finalmente descrever sem empecilhos o que se passava em Portugal.

Ao contrário de muitos outros que não tiveram a mesma sorte, o meu amigo nunca chegou a estar no Aljube e a sua foto não vai certamente figurar no museu. Mas o episódio que viveu merece ser recordado, numa altura em que de novo pelas piores razões aquele lugar sinistro do tempo da ditadura voltou à atualidade.

Um dia destes ainda vou ver se o encontro e se ele me autoriza não só a divulgar o episódio com os pormenores de quem o viveu realmente, mas até, quem sabe, com a sua própria foto e não apenas com a imagem da associação de estudantes onde decorreu o inusitado confronto entre jovens portugueses fugidos da ditadura.

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Comments
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  • Antonio Simoes da Silva Em 1978 1980 Na Holanda não havia direita portuguesa organizada e a que havia refugiava-se na igreja e em alguma associação portuguesa com pouca representavidade em termos politicos ….
    Recordo-me de que por varias vezes serem os maoistas que apareciaSee more
  • Jose Luis Matos Os direitinhas não falam de Guantánamo, nem das prisões secretas da CIA na europa, dita civilizada… “Miudezas”…