OSVALDO CABRAL O que se passa entre a Região e a República?

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O que se passa entre a Região e a República?

Começa a ficar estranha a relação de diálogo de surdos entre o Governo Regional e o Governo da República.
Compreende-se que ambos os governos estiveram focados, nestes últimos meses, no combate à pandemia, mas há muitos assuntos urgentes, que já vinham de trás, que parecem esquecidos nas gavetas do Terreiro do Paço, sem que a Região questione ou esclareça publicamente o que se está a passar.
Existem sinais claros de que algo sombrio está a encobrir este relacionamento e é incompreensível, também, o papel do parlamento regional, que continua a fazer-se de morto, sem escrutinar os inúmeros assuntos pendurados em Lisboa.
É verdade que a relação parece ter-se azedado com o caso do encerramento dos aeroportos, a pedido da Região, e que a República não quis atender, como até veio dizer, há poucos dias, que tinha sido “uma posição firme”.
Depois tivemos aquele triste episódio da libertação dos reclusos, com a troca de mensagens entre o Governo Regional e o director do estabelecimento prisional, sem que se estabelecesse um diálogo ao nível de governos e não de funcionários.
O desentendimento continuou com os números de casos de covid dos Açores divulgados todos os dias pela Direcção Geral da Saúde, sempre desactualizados.
É muito desentendimento junto e o silêncio do Primeiro-Ministro perante o sucesso do combate à covid-19 na Região, enquanto o Presidente da República veio pessoalmente saudar os açorianos, é outra coisa estranha por parte de António Costa.
E mais estranho é o incumprimento por parte do Governo da República relativamente ao acordo com a Universidade dos Açores, com mediação de Vasco Cordeiro.
Em Fevereiro o Presidente do Governo fez uma declaração de vitória, ao sentar o ministro e o reitor no Palácio de Santana: “Tenho uma grande satisfação em poder tornar público que foi possível, não apenas nesta reunião, mas também fruto do trabalho desenvolvido nestes dias entre todas as partes, alcançar este acordo que vai vigorar entre os anos 2020 e 2023 (…) Este acordo contempla, da parte do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, o reforço do financiamento da Universidade dos Açores em cerca de 1,2 milhões de euros por ano, num total de 4,8 milhões de euros”.
Já estamos em Junho e a Universidade continua à espera dos milhões…
Mas podemos recuar a Dezembro, altura em que o Governo da República recebeu o documento do grupo de trabalho, liderado pela ANACOM, sobre a substituição do cabo submarino, uma necessidade urgente também esquecida em cima da secretária de qualquer ministro distraído, pondo em causa as comunicações dos Açores com o exterior.
Depois, temos ainda a questão da SATA, outro imbróglio complicado cuja procura de solução com a República não se percebe a demora.
Ainda esta semana o Ministro da “posição firme” veio dizer que o caso da TAP já está em fase de conclusão, porque o transporte aéreo para Portugal é “crítico e estratégico” (imagine-se, então, nos Açores!), mas sem uma única referência sobre como vão resolver o caso da SATA.
Finalmente, a recomendação do Governo da República para os Açores se endividarem até 10% do PIB, para mitigar o impacto da crise, o que deve dar um valor à volta dos 420 milhões de euros.
Com este aumento de crédito, se o PIB dos Açores decrescer 10% a Dívida/PIB sobe para mais de 62% do PIB (45% em 2019).
Isto se não houver mais mudanças, entretanto…
O mais curioso é que a Região que tanto criticou Passos Coelho quando nos mandou à banca para resolver os prejuízos do sismo no Grupo Central, seja a mesma que agora vai ter de se endividar por recomendação de um governo socialista…
O que precisamos de saber do Governo da República é quanto nos vai caber do pacote financeiro a fundo perdido da União Europeia.
Sobre isto, também silêncio absoluto.

***

O CABO DAS TORMENTAS – O processo de substituição do cabo submarino já devia estar em andamento. Quanto mais tarde meterem mãos na obra, maior será o risco nas comunicações, de acordo com os entendidos.
Seja como for, era bom que o Governo Regional fosse mais interventivo (nesta e nas outras matérias penduradas na República) e esperemos que esteja em sentido de alerta para um assunto tão crucial, não se deixando arrastar pelos lobies das comunicações, como aconteceu noutras negociações.
Deixo aqui um conjunto de questões como contributo para um melhor esclarecimento de todo o processo:
Se, como sempre foi garantido publicamente, o tráfego total dos Açores esteve e está garantido e securizado por dois encaminhamentos diferentes, qual deles pretende a Altice/PT desligar? Ou são os dois?
Quando se fala do fim da vida útil do cabo, trata-se de decisões e questões técnicas ou outras relacionadas com a longa guerra da PT e depois da Altice para manter o domínio monopolista nos preços da utilização dos cabos durante mais de 20 anos, com o Estado e a Anacom a procurarem contrariar (sem o conseguir completamente), o que provocou a impossibilidade de a Vodafone se instalar nos Açores como operador concorrente da NOS e ALTICE, deixando os Açores com menos concorrência e um duopólio menos conveniente?
Se pensarmos que alguns dos cabos do anel inter-ilhas têm menos de cinco anos, estes estão garantidos contra a obsolescência financeira programada?
Durante anos foi sendo dito que só o progresso na utilização das mesmas fibras ópticas ia regularmente duplicando a quantidade de informação que nelas podia ser transmitida. Este progresso desapareceu?
Alguns técnicos e economistas, na altura dos primeiros financiamentos comunitários para os cabos ópticos, pronunciaram-se a favor de que esses valores deveriam ficar como participação do Estado ou da Região no capital social da PT, mas o que se passou foi que pedimos como contrapartidas coisas ridículas, como a resolução da tarifação inter-ilhas, o SMT GSM (vulgo telemóveis) e o aumento dos pontos de acesso à internet, o que de qualquer forma seria efectuado pela PT através da TMN e Telepac e ainda Redes para o Serviço Regional de Protecção Civil e Universidade dos Açores, o que eram fracas contrapartidas para dezenas de milhões de euros no balanço da PT. Com a privatização maioritária da PT todo esse dinheiro desapareceu e a renegociação do protocolo, já mais recente, embora bem-intencionada, pretendia resolver o problema do transporte dos canais de TV para a TV Cabo e, teoricamente, para a própria operadora da PT, bem como uma reserva de 1Gbit/s de capacidade para o Governo Regional, não passou disso mesmo.
Que garantias haverá agora de que os 150 milhões não levarão o mesmo caminho?
Basicamente, seria possível explicar às pessoas, sem grandes conhecimentos técnicos, porque razão nesta fase de dificuldades é necessário gastar todo este dinheiro? Não haverá alternativa?
Um bocadinho de transparência num processo que durante dezenas de anos nunca a teve seria bem-vinda pelo cidadão comum.
E, já agora, porque razão foi permitido à Madeira antecipar-se a uma decisão de resolução de um problema que deveria ser do Estado para manter a tal continuidade territorial também nesta área?

(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 10.06.2020)

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Comments
  • Marco Paulo Pereira Santos Acho que a resposta é fácil e clara para quem quiser pesquisar um pouco sobre como este primeiro ministro lida com o poder e não é de agora e não só com os Açores, mas nesse campo Lisboa sempre nos viu como uma pedra no sapato e como cidadãos de segunda, não é de agora…
  • Rui Laureano Aonde pára César?
  • Rosa Quental Quental Encantado….
  • Joaquim Fraga Os Açores foram sim, uma pedra no sapato para Lisboa. Esquecem-se que foi nos Açores, Ilha Terceira, durante vários anos, capital de Portugal, o garante da continuidade, do País Portugal. Deve-se, em grande parte aos Açores, Portugal ter uma grande área de mar, as maiores riquezas, o espaço aéreo, etc. Faz-me lembrar aquele velho proverbio, ” o que é meu, é meu, o que é teu, é nosso”.
  • Emanuel Rosa CUIDADO VEM AI AS ELEIÇÕES NÃO SE PODE FALAR EM ASSUNTOS SÉRIOS E DE INTERESSE PARA OS AÇORIANOS POIS O VASQUINHO DIZ QUE A CULPA E DA OPOSIÇÃO QUE NÃO FAZ O SEU TRABALHO, ENTRETANTO JÁ VAMOS COM 24 ANOS DO MESMO E PAGA ZÉ POVINHO