OSVALDO CABRAL O OUTRO TSUNAMI

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O OUTRO TSUNAMI

Ocupados com a crise sanitária e económica, ainda não demos conta de um outro tsunami que nos vai bater à porta nos próximos meses.
Trata-se da situação da SATA, que já era preocupante antes da pandemia (muito pior do que a TAP) e que se encontra agora em estado de emergência para a respectiva recuperação.
A crise pandémica veio trazer algum alento aos governos europeus que pretendem intervir directamente no capital das suas transportadoras de bandeira, com Bruxelas a conceder tolerância aos estados membros na respectiva ajuda.
O problema é que Bruxelas já terá dado a entender que os Estados não poderão abusar e, pelo que sabemos, isto quer dizer, na leitura de alguns técnicos que ocupam o Ministério dos Transportes, que pedir ajuda para duas companhias (TAP e SATA), num país com a nossa dimensão, é passar os limites da tolerância.
Por outras palavras, se o Estado português quiser mesmo intervir na TAP, através de um empréstimo público convertível em capital ou num aumento de capital em conjunto com os privados, vai propor modelo semelhante para a SATA, se é que o accionista único, a nossa Região, entender abdicar do monopólio na estrutura accionista.
A privatização é para esquecer (já era antes da pandemia), pelo que não restará muita margem de manobra ao Governo Regional em ceder à intervenção directa do Estado na nossa transportadora.
Não se sabe ainda qual o modelo escolhido, mas sabemos que uma solução que passe por integrar a TAP no capital da SATA está novamente em cima da mesa do Ministério, havendo quem defenda que a intervenção conjunta nas duas, ao mesmo tempo, seria menos arriscado do que uma intervenção em separado, que poderá não obter o consentimento de Bruxelas.
A decisão vai ser tomada este mês e há uma coisa que é segura: se a TAP precisa de perto de mil milhões para limpar o seu passivo de mais de 850 milhões de euros, a SATA vai precisar de 300 a 350 milhões para limpar o seu.
Seja qual for o desenho escolhido, nunca será dinheiro a fundo perdido a entrar na SATA.
Alguém vai ter de pagar e as palavras do Ministro Pedro Nuno Santos em relação à TAP servem também para a SATA: “Se a empresa não pagar, o empréstimo é de quem? É do povo português. Deve o povo português pagar e o privado continuar a mandar?”.
Na SATA não é o privado, mas o Governo Regional. Seguindo o raciocínio do Ministro, estará o povo português disposto a pagar para o Governo Regional continuar a mandar?
Ou seja, se o Estado intervir vai querer mandar e é aqui que pode entrar a equação TAP, regressando o fantasma de uma fusão de empresas que muitos na Região não desejariam.
Há ainda quem sonhe, nos Açores, com a fórmula de 2009 a 2011, em que a Região conseguiu obter financiamento comunitário para as despesas relativas à compensação financeira atribuída à SATA Air Açores, após o qual a empresa entrou em forte desequilíbrio financeiro por atrasos nos pagamentos por parte do Governo Regional e a consequente desgraça nos anos seguintes pelas trágicas gestões que todos conhecemos.
Mesmo que, no melhor deste cenário, o Governo Regional desista da ajuda do Estado e consiga sozinho fazer o seu caminho (o que é quase impossível em Bruxelas), uma coisa é certa: seja qual for o modelo haverá sempre, no fim da linha, alguém que vai ter de pagar por qualquer tipo de intervenção.
E não é difícil perceber quem será.
Os contribuintes, claro!

(Osvaldo Cabral – Diário dos Açores de 06/05/2020)

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