Portugal tem medo de abrir o túmulo de Afonso Henriques?

Portugal tem medo de abrir o túmulo de Afonso Henriques?

Os restos mortais de Ricardo III foram encontrados sob um parque de estacionamento em Leicester

Um dia depois da confirmação da descoberta dos restos mortais do rei Ricardo III, de Inglaterra, a Renascença falou com Eugénia Cunha, a especialista da Universidade de Coimbra que quer estudar os ossos do primeiro rei de Portugal.
05-02-2013 12:30 por Pedro Rios
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Eugénia Cunha, a especialista em antropologia biológica da Universidade de Coimbra que quer estudar os ossos de D. Afonso Henriques, diz que a descoberta do esqueleto do rei inglês Ricardo III prova que Inglaterra está “mais aberta” do que Portugal a “aplicar a ciência em prol da história e do conhecimento”.

“A ciência, neste caso a antropologia forense, permitiu verificar a identidade de uma figura histórica que estava ‘perdida'”, diz Eugénia Cunha àRenascença, um dia depois de cientistas da Universidade de Leicester terem anunciado publicamente que o esqueleto encontrado num parque de estacionamento é mesmo de Ricardo III.

Eugénia Cunha liderava, em 2006, uma equipa de cientistas que pretendia fazer alguma luz sobre a vida e morte do primeiro monarca português, através do estudo dos seus ossos. Seria a primeira vez desde o reinado de D. Miguel, no século XIX, que o sepulcro d’O Conquistador seria aberto.

O projecto poderia revelar que D. Afonso Henriques afinal era baixo e franzino (e não “gigante”, como lhe chamavam), que tipo de alimentação tinha, se padecia de alguma doença, entre outras informações, mas o Ministério da Cultura travou a investigação quando muitos já a davam como certa.

Comparação “inevitável”

Eugénia Cunha integra um projecto europeu sobre sobreposição facial – uma das muitas técnicas que demonstraram que os ossos encontrados eram mesmo de Ricardo III, morto no campo de batalha há mais de 500 anos – no qual está envolvida Caroline Wilkinson, da Universidade de Dundee, que participou na investigação em Inglaterra.

Ao telefone a partir de Madrid, onde participa num encontro do projecto europeu, Eugénia Cunha diz que falou sobre a sua investigação com Wilkinson. A comparação é “um bocado inevitável”, confessa. “Quem tiver um bocadinho de memória, pode pensar que isso poderia ser feito [em Portugal].”

A professora da Universidade de Coimbra lembra que, ao contrário do caso inglês, em Portugal “sabe-se onde ele [D. Afonso Henriques] está”. Ou onde se supõe que esteja: “[A conclusão da Universidade de Leicester] ajuda-me a perceber que talvez tenha havido algum receio de não ser encontrado o rei [Afonso Henriques] no sítio onde é suposto estar.”

Para Eugénia Cunha, abrir o túmulo de Afonso Henriques é, para muitos, um salto para o desconhecido. “É capaz de ser isso que confunde um bocado as pessoas. Pensar: ‘e se não é [o esqueleto de D. Afonso Henriques]?'”, reflecte. Algo só verificável pela análise dos ossos: “Da mesma maneira que Ricardo III tinha uma escoliose, o Afonso Henriques tinha uma fractura antiga numa perna”.

A especialista não acredita, porém, que os restos mortais de Afonso I não estejam no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra. “Acho que ele está lá. Continuo a achar que não está numa sepultura digna, porque aquilo por dentro está muito mal conservado, é só bonito por fora. Era uma medida de conservação e de preservação também”, diz.

Eugénia Cunha não perdeu a esperança de retomar o projecto científico interrompido pela ministra Isabel Pires de Lima, mas espera por uma altura mais propícia. “Não me parece que este seja o bom momento para o fazer, a conjuntura económica está tão desfavorável… Isto implica sempre alguns gastos”.

Os restos mortais de Ricardo III voltarão a ser enterrados na Catedral de Leicester.

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