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Tensão política em Timor-Leste marca debate com trocas de críticas no parlamento
Díli, 25 mar 2020 (Lusa) – O debate sobre questões técnicas, relativas ao cariz de urgência de dois diplomas do Governo, transformou-se hoje no plenário do parlamento nacional timorense numa intensa troca de críticas entre as bancadas, evidenciando a tensão política do país.
Em causa estavam os pedidos de urgência na tramitação de alterações à lei de orçamento e gestão financeira, para flexibilizar o regime duodecimal em vigor desde 01 de janeiro e um pedido de levantamento do Fundo Petrolífero (FP) para reforço do tesouro.
O debate, porém, acabou com trocas de críticas sobre vários outros aspetos, incluindo questões relacionadas com a pandemia da covid-19, com inúmeros pontos de ordem e pedidos de defesa de honra.
O presidente do parlamento, Arão Noé Amaral, foi obrigado, por várias vezes, a tocar a campainha interrompendo o debate e a exigir respeito pelos órgãos de soberania.
A tensão ocorre na véspera do debate do pedido do Presidente da República para a declaração do estado de emergência no país devido à covid-19.
O parlamento acabou por chumbar a tramitação por urgência da alteração à lei de gestão orçamental, ecoando uma oposição ao diploma já manifestada por Xanana Gusmão, líder de uma nova maioria parlamentar de seis partidos que o indigitou como primeiro-ministro.
Em causa estão diferenças de interpretação sobre a aplicação de exceções ao regime duodecimal, que, disse a ministra interina das Finanças à Lusa, poderiam ter sido resolvidas de forma direta pelo Governo.
“Estamos numa situação bastante grave e o Ministério das Finanças está a ter dificuldades em proceder aos pagamentos sem cobertura legal. O Governo está a atar as próprias mãos, os pés e tudo. E não é necessário. É uma situação grave”, explicou Sara Brites.
As Finanças e outros ministérios defendiam que as alterações deveriam ser incorporadas no decreto de duodécimos, o que permitiria que fossem implementadas de imediato, mas assessores do Gabinete do primeiro-ministro insistiram que deveria ser através de uma alteração da lei de gestão orçamental, a opção que vingou.
Fonte do Governo confirmou à Lusa que um conjunto de exceções fazia parte da proposta inicial do decreto-lei do regime duodecimal preparada pelo Ministério das Finanças e debatido pelo Governo em janeiro.
O diploma acabou por ser aprovado praticamente com o mesmo texto em Conselho de Ministros, mas as exceções foram retiradas posteriormente na redação final do diploma enviado do gabinete do primeiro-ministro e publicado no Jornal da República.
A tensão manteve-se na sessão da tarde, mas os deputados acabaram por aprovar por unanimidade a tramitação urgente do pedido de levantamento adicional de 250 milhões de dólares (230,6 milhões de euros) para reforço da conta do tesouro.
Timor-Leste vive há anos um impasse político que levou à dissolução do parlamento e eleições antecipadas (em 2018) e que se adensou no inicio deste ano quando a coligação maioritária do executivo se desmoronou, com o chumbo do Orçamento Geral do Estado (OGE) de 2020.
Um chumbo que ocorreu depois de menos de dois anos de Governo com tensão com o Presidente da República, Francisco Guterres Lu-Olo, que se recusou a dar posse a mais de uma dezena de membros indigitados do Governo, quase todos do maior partido da coligação, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), de Xanana Gusmão.
O primeiro-ministro timorense, Taur Matan Ruak, apresentou a demissão há mais de um mês – pedido sobre o qual o Presidente da República ainda não se pronunciou – tendo o chefe de Estado apelado aos partidos no parlamento para ajudar a resolver o impasse.
Desses contactos, surgiu uma nova coligação de seis partidos, liderada por Xanana Gusmão, que foi indigitado como primeiro-ministro pelas forças políticas, questão que está também sem resposta do Presidente da República há mais de um mês.
Dois dos partidos da coligação – CNRT e KHUNTO – têm ainda vários membros no executivo, que apoiaram inicialmente, tendo o terceiro, o PLP do primeiro-ministro, assinado no sábado uma plataforma de entendimento com a Fretilin, oficialmente na oposição.
A situação implica que o Governo aprova em Conselho de Ministros diplomas que são depois contestados por deputados dos partidos que ainda estão representados nesse executivo.
Pastas como as Finanças, Saúde, Interior, e Coordenação de Assuntos Económicos estão desde a formação do Governo, em 2018, com titulares interinos.
ASP // VM
Lusa/Fim