DO PORTUGAL PROFUNDO (DA TERRA DE MINHA MÃE)ALFÂNDEGA DA FÉ A CUMPRIR

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ALFÂNDEGA DA FÉ A CUMPRIR

Hoje, pelas 11.00 horas, tive de sair do abrigo. Um pouco contrafeito, mas por motivo justificável. Há cerca de quatro meses que me desloco de dois em dois dias a casa de uma Tia para dar a ração a dois gatos que ali ficaram, pois ela teve de sair, devido a problemas de saúde, vindo para a nossa primeiro e encontrando-se agora no Lar da Misericórdia, por manifesta impossibilidade de podermos tomar conta dela. Inicialmente os gatos eram três. Um deles deixou de aparecer já vai para três meses. Era uma gata, a mais velha e suponho que a mãe dos que ficaram, embora de ninhadas diferentes. Devo confessar que não gosto muito de gatos, embora já tenham existido cá por casa. E, na verdade, destes dois que ficaram e a quem continuo a ir dar de comer, um deles é sociável, o outro nem por isso e estranhamente até é o mais novo! Enfim, coisas de gatos… Mas os animais não têm culpa que eu não goste da espécie e muito menos desta pandemia que nos atingiu. Portanto, a não ser que seja impossível, continuarei a alimentar os bichanos.
Serve isto para dizer que, como desde quinta-feira à tarde (outra saída rápida) não punha o nariz de fora da casa, me deu para levar esta curta viagem como se fosse um estudo de antropologia…Em antropologia (que nem sequer é a minha área de investigação) é necessário ter uma capacidade de observação imediata de várias circunstâncias ao mesmo tempo, sobretudo quando a observação é feita a ocorrências perecíveis, ou seja, que não se repetem. Ora, por mais vezes que faça esta viagem, pelo mesmo caminho que seja, nada será igual.
E o que é que eu observei? Com uma exceção, que se compreenderá, não vou mencionar nomes, pois isso não é relevante.
À saída de casa passou por mim uma viatura com uma pessoa. Vinha do cumprimento do seu dever de trabalho, por sinal importante. Desci um pouco mais, passei a rotunda do Mercado e segui em direção ao Centro de Saúde: uma senhora a passear um cão, seguro com trela e do outro lado da rua, outra senhora, que me pareceu vir do Centro de Saúde.
Segui viagem, mais uma rotunda, subida em direção ao Cemitério (onde hoje foi a enterrar uma pessoa amiga e lamentavelmente sem a presença de quem gostaria de a ter acompanhado…que descanse em paz), passagem em frente da Igreja Matriz (seria normalmente hora de reunião para a missa dominical, ou pelo menos de presença de alguns católicos) e não vislumbrei vivalma. Parei junto à casa, entrei e dei de comer aos gatos. Estão bem. Não lhes falta comida, água e abrigo, assim estivessem muitas pessoas neste mundo. Cinco minutos se tinham passado. Desci a rua de S. João de Deus, antiga rua dos Olmos. Muitos carros estacionados, mas pessoas nem vê-las. Mais abaixo, ainda nesta rua, em frente à Farmácia, uma pessoa que deveria aguardar para ser atendida. Entrei na Praça do Município. O nosso amigo Xana tem o quiosque aberto. Não parei, mas olhando para a entrada percebi que fez o que prometeu: atendimento exterior, com segurança; quem gostar, gosta, quem não gostar que fique em casa; ele já está a prestar um bom serviço, que os clientes assim o entendam. Estava uma pessoa a ser atendida e outra a encaminhar-se para lá. O habitual banco da “velha guarda” estava vazio. Num Domingo, a esta hora, isso seria impensável. Parece que os utentes habituais já perceberam e estão, como devem estar, recolhidos em casa. Circulava dentro da velocidade recomendável, apesar de não haver sequer sinais de outras viaturas e isso deu-me tempo para dar uma olhadela pelo resto da Praça. Apenas mais uma senhora, com um saco de compras, haveria de ter razão para estar por ali. O Jardim Municipal estava deserto, o Parque Verde idem. Todos os cafés fechados, como mandam as regras.
Segui novamente em direção ao Mercado. Mais duas pessoas, cada uma em seu lado da rua, uma com um saco de compras, outra com uma garrafa na mão (não percebi o que era…).
De novo na rotunda do Mercado, rumei para casa, meti o carro na garagem. Tinha tomado conta do tempo. Foram menos de 15 minutos. Não vi mais alma nenhuma.
Alfândega da Fé, pelo menos nestes minutos que acabo de relatar, estava a cumprir. Espero que cumpra no que falta para as 24 horas deste domingo e nos dias que aí vêm, apesar de ser Primavera, estar a natureza a desabrochar, já terem chegado as andorinhas, e ser um enorme sacrifício ficar em casa.
Havemos de ter tempo para gastar os abraços e os beijos.
F. Lopes
22-03-2020