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Vale a pena ler!
Excelente texto do Dr. Jose Pedro Penedo:
Perante uma situação como a que estamos a atravessar em relação ao Coronavírus tem sempre de se encontrar um meio-termo entre o alarmismo que pode gerar movimentos de pânico e a total relativização/desvalorização da situação. Se o primeiro gera, por exemplo, movimentos de açambarcamento de material de proteção individual ou mesmo segregação de pessoas porque parecem suspeitas, o segundo leva a que a epidemia possa atingir proporções muito piores.
A China, depois de um período inicial de negação e de tentar abafar o caso, tomou medidas draconianas que acabaram por dar tempo aos outros países para se prepararem. Houve quem o fizesse e bem e outros parecem adotar uma estratégia reativa e muitas vezes retardada na resposta, tal como infelizmente parece ser o caso de Portugal. Alguns no início ingenuamente pensaram que era um problema deles e dos países vizinhos, como se o mundo não fosse cada vez mais global. E isso continua a acontecer mesmo depois da situação dramática que se está a viver em Itália, o que já parece mais incompreensível.
Mas há ainda muitas pessoas e colegas médicos que relativizam a situação. Que falam das mortes causadas por outros vírus como o da gripe, muito superiores que as causadas pelo Covid19, que acham tudo isto um exagero, quando estamos com taxas de mortalidade de 3-4%. Ignorando que a história desta epidemia está ainda a ser escrita e que ainda não sabemos tudo sobre este vírus.
Outros sublinham o facto de que quem corre maior risco são sobretudo os idosos (acima dos 70-80 anos). Isso é verdade, mas alguém relativiza este facto se estiver em causa perder os seus próprios pais ou os avós?
Uma coisa que nos devia ter feito refletir foi a dureza das medidas tomadas e que não têm precedentes (é bom ter isso em conta) em mais nenhuma epidemia ocorrida dos nossos dias pelas autoridades chinesas. Quarentenas de cidades de milhões de habitantes, agora também já ocorrida no norte de Itália, limitações nas reuniões e viagens, hospitais construídos em poucas semanas, paragem da atividade industrial com óbvias repercussões económicas.. algo de estranho se passaria, certo?
E se olharmos bem para os números e embora variem de país para país, a verdade é que há um número considerável de pessoas que podem necessitar de cuidados mais especializados e de unidades de cuidados intensivos (fala-se em 10-15%). E se a mortalidade for X, numa primeira fase em que há possibilidade de as estruturas sanitárias responderem às necessidades, nomeadamente em cuidados intensivos, com o avolumar do número de casos, chegará a um ponto em que pura e simplesmente não há possibilidade de atender os casos graves. Ou seja a mortalidade neste grupo subirá muito mais. E depois começam os critérios para admissão em UCI. “tem mais de 70 anos, é diabético, ou tem comorbilidades? Temos pena, não há possibilidade de o tratar”. E pelos relatos que temos recebido isto está longe de ser ficção, muito pelo contrário.
Por isso, só há uma resposta a dar a esta epidemia. Tomar medidas mais eficazes e de forma decidida e agora mesmo. A primeira coisa em que se devia apostar era informar a população sobre cuidados que pode ter no dia-a-dia. Não apenas quando tosse ou espirra e coloca indevidamente a mão à frente, mas evitando tudo o que sejam riscos necessários, como grandes aglomerações, eventos, espetáculos, centros comerciais, sobretudo em hora de ponta. Escolher horas menos concorridas para ir às compras. Claro que isto terá repercussão em sectores como o turismo, restauração e comércio, mas se o fizermos já e tivermos sucesso, o período de crise será certamente mais reduzido do que se não atuarmos. Também a frequência de piscinas e ginásios poderia ser equacionada. Os cumprimentos individuais como os apertos de mão, evitados. Promover cuidados básicos como a lavagem frequente das mãos, evitar levar as mãos à boca, nariz ou olhos, Em relação às máscaras, há casos em que deviam começar a ser usadas, pelo menos nos aeroportos e aviões, e em casa, perante qualquer caso que nos pareça suspeito. E não me parece que o facto das pessoas não saberem usar as máscaras seja um argumento válido para desaconselhar a sua utilização. Então nesse caso investe-se em campanhas pedagógicas sobre a forma correta de as usar. Também não me parece que o argumento das máscaras darem falsa sensação de segurança seja pertinente. Primeiro, porque seriam usadas como complemento às outras medidas que têm de ser adotadas e todos sabemos que a proteção não é completa. Aliás espero que toda esta desvalorização das máscaras não esteja relacionada com a indisponibilidade que existe das mesmas e que chega aos profissionais de saúde, que são das profissões mais expostas e o grupo profissional onde têm surgido mais casos… Urge também assegurar o fabrico de mais máscaras e penso que o país o poderá fazer. Os profissionais de saúde têm de se proteger até porque são essenciais para tratar os doentes.
Era importante que se começasse já a promover o trabalho a partir de casa sempre que possível, até para diminuir a afluência aos transportes públicos sobretudo em hora de ponta e contactos com muitas pessoas. Que se pensassse seriamente em fechar escolas e outros estabelecimentos. Que se evitassem reuniões alargadas em espaços fechados.
Portanto gostaria que se investissem mais em campanhas informativas na TV sobre todos estes aspetos. Não se pode continuar a esconder o Sol com a peneira.
Gostaria também que se generalizassem mais os testes como na Coreia do Sul, em que se fizeram dezenas de milhares. Isto permitiria um diagnóstico mais rigoroso da situação e que as medidas não fossem retardadas por uma falsa sensação de segurança que advém de serem conhecidos apenas poucos casos confirmados, e com uma ligação com casos de Itália ou indivíduos já com diagnóstico confirmado. Porque são exatamente esses os testados, logo só os positivos nesse grupo podem ser detetados.
Se evitarmos que nós nos infetemos e que o mesmo aconteça com quem contactamos/comunicamos, contribuiremos para evitar a transmissão da doença na comunidade.
A China (onde começam a existir sinais positivos em relação aos novos casos) e a Italia deveriam ser as nossas referencias relativamente a medidas de atuação imediata, se não queremos que o filme se repita ou seja ainda pior em termos de infetados no nosso país.
Não podemos continuar a correr muito atrás do prejuízo. Não podemos deixar que se desvalorize a situação e que cada um tome medidas desde já. Ou então lamentá-lo-emos muito em breve e de forma dramática.
Escrito pelo médico José Pedro Penedo
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