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COMO QUEM NÃO QUER A COISA
1. O projecto de instalação de uma rede nacional de abastecimento de gás natural liquefeito (GNL) a navios que previa a construção de um entreposto no porto da Praia da Vitória, foi abandonado pelo Governo da República em 2016, de acordo com a informação prestada por Micaela Silva, Presidente da Associação dos Distribuidores de Gás Propano Canalizado, durante a sua audição pela Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, no decurso dos trabalhos de apreciação na especialidade do orçamento de Estado para 2021. Aquele projecto previa a construção de três entrepostos de abastecimento (Lisboa, Madeira e Praia da Vitória), sendo os Açores escolhidos pela sua localização geográfico.
Com este projecto, os Açores desempenhariam um papel estratégico nas rotas de abastecimento de navios, recuperando uma centralidade atlântica, agora numa nova área, mais consentânea com novas realidades e serviços a prestar ao comércio marítimo internacional.
O projecto de criação da rede nacional de GNL foi bem aceite por Bruxelas, pois enquadrava-se numa estratégia global de economia verde, permitindo a migração de navios abastecidos a fuel e gasóleo para navios abastecidos a gás natural, com evidentes ganhos ambientais. A criação deste entreposto de GNL nos Açores colocaria a Região na vanguarda da utilização de energias limpas, para além de gerar apreciáveis recursos económicos em torno dos processos de reabastecimento de navios e de apoio à actividade naval.
2. Estranhamente, o Governo da República abandonou a construção do entreposto da Praia da Vitória, em 2016 – há quatro silenciosos anos – para canalizar os recursos disponíveis para a ferrovia portuguesa, perante o silêncio cúmplice e envergonhado do Governo Regional dos Açores, que não pode vir agora alegar desconhecimento da decisão do Governo de António Costa.
Em 30 de Abril de 2016, a declaração conjunta do Governo da República e do Governo Regional dos Açores, por ocasião da visita oficial do Primeiro-Ministro aos Açores, assumia expressamente a candidatura do desenvolvimento do porto da Praia da Vitória ao “Plano Juncker”, opção confirmada pela Ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, um ano depois, quando declarou que este porto era “fundamental” para a estratégia nacional para abastecimento por GNL.
3. Em Fevereiro de 2018, a Portos dos Açores anunciou a realização de um estudo sobre o potencial do porto da Praia da Vitória para abastecimento de navios por GNL, financiado pelo Banco Europeu de Investimentos. Procurei informações sobre este estudo que, parece, nunca terá sido feito.
A cronologia deste processo denuncia os seus protagonistas – Governo da República, Governo Regional dos Açores e Portos dos Açores – que mentiram sucessivamente aos açorianos, umas vezes por acção, outras por omissão. Durante quatro anos, esconderam dos açorianos a verdade sobre este projecto, alimentando uma ilusão. A Assembleia Legislativa tem de exigir que o Governo Regional e a Porto dos Açores entreguem ao Parlamento todos os documentos relativos ao entreposto de GNL, incluindo a correspondência com o Governo da República e os eventuais estudos realizados, nem que para isso seja necessário constituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Os açorianos merecem saber a verdade sobre este encobrimento do Governo Regional dos Açores.
(Publicado a 22 de Janeiro de 2020, no Açoriano Oriental)