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Por que razão os micaelenses têm um falar tão distinto, e mais notório, do que aquele que é falado em outras ilhas do restante arquipélago?
A resposta é muito simples:
Em primeira instância, temos a situação geográfica da ilha, e o seu isolamento;
Em segundo lugar, a origem dos seus povoadores, muitos dos quais da Extremadura e do Alentejo interior, a forte influência francesa, visto S. Miguel ter sido colonizado por um enorme contingente de bretões franceses. O nome Bretanha em São Miguel atesta essa realidade histórica, e por último, mas não menos importante, a forte influência dos Emigrantes.
Em relação às características do Sotaque Micaelense, a vogal u = (ü) é muito fechada, assemelhando-se ao francês: Exemplos:
uva (üva)
fruta (früta)
cruz (crüs)
azul (azül)
Outra particularidade é a utilização dos ditongos “oi”, “ou” e “ei”, em que se omite a última vogal. Exemplos:
oito (öt)
noite (nöt)
pouco (pök)
deitar (dêtá)
Como se verificou nestes exemplos, é também muito comum não pronunciar a última letra das palavras. Muitas vezes, o “o” é substituído pelo u e em outros casos omite-se a ultima vogal:
avô (avü)
tudo (Tüd)
Outra particularidade é o caso da utilização do som “tch” em algumas palavras, tais como:
leite (lêtch)
pequeno (petchén)
Outras características peculiares do Sotaque Micaelense: A vogal “E” passa para “A”. Exemplos:
Julieta (Juliâta)
A vogal “A” passa para “O”
cavalo (cavôlo)
Também é muito comum em algumas freguesias de S. Miguel não pronunciarem o “Lhe”. Exemplos:
folha (foia), milho (mio)
Outras palavras terminadas em “am”, passam a ser pronunciadas em “im”.
Ex: “Forim e vierim e nada trouxerim”.
Por último, temos a influência dos Emigrantes. Muitas das expressões e vocábulos originais no falar micaelense (que também é comum às restantes ilhas do arquipélago), incluem também termos “americanizados” trazidos para os Açores pelos emigrantes essencialmente dos Estados Unidos e Canadá. Exemplos:
“alvarozes”do inglês (overall), jardineiras
“coxim” do inglês (cushion), almofada
“suera” do inglês (sweater), camisola
“gama” do inglês (sweet gum), pastilha elástica
candilhes, clauseta, pana, vaclina, freeza, mechin, parcar, etc.
Muitas são as expressões e palavras que são apenas utilizadas em S. Miguel, das quais destaco aquelas que frequentemente ouvimos no nosso dia a dia:
Éh petchén! Ó pequeno!
Corísc – diabo, diabrete, maldito, bandido
Aboiá/Aboá – atirar alguma coisa
Antances – Então
Aguindá – Saltar
Amódes – Está pronto; Em condições
Alevantá – Levantar
Alimpá – Limpar,
Aparreá – pensar em muita coisa
Atramoçá – tentar, tentação
Óm – Homem
Ágóra! – claro que não
Inrriçá/Intenicá/Ingalinhá – Provocar
Babãn/Bazãn /Baboso / Babôu – Tolo, parvo
Derremunhos/ Inrrâds/ Inrrçádas – intrigas, boatos, enredos.
Náiãn/ Zabelãn/ Améla- Homossexual
Féma (do francês femme) – mulher linda
Fémo – homem lindo
Escampá – aclarear se o céu, parar de chover.
Teso da verga/ – perigoso
Blica – pénis
Pegá de cabâça – Enlouquecer
Pegá a dremi – Adormecer
Pegá/princepêia – começa/começar. ex: ” pegá a chovâ (começar a chover)
Pintcha – Vagina
Podâs/poderis – bastante, muitas vezes
Agantá . Aguentar
Desarremate/ desarrematado – Confusão; louco; nervoso
Bagoucha – gorducho
Besuga – mulher atraente
Mafãn/ Canhãn/ Tâst – Mulher da má vida
Ma que sim – parece que sim
Cáiêr / Pofalhêir – rafeiro
Mougueiro/Laparôso – falso, mentiroso, cínico.
Escarrolar – partir, desmanchar, destruir.
Destarelar/ destarelado – dizer parvoíces; maluco
Estarraçar – Gastar
Vardascar – chicotear
Niquinha – uma coisinha de nada
Riquinho – bonito, mimoso
Tam – tem
Vargalho – desgraçado
Correr roupa – passar a ferro
Vento encanado (vent’incanâd) – corrente de ar
Há quem deteste o Dialecto Micaelense, empregando-o com o objectivo de o depreciar. Outros adoram e apreciam o falar micaelense e, a todo o custo, tentam imitá-lo, utilizando-o com muita imaginação e humor. O que é certo é que o linguajar de S.Miguel é uma das marcas culturais do povo micaelense, e dos Açores, sendo considerado pelos linguistas, (a par do Sotaque Terceirense e do Mirândes) um fenómeno linguístico único e singular no Arquipélago e em Portugal, devendo, por isso, ser respeitado e acarinhado, assim como o de muitas outras regiões e ilhas, pois são estas diferenças que fazem a Língua Portuguesa ser mais rica, porque afinal de contas, ter sotaque não é falar errado, uma vez que podemos falar português fluente, sem perder a entoação do dialecto materno.
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