FÉLIX RODRIGUES MAROIÇOS DO PICO

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Partilha-se o meu artigo de opinião publicado no jornal Diário Insular, em resposta a artigo de opinião, também publicado no mesmo jornal, pelo Dr. Manuel Tomás.

Quod abundat non nocet

 

Escolhi este título para este artigo de opinião que significa “O que é abundante, não prejudica.”, ou em alternativa, “Sendo mais do mesmo, daí só a nulidade resulta”, para contrapor a outro título “In vino veritas” que parece significar que “no vinho está a verdade”.
Usar latim ou grego num artigo dá sempre um ar de “intelectualice” e faz parecer que a ciência se faz como a poesia, com inspiração divina ou em alternativa inspirada numa musa qualquer.
É verdade que um copo de verdelho pode ajudar a desfocar a realidade, podendo até torná-la mais interessante, não a torna é, forçosamente, mais racional. Aconselha-se assim que “com um copo de verdelho, na ciência, não metas bedelho”.
Quando falo em ciência, não falo da minha ciência, falo da ciência de todos nós, até mesmo da ciência daqueles que discordam dela desde que tenham racionalidade. A ciência é um património imaterial da humanidade, daí que colocar em causa os seus fundamentos com argumentos poéticos parece-me ser um atentado à lógica. Colocar em causa a minha lógica é lícito mas para isso é preciso que se apresente outra lógica porque discorrer sobre um resultado evitando a sua explicação científica é algo que nem em latim se percebe.
Todos sabemos que a sátira é uma forma poderosa para evitar uma mudança. Contra a sátira, só existe a sátira.
Ora, “os construtores de maroiços”, usam a sátira para afirmar que foram eles que os fizeram. Nem um “retratinho” tiraram durante esse trabalho árduo anónimo? Apanhavam umas lapinhas à beira-mar e deslocavam-se aparentemente às escondidas, com um garrafão de verdelho às costas, para comê-las sozinhos dentro de um maroiço, localizado a mais de um quilómetro do mar. Diria que isso é, no mínimo, gente muito estranha que gosta de festejar sozinha, pois dentro do corredor do maroiço não cabiam nem meia dúzia, logo, dançar a chamarrita do Pico, estava fora de questão.
A história nunca se pode opor à Física, apenas tem que se ajustar a ela. Quem nos ensina isso é a própria história, pois Ptolomeu defendia que a Terra era o centro do Universo, Galileu foi ostracizado por dizer o contrário, Kepler pôs o Sol no lugar certo e Newton esclareceu tudo. A história pode ajudar a esclarecer factos mas é incapaz de arrasar uma medição física, quer se goste ou não se goste dos resultados.
Diz a ciência que há cerca de 1000 anos atrás havia gente na ilha do Pico e que entre os anos de 1450 e 1500 fizeram uma fogueira dentro de um maroiço. Essas datações incorporam um erro mensurável que é normalmente de 30 anos. Some-se 30 anos a qualquer data e subtraia-se 30 anos a qualquer data e verificamos que nada se altera nas conclusões. Havia gente na ilha antes do povoamento português, e não podiam ser portugueses, a não ser que Portugal tivesse sido fundado antes da data que nos dizem que foi. Isso não é uma análise a olho nu, nem tão pouco uma análise a “uns carvões rebuscados que já dão a garantia de uns dois mil e duzentos e vinte e dois anos e vinte e duas horas e vinte e dois segundos de existência”.
Não se deve confundir precisão com exatidão, se bem que pareça ser a mesma coisa, mas não é, mesmo para aqueles que não distinguem ciência de benzeduras. Não há nenhuma análise que possa fornecer algo como “dois mil e duzentos e vinte e dois anos e vinte e duas horas e vinte e dois segundos de existência”. A ciência até sabe lidar com o erro, e assume-o nas suas calibrações, que no caso daquelas que foram feitas no Pico, na Terceira e em São Miguel, anda por volta dos 30 anos. O cheiro é algo que se usa na enologia mas não nas técnicas analíticas de datação (reguladas por normas ISO).
Por mais que se fale em latim acerca dos maroiços do Pico, dificilmente estes serão romanos ou dificilmente essa reza faz desaparecer resultados. Também não percebo a razão pela qual os maroiços terão que ter sido construídos por fenícios, tendo em conta as datações anteriores? Isso talvez resulte da confusão que se faz entre uma estrutura de tipologia hipoteticamente fenícia encontrada em São Miguel com teorias mal entendidas acerca dos maroiços construídos na ilha do Pico. Essas estruturas nem comparáveis são, daí que a chalaça dos maroiços e do verdelho serem do Chipre é, nesse contexto, simplesmente ridícula.
-E se as cepas do verdelho do Pico tiverem vindo do Chipre?
-Só a genética é capaz de responder a isso mesmo que se queira evocar Gaspar Fructuoso.
-E é assim?
-Não. Isto é só uma chalaça.
-Se houve gente no Pico há cerca de 1000 anos atrás serão os Picoenses de origem Viking? Foram os Vikings que construíram os maroiços?
-Deixemo-nos de brincadeiras. Há tanto que se desconhece que não se deve achincalhar o pouco que se conhece. O que for é o que há-de ser. Uma hipótese pode ser absurda, até mesmo mais absurda que o não entendimento de um dado.
-E os gregos? E os egípcios? E os Maias? E os extraterrestres? E os amigos dos amigos daqueles que não acreditam em ciência e dos outros que dizem outras coisas todas elas muito misturadas?
-Sei lá!
O que é certo é que discutir maroiços em latim não os torna romanos, e a ausência de factos, não faz os picoenses trogloditas nem tão pouco deixam de ser descendentes dos primeiros povoadores da ilha (Portugueses e Flamengos).

A fotografia é da autoria do Professor Henk van Hoosten.

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