IGNORÂNCIA, RACISMO, CIDADANIA, COLONIALISMO

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Miguel Castelo Branco

Muita confusão pedindo instrução

Quando eu e a minha família aqui chegámos em 1974, espantava-se esta gente por sermos “tão brancos, até louros”, posto pensarem que a passagem dos trópicos correspondia ao marco miliário entre brancos e pretos. Em tempos de grande hostilidade, pois os metropolitanos haviam sido inquinados por doses de ódio e desprezo pelos chamados “retornados” – de facto, não éramos retornados, mas refugiados africanos portugueses, posto os nossos pais, avós e bisavós terem nascido em África – foi com muita paciência que lhes explicámos que portugueses havia em África que eram brancos, outros pretos, outros ainda mestiços, indianos e até asiáticos oriundos de Macau e Timor.

Por notória falta de preparação, André Ventura repete hoje que melhor seria que Joacine [e Mamadou Ba] considerassem seriamente a possibilidade de voltarem para os seus países de origem e que “se não gostam de cá estar… é para isso que há aviões!” Parece haver grande confusão e ignorância de Joacine, Mamadou e André a respeito de um tema sensível que não pode ser estropiado e converter-se em funda para insignificantes e malsãs discussões de café de subúrbio.

Deve saber André Ventura que a lei da cidadania plena entrou em vigor em 1954 e que a nação portuguesa não estabelecia outra condição que a de portugueses a todos os seus cidadãos. Por seu turno, Mamadou Ba nasceu “senegalês”, mas é filho e neto de portugueses, desconhecendo certamente que a sua gente era portuguesa desde o século XV ou XVI, pois que na região do actual Senegal em que viveram os seus, todos eram portugueses católicos e vassalos do Rei de Portugal. Quatrocentos anos antes de nascer o bisavô de Mamadou, ou seja, por alturas da partição de África em Berlim, os seus 14º’s avós matariam o primeiro que lhes negasse o direito à “cidadania antiga” portuguesa.

Quanto a Joacine Katar Tavares Moreira, descende de uma família cabo-verdiana fixada na Guiné Portuguesa, desconhece de todo que o arquipélago de Cabo-Verde, desde o seu descobrimento por Diogo Gomes em 1460 e subsequente assentamento de populações europeias e africanas, foi sempre governada como qualquer outra província do território português europeu e que na Ribeira Grande e na Praia, dotadas das liberdades concelhias e cartas de foral, mandavam os naturais. Ignorante está, também do facto de que se houve alguma colonização da fronteira Guiné, essa foi executada pelos cabo-verdianos, ou seja, pelos seus avós.

A ignorância é muito perigosa; tão perigosa que se pode transformar em ódio. É altura de começaram a folhear os cartapácios.