discurso de abertura do 32º colóquio santa cruz da graciosa 2 out 2019

Views: 0

discurso de abertura do 32º colóquio santa cruz da graciosa 2 out 2019

Agradecimentos são devidos ao prestimoso Presidente da Câmara de Santa Cruz, Manuel Avelar, bem como ao Governo Regional e suas Direções Regionais do Turismo, das Comunidades, da Cultura, ao Hotel Graciosa Resort e Adão Torres que foi seu diretor executivo até dia 29/9, ao Dr Jorge Cunha, diretor do Museu coordenador da vertente cultural deste evento, ao Conselho Executivo da EBS Graciosa e ao professor Fábio Mendes coordenador da vertente musical

O nosso apreço vai para os convidados de honra que, prontamente, aceitaram o nosso convite, escritores Teolinda Gersão, José Luís Peixoto, cientista Professor Félix Rodrigues e ao nosso mestre, decano das letras açorianas EDUÍNO de JESUS que é o homenageado da AICL em 2019.

Agradecemos ao nosso parceiro institucional, a Câmara de Belmonte aqui representada pelo Eng.º Joaquim Feliciano da Costa, que aqui nos traz a fabulástica voz da jovem cantante JOANA CARVALHO, e agradecemos a disponibilidade total que, desde 2018, demonstram os amigos e músicos timorenses Piki Pereira e Mintó Deus que muito enriquecerão as nossas sessões. Encómios ainda para os convidados escritores Eduardo Bettencourt Pinto do Canadá, Jorge Arrimar de Angola, Victor Rui Dores da Graciosa, e damos as boas vindas aos novos associados o escritor Pedro Almeida Maia dos Açores, e o escritor cabo-verdiano Hilarino da Luz, terminando congratulando a presença do Conservatório Regional de Ponta Delgada, com a maestrina, compositora e pianista Ana Paula Andrade, a violinista Carolina Constância, a soprano Carina Andrade. Ao nosso incansável adjunto da direção, Pedro Paulo Câmara o nosso obrigado pelo incomensurável apoio na seleção de convidados. Por fim reiteramos a nossa gratidão ao Governo Regional aqui representado pela Secretária Regional da Energia, Ambiente e Turismo (Marta Guerreiro), cujo apoio financeiro nestes últimos dois anos tem sido fundamental para o leque alargado de mais de 20 escritores presentes. Às entidades locais, congressistas e associados participantes no 32º colóquio, o nosso muito obrigado.

Os Colóquios da Lusofonia desde 2001, pugnam por concretizar utopias num esforço coletivo, em torno de uma ideia abstrata, a união pela Língua. Assim, construímos pontes entre povos e culturas no seio da grande nação lusofalante, independentemente da nacionalidade, naturalidade ou residência. Somos uma tertúlia reforçando a açorianidade e vincando a insularidade.

A Lusofonia é uma capela sistina inacabada; é comer vatapá e goiabada, um pastel de bacalhau ou cachupa, regados com a timorense tuaka ao ritmo do samba ou marrabenta; voltara a Goa com Paulo Varela Gomes, andar descalço no Bilene com as Vozes anoitecidas de Mia Couto, rever os musseques da Luuanda de Luandino Vieira, curtir a morabeza cabo-verdiana com a boca a barlavento de Corsino Fontes, ouvir patuá macaense no Teatro D. Pedro IV na obra de Henrique de Senna-Fernandes, e na poesia de Camilo Pessanha; saborear a bebinca timorense em plena Areia Branca ao som das palavras de Francisco Borja da Costa e Fernando Sylvan, atravessar a açoriana Atlântida com mil e um autores telúricos, reencontrar em Salvador da Bahia a ginga africana, os sabores do mufete de especiarias da Amazónia, aprender candomblé e venerar Iemanjá, visitar as igrejas e casas coloridas de Ouro Preto, Olinda, Mariana, Paraty, Diamantina, e sentir algo que não se explica em Malaca, nos burghers do Sri Lanka, em Korlai ou no bairro dos Tugus em Jacarta. É esta a nossa lusofonia

Como de costume nesta sessão vamos falar de História. O descobrimento dos Açores está envolto nas brumas que turvam os céus do arquipélago. Há várias teses sobre o tema:

  1. As que sustentam que ocorreu no segundo quartel do séc. XIV, no reinado de Afonso IV[1]
  2. As que afirmam que teria sido na primeira metade do séc. XV, por marinheiros do Infante, designadamente por Fr. Gonçalo Velho[2];
  3. As que conciliam estas duas correntes de opinião[3].
  4. A tese de que as ilhas foram anteriormente visitadas por outros povos que disso deixaram vestígios e registos cartográficos.

As primeiras fundamentam-se em mapas genoveses após 1351, onde aparecem ilhas que muitos identificam com os Açores, pela sua localização e nomes. Os mapas indicam um conhecimento das ilhas por marinheiros genoveses ao serviço de Portugal aquando do regresso das expedições às Canárias, no reinado de D. Afonso IV,

As teses que defendem o descobrimento dos Açores como obra de Frei Gonçalo Velho e marinheiros do infante D. Henrique cerca de 1431, baseiam-se na tradição oral que o cronista micaelense Gaspar Frutuoso recolheu na segunda metade do séc. XVI, mas escritores como Azurara, Duarte Pacheco Pereira e outros, nunca citam o nome de Gonçalo Velho.

As teses ecléticas consideram que o descobrimento data de D. Afonso IV e que as viagens por ordem do infante D. Henrique foram de simples reconhecimento. O mapa de Beccario datado de 1435, assinala a maior parte das ilhas dos Açores como “insule de nuovo reperte”. O Prof. Damião Peres, lendo atentamente a inscrição da Carta de Valsequa (de 1439), defende que “as ilhas foram achadas por Diogo de Sunis (ou de Silves), piloto de el-rei de Portugal no ano de 1427″. Só em 1452 as Flores e Corvo seriam reconhecidas por Diogo de Teive.

E por fim, a teoria de que existem provas de presença anterior à dos Portugueses consubstanciadas em vestígios, de presença, registos históricos e evidências arqueológicas e outras.

Perante a ausência de fontes credíveis[i], não é possível identificar com certeza a data da descoberta da Graciosa, no grupo central do arquipélago. Terá sido avistada em 1427, pelo piloto régio Diogo de Silves, como aponta um mapa elaborado em 1439 pelo navegador natural de Maiorca, Gabriel de Vallseca. Na década de 1440, terá sido lançado na ilha algum gado diverso (vacas, cabras, ovelhas, coelhos…) e aves domésticas, de acordo com a ordem emanada pela Coroa portuguesa, em 1439. Crê-se que, por volta de 1450, tenham chegado à ilha, provavelmente arraia miúda e escravos. O primeiro grupo de que há notícia, enviados com sanção oficial do donatário, foi liderado por Vasco Gil Sodré, um “homem bom” de Montemor-o-Velho, que veio acompanhado pela família e criados em meados da década de 1450. Estabeleceram-se no Carapacho, local onde terão aportado, zona de costa baixa e abrigada no extremo sudoeste da ilha, à vista da costa de S. Jorge. Embora Vasco Gil diligenciasse para obter o cargo de capitão do donatário, e ter construído um edifício para casa da alfândega, diligências em que foi sucedido por seu cunhado, Duarte Barreto do Couto, apenas logrou governar a parte sul da ilha, estruturada em torno da futura vila da Praia. A capitania da parte norte, de terras mais férteis e amplas, foi entregue a Pedro Correia da Cunha, natural de Porto Santo, concunhado de Cristóvão Colombo, e que, em 1485, obteve o cargo de capitão do donatário de toda a ilha, unificando-lhe a administração. Fixou-se com a família em Santa Cruz, o que fez com que este povoado suplantasse a Praia como sede do poder administrativo. No ano seguinte, foi elevada a vila e sede de concelho, abrangendo toda a ilha e as duas paróquias (Sta Cruz e S. Mateus da Praia). O influxo de povoadores fez-se das Beiras, do Minho e da Flandres, e em 1486, Santa Cruz recebeu carta de foral, sendo elevada a vila, de acordo com frei Agostinho de Monte Alverne. São Mateus da Praia recebeu carta de foral em 1546. Em 1867, com a extinção do concelho, a Praia perdeu a categoria de vila, estatuto que só recuperaria em 2003. Ao longo da história, passaram aqui figuras de destaque,

  • em 1654, o padre António Vieira, vítima de naufrágio perto do Corvo, rumando a Lisboa, recolhido por um corsário holandês aqui esteve dois meses até passar à Terceira;
  • em 1791, o escritor francês François-René de Chateaubriand, rumo à América ficou hospedado no convento franciscano de Sta Cruz, descrevendo a ilha com mestria nas suas Memórias[4];
  • em 1814, o escritor Almeida Garrett, com apenas 15 anos, visitou um seu tio, juiz de fora em Santa Cruz. Reza a tradição que terá pregado um sermão, em óbvia contravenção da lei, e que terá escrito versos já reveladores do seu talento de poeta.
  • O padre Jerónimo Emiliano de Andrade, que permaneceu em exílio três anos de 1828 a 1831
  • Em 1879, o príncipe Alberto I do Mónaco a bordo do iate “Hirondelle”, no decurso dos seus trabalhos de hidrografia e estudo da vida marinha. Desceu à Furna do Enxofre, alertando para a criação de acesso adequado para potenciar aquele local como atração turística.

Os maiores sismos ocorreram em 1730, 1837 e 1980 na Luz e Carapacho.

De 1800 a 1920 a população decresceu de 9 500 habitantes para 7 500, resultado da pobreza devido à devastação da vinha pela filoxera. Até 1950 há um rápido crescimento, ultrapassando os 10 000 na década de 1950. As décadas de 50 e 60 foram de profunda crise económica e social, com crescente pobreza, a que se veio juntar o recrutamento militar da Guerra Colonial. Estes fatores, levaram à partida em massa para a Terceira, onde a construção da Base das Lajes criava oportunidades de emprego, e depois para os EUA, pela facilitação da emigração. O resultado foi o declínio vertiginoso da população da ilha que ora ronda 4400 habitantes.

Esta bela ilha oval de 398 m de altitude máxima tem 62 km2. Em 1486, teve início a construção da Igreja Matriz, aberta ao culto em 1500. Sobrevivem a abóbada do batistério e o retábulo de talha dourada barroca da capela-mor. A Santa Casa da Misericórdia já existia em 1512. Houve a Igreja e Convento de Franciscanos fundado em 1609, mas apenas resta uma torre. Hoje sobressaem belas casas solarengas com cantarias de pedra, de finais do séc. XVIII, que enobrecem o centro da vila em volta de um rossio com árvores centenárias de grande porte, pavimentado com calçada portuguesa, e com dois pauis de água doce. Sobranceiro, um vulcãozinho deu origem ao Monte de Nossa Senhora da Ajuda onde se implantaram três capelinhas da devoção dos ilhéus e um miradouro natural[5]. Dignos de menção são o Forte da Ponta do Freire e o da Barra, a azulejaria da Matriz com painéis seiscentistas atribuídos a um pintor da escola de Mestre Cristóvão de Figueiredo. Iremos ver a ilha, com visita guiada ao Museu, passeio pela vila, visita à caldeira e furna do enxofre. Em setembro de 2007, a ilha foi classificada pela UNESCO como Reserva da Biosfera.

Quinhentos anos se passaram de ilusões, tristezas e esperanças que foram o pão nosso de cada dia, das gentes da ilha. Há mesmo um local chamado ESPERANÇA VELHA. Os tempos mudam, mas a vontade firme de lutar, continua a estar na alma deste povo que soube, pela nobreza de ideias, fazer desta terra, tantas vezes isolada, uma terra de paz. Como a Graciosa é muitas vezes injustamente esquecida a AICL decidiu trazer os colóquios em 2015 e de novo este ano, esperando que os presentes sirvam de embaixadores desta singular, branca e graciosa ilha. Que aprendam a sua rica história, os seus burros recentemente reconhecidos como raça autóctone a aguardarem o aproveitamento das suas potencialidades turísticas e terapêuticas, os inúmeros moinhos de vento que servem de ex-líbris, as afamadas queijadas da Praia, que se chamaram em tempos idos, covilhetes de leite, o seu apego à música que dantes ecoava em todas as ruas. Esqueçam as dietas e depois de uma boa caldeirada, provem os Pastéis de Arroz, as Capuchas, Lavadores, Freirinhas, as queijadas de coco, os encharcados de ovos e as Amélias da Graciosa acompanhadas do típico branco da casta de verdelho local, da sua aguardente ou vinho aperitivo.

A terminar queria anunciar que a AICL decidiu que o autor homenageado de 2021 será Pedro Paulo Câmara e como estava anunciado em 2020 será Onésimo Teotónio de Almeida.

Agradecemos uma vez mais aos nossos parceiros neste colóquio, a Câmara Municipal e Presidente Manuel Avelar, o Hotel Graciosa Resort e Adão Torres seu diretor executivo cessante, e ao Governo Regional cujo patrocínio nos permite estar aqui nestes frenéticos quatro dias.

[1] (H. Major, Ferreira de Serpa, etc.);

[2] (cardeal Saraiva, Aires de Sá, etc.)

[3] (Jordão de Freitas, Velho Arruda, etc.)

[4] Memoirs of Chateaubriand, François René vicomte de Chateaubriand, vol. 1

[5] In Folheto de “Apresentação Pública dos Símbolos Heráldicos da Freguesia de Santa Cruz da Graciosa” por Oriolando Silva

[i] https://www.iac-azores.org/iac2018/projetos/IPIA/graciosa/santacruz/graciosa-ilha-esquecida.html

Bibliografia:

A. Ferreira De Serpa. O Descobrimento Dos Açores, Porto, 1925.

AAVV, História dos Açores, 2 volumes, Angra do Heroísmo, IAC, 2008.

Agostinho de Montalverne (Frei), Crónicas da Província de S. João Evangelista das Ilhas dos Açores. Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 2ª edição, volume III, 1994.

Aires De Sã. Frei Gonçalo Velho Lisboa (2 vols).

Anais da Ilha Terceira, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira, 1990.

António Cordeiro (Padre), Historia Insulana das Ilhas a Portugal Sugeytas no Oceano Occidental, edição fac-similada da edição Prínceps de 1717, Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1981.

Arquivo Dos Açores, “Coleção Pta. Delgada” (15 vols.).

Boletim C. R. C. A. A.” Coleção Pta. Delgada” (28 Tornos).

Cardeal Saraiva. Índice Cronológico Das Navegações, etc. Lisboa. 1841.

Damião Peres. História Dos Descobrimentos Portugueses, P. Delgada, 1890.

Dicionário De História De Portugal – Direção De Joel Serrão.

Diogo das Chagas (FREI), Espelho Cristalino em Jardim de Várias Flores, Angra do Heroísmo – Ponta Delgada, SREC

Ernesto Do Canto, Biblioteca Açoriana, Pta. Delgada, 1890.

F. Ferreira Drumond. Anais Da Ilha Terceira, Angra (4 vols.).

F. Ferreira Drumond. Apontamentos Topográficos, Políticos, Civis e Eclesiásticos para a História das Nove Ilhas dos Açores

Félix José da Costa, Memória Estatística e Histórica da Ilha Graciosa, IAC / Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa, 2007.

Gaspar Frutuoso, Saudades da Terra, 2ª ed., Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1977-87, vols III, IV VI.

Graciosa – As Tradições E As Paisagens De Uma Ilha” De Pe Norberto Pacheco

Henry Major. Vida Do Infante D. Henrique, Lisboa, 1876.

Jordão De Freitas. As Ilhas Do Arquipélago Dos Açores Na História Da Expansão Portuguesa, Lisboa.

José Guilherme Reis Leite, “A importância da ilha Graciosa no movimento autonomista no final do século XIX” in Boletim do Museu da Ilha Graciosa, Santa Cruz da Graciosa, nº 6 (abril de 1996).

Luís Da Silva Ribeiro. Formação Histórica Do Povo Dos Açores, In Açoriana, Angra, 1941.

Manuel Monteiro Velho Arruda, Coleção de documentos relativos ao descobrimento e povoamento dos Açores, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1932 e 1989.

Paulo Drumond Braga, A Inquisição nos Açores, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1997.

Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas, Lisboa, Editorial Comunicação, 1987.

Susana Goulart Costa, Açores: Nove Ilhas, Uma História, Direção Regional de Cultura, 2008.