Views: 0
Mais uma sobre Timor do meu tempo:
O Chefe.
O seu chefe directo era capitão e exercia as funções de Chefe do Estado-maior do Quartel-general do Comando Militar. Oficial da Artilharia com o curso de E.M, era um tipo bastante inteligente e culto. Apreciador acérrimo da música de Jazz, passava mais tempo a falar disso do que a tratar de problemas de serviço. Passou bons momentos em sua casa ouvindo boa música e apreciando as suas dissertações sobre a mesma. Como bom artilheiro era também um excelente matemático. Aproveitando aquele belo mar que nos rodeava, o Nosso Capitão resolveu elaborar os planos de um veleiro a construir na Austrália. Muitas sessões de despacho ficaram para trás por o tempo se ter passado em explicações minuciosas sobre arcos e vectores cascos e tombadilhos. Aquilo realmente era tarefa ciclópica, mas foi cumprida até ao fim. Depois de prontos, os planos lá seguiram para a Austrália, o barco foi fabricado e chegou a Timor. Devidamente aparelhado, marcou-se o dia do lançamento à água. Os convites foram dirigidos à fina-flor de Dili e, no dia marcado lá estavam todos frente ao porto. O Nosso Capitão, todo de branco e boné de Comandante, com âncora e tudo, estava no tombadilho ocupado com os últimos pormenores. A assistência ansiava pelo momento em que o pequeno iate iniciasse o deslize sobre o palanque improvisado. O Comandante militar proferiu um pequeno discurso em que enalteceu as capacidades que o seu CEM tinha demonstrado, quer como engenheiro naval, quer como marinheiro. A esposa do CEM, resplandecente no seu vestido das grandes ocasiões, exultava de alegria e orgulho no seu marido, conversando em voz baixa com a esposa do Governador que também estava presente e excelentemente ornamentada como convinha. O momento esperado chegou. A esposa do Governador largou o “champagne” que se esmagou no casco. As palmas soaram e o bote começou o seu deslize. Caiu na água, balançou um pouco e estabilizou. As palmas começaram a abrandar e os que sabiam alguma coisa de barcos começaram a aperceber-se que algo não estava bem. O nível do mar ultrapassava em muito a marcação da linha de água e pela caixa do patilhão o jorro saía em catadupas. Quando o nosso “marinheiro” se apercebeu do que acontecia ficou estático e sério. De pé, em cima do tombadilho, na posição de sentido, fez a continência e deixou-se afundar com o seu navio. Ninguém resistiu e a risota foi geral. O seu Chefe era assim. Pena sua não ter registado fotograficamente o sucedido.
Confesso que me veio à mente Jorge Amado e os seus Velhos Marinheiros. Aí o seu Vasco Moscoso de Aragão não previu a tempestade, mas a sua inépcia levou-o a ancorar com todas as amarrações o que o salvou e lhe valeu a fama de grande Capitão de Longo Curso. Aqui o velho marinheiro nada previu, mas afundou com honra e galhardia como um verdadeiro velho marinheiro.
Mais tarde, depois de recuperado, e calafetada a caixa do patilhão, o bote ficou perfeito e muito navegou, mas na estreia já não houve pompa e circunstância.
A vida em Timor corria assim, devagar sem sobressaltos e sem grandes problemas. Os meios eram escassos, mas as necessidades também não eram muitas. As saudades de casa, da Família e de Portugal eram enormes, mas o fascínio daquela terra, as amizades criadas e a juventude tudo superava.
Ao nível do governo Nacional, Timor era completamente esquecido e desprezado. Os mínimos recursos ou não chegavam ou apareciam tardiamente. As preocupações do Governo Provincial não tinham repercussão na Metrópole. Apenas havia o preciosismo de colocar Timor nos livros escolares como terra de Heróis. Pobre D. Aleixo que foi um dos dois únicos Régulos que, durante a ocupação Japonesa, optaram por ficar ao lado dos Portugueses. Mais-valia ter feito como todos os outros, pelo menos não os tinham pendurado. Tudo e todos se estavam nas tintas para um território a mais de 25000 km. Depois foi o que se viu.
A perna não ficou boa e teve de ser evacuado para Portugal, estava-se em 1961, dois anos tinham corrido devagar. Na Índia, Neru tinha passado à ofensiva borrifando-se no Salazar e na ONU. Alguns bons Amigos, da sua geração na Academia Militar, ficaram lá como prisioneiros de guerra e, quando regressaram, foram tratados pelo governo, como miseráveis cobardes. Pobres rapazes cujo armamento para se defenderem de um Exército poderoso e organizado, ainda era pior do que os nossos obuses de 7,5 em Timor. Em Angola começaram as hostilidades contra a surdez do Governo de Portugal e o Povo é que sofreu.