Há uns meses publiquei aqui uma lista de expressões cariocas. Chegou agora a vez de ajudar os brasileiros que visitam Portugal – em turismo ou porque compraram um visto dourado – a entenderem melhor a linguagem idiomática dos lusitanos. Não há um português que não reproduza, no seu quotidiano e habitat natural, várias das entradas que apresento na primeira parte deste glossário. Para a semana há mais, com direito a um conto que inclui todas as expressões compiladas. Se existe alguma ordem ou lógica nesta lista, não foi intencional.

Vou ter com – Ainda que Machado de Assis usasse esta expressão no romance “Dom Casmurro”, para dizer que iria encontrar-se com alguém, no Brasil de hoje o mais comum seria “vou encontrar com”. Se pararmos para pensar, percebemos que “vou ter com” não quer dizer nada. Vou ter o quê? Um filho? Um ataque cardíaco? Embora não tenha achado a razão pela qual dizemos “vou ter com”, especulo que seja a contração da frase mais longa “vou ter um encontro com”.

Vão vocês que eu vou lá ter – Usado especialmente no final de jantares de grupo ou quando, num bar, os amigos decidem ir para o bar seguinte. Bom exemplo da subtileza e da procrastinação dos portugueses. Eufemismo para “vai andando, não percas tempo por minha causa, deixa-me estar sossegado que estou aqui tão bem”.

Bazar, dar de fuga, dar corda aos sapatos, pôr-se na alheta, ala que é cardoso – Ir embora, sair do lugar onde se está. No caso de “alguém se pôr na alheta” é possível que se trate uma referência náutica, uma vez que as alhetas são os lados da popa de um barco. No caso do Cardoso, talvez fosse uma presença indesejável, e, perante a sua aproximação, alguém alertasse Ala (“anda”, “vamos”) que o canalha do Cardoso está nas imediações. “Ala, ala” é usado pelo diabo no “Auto da Barco do Inferno”, de Gil Vicente.

Chegar a roupa ao pelo – Bater em alguém. Uso popular: “Ó Toninho, tu deixa de azucrinar a tua irmã se não daqui a bocado chego-te a roupa ao pelo”.

Levar nos cornos, levar no rabo, levar na boca – O uso do verbo “levar” tem aqui um sentido diferente de transportar, carregar ou trazer. Levar nos cornos e levar na boca implicam apanhar porrada. Levar no rabo (no Brasil usar-se-ia “tomar” e “cu”) dispensa mais elucidações.

Trabalhar para aquecer – Trabalho desperdiçado, um projeto que não deu em nada, desempenhar uma função sem a devida recompensa. Tendo em conta a carga fiscal e a avidez predatória com que se caçam hoje os contribuintes portugueses, bem como os invernos rigorosos e o preço da energia, trabalhar para aquecer tem ganho ultimamente um sentido mais literal.

Sai-me do pelo – Algo que custa, que implica esforço e valor, que deu trabalho. É a segunda referência ao “pelo” neste glossário, ainda assim, asseguro que o número de mulheres portuguesas com bigode é hoje residual.

Enquanto o pau vai e vemfolgam as costas – Momento de descanso e alívio durante algo desagradável ou doloroso. Não confundir com o uso de “pau” – órgão sexual masculino – no Brasil. Exemplo:

– O idiota teu chefe foi de férias?

– É só uma semana.

– Ao menos enquanto o pau vai e vem, folgam as costas.

Pra quem é bacalhau basta – Quando a pessoa a quem é destinada alguma coisa não merece muita consideração. Exemplo:

– Vais levar um vinho de três euros para o jantar com o Vladimir Putin?

– Pra quem é bacalhau basta.

Águas de bacalhau – Uma situação estagnada, algo que não se desenvolve, impasse. Exemplo:

– E aquele negócio de importação de gambuzinos chineses, foi em frente?

– Nunca mais me disseram nada, ficou tudo em águas de bacalhau.

Arrotar postas de pescada – Intervir de forma desnecessária, exagerada ou inoportuna. Dar opiniões sem fundamento, debitar informação sem pertinência. Demonstra um certo desprezo pelo interlocutor. Exemplo:

– Estás praí a arrotar postas de pescada sobre o meu casamento com a tua irmã, fica mas é sossegadinho se não tenho de pregar-te tamanha galheta que ficas desenhado na parede.

Armar-se em carapau de corrida – Presumir de ser o melhor, alguém saliente, que tenta destacar-se demasiado, também se aplica se o interlocutor é desafiante ou tem a mania que é esperto. Exemplo:

– Antunes, deixa de ter armar em carapau de corrida e vai para a fila como os outros.

Saltar à espinha ou Saltar para a espinha – Frase bastante coloquial para demonstrar desejo sexual pela pessoa que é detentora da espinha (coluna vertebral) em questão. Também usado para descrever o ato sexual. Exemplo: “O Antunes ontem triunfou, saltou à espinha daquela gótica de Fernão Ferro que entrega pizzas”. Talvez uma referência aos predadores que cravam garras e dentes no dorso das suas presas.

Saltar à boca – Beijar alguém de forma inesperada e repentina. Exemplo: “Mal ela me disse olá saltei-lhe logo à boca”.

À balda – Tudo à vontade, sem regras, liberou geral.

Giro – Bonito, agradável, bom, formoso. Adjetivo que qualifica algo de positivo. Um conceito difícil de explicar pelas suas múltiplas aplicações. Uma mulher pode ser gira por ser bonita (normalmente gira aplica-se mais à beleza da cara), mas também por ser interessante ou conjugar uma série de qualidades. Umas calças também podem ser giras, tal como um filme ou um faqueiro.

Meter o Rossio na rua de Betesga – Revela a impossibilidade de uma ação, normalmente em matéria de espaço, uma vez que a ampla praça lisboeta do Rossio não caberia na estreita rua da Betesga, sua vizinha. Exemplo: “Queres estacionar o carro aqui? Isso é como meter o Rossio na rua da Betesga”.

Cai o carmo e a trindade – Anúncio de uma desgraça ou de, pelo menos, um desenvolvimento com más consequências. Referência ao largo da Trindade e ao Convento do Carmo, que foram destruídos no terramoto de 1755. Exemplo: “Se o Tavares sabe que eu perdi os bilhetes para a final da Liga dos Campeões cai o Carmo e a Trindade”.

Rés-vés Campo de Ourique – Rés: rente, a rasar. Algo que quase aconteceu, a escapatória no último segundo. Por um cabelo, por um triz, por uma unha negra. Outra referência ao grande terramoto: diz a lenda que a destruição da cidade parou antes do bairro de Campo de Ourique. Exemplo: “Cheguei agora de Copacabana, um ônibus passou um vermelho e não morri por acaso, foi rés-vés Campo de Ourique”.

Nota final – Desde que sou gente, não me lembro de alguma vez ter ouvido, em Portugal, “Ora pois”, muito menos “Ora pois, pois”, expressão que no Brasil se usa com frequência para reproduzir o discurso dos portugueses. Por favor, parem com isso. Fiquem com o “pá” e o “gajo”, mas livrem-se do “Ora pois, pois.”