6 de junho dia da autonomia dos Açores

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500. 6 de junho dia da autonomia dos Açores 18.6.2022

Um novo tipo de feudalismo e de escravatura perpetua o fosso entre os que “têm” e os que não têm a alforria. A massificação da cultura “dita popular” versus a redução abrupta dos orçamentos culturais (artes em geral, teatro, literatura, etc.) quer perpetuar o mínimo denominador comum de iliteracia. Um povo iletrado não pode ser livre nem preserva a sua autonomia, antes permanece subjugado e submisso aos que o espezinham.

Se não fosse a bandeira azul com estrelas que se vê no aeroporto e o uso do Euro como moeda ninguém pensaria que estamos na Europa e não é pelos dois mil quilómetros que nos separam da terra firme, mas pela diferença de paradigmas de vida, pelo seu ritmo cadenciado, pelas ondas e marés e não pelos ditames da burocracia. A identidade insular é bem distinta da portuguesa e da europeia e para se cumprir falta apenas a vivência de uma autonomia plena que cortasse as amarras. Pertence o arquipélago à Europa por mera e fortuita coincidência geopolítica, mas a alma destas ilhas está equidistante de Américas e Europa. Ainda vou acabar por me naturalizar açoriano!

Aqui nos Açores tudo continua na modorra habitual sem que as pessoas se apercebam da crise, embora a citem no quotidiano linguajar, e há sempre um Santo Cristo a quem rezar, uma romaria anual para fazer, e umas oferendas em nome disto ou daquilo. Mesmo assim, os mesmos que vão ao Santo Cristo e compungidos cantam orações nas romarias são os que, ao domingo, ficam à porta das igrejas ou vão para a taberna passar o tempo do santo sacrifício da missa. Atavismos de séculos que o medo dos tremores e dos vulcões nos últimos quinhentos anos perpetuaram no ADN destas gentes, acostumadas a aceitarem todos os fados como desígnio divino. Nada fazem para mudarem o que podem e aceitam tudo aquilo que não podem mudar, mas ao contrário dos Alcoólicos Anónimos não sabem a diferença. Pelo contrário, dão seguimento ao bom ditado de Salazar “dar a beber vinho é alimentar um milhão de portugueses” …e se batem na mulher e filhos não é por causa do álcool, mas por herança genética.

Curiosa terra em que nada parece passar-se centrada nas nove ilhas diferentes e separadas como sempre estiveram, por bairrismos ancestrais. Aqui viveram muitos revolucionários e grande parte da história de Portugal passou por aqui ou aconteceu aqui (embora quase ninguém o saiba), desde a oposição ao reino dos Filipes às guerras liberais e ao 25 de abril tudo se passou aqui, mas hoje com esta pretensa autonomia não vislumbro homens capazes de libertarem Portugal que tem a (injusta) fama de brandos costumes e a prática de muitas aleivosias, alevantes populares, revoltas e revoluções, apaga-se lentamente da lista das civilizações tal como os Maias, Astecas e tantas outras que um dia dominavam grandes partes do universo habitado e conhecido … … e eu aqui sem nada poder fazer a não ser cronicar esta morte há muito anunciada.

Adoro este país em que vivo, não só pelo sol abundante, que na maior parte dos anos nos chega de borla, como pela riqueza das suas paisagens variadas de norte a sul, e pelo mar adentro até aos arquipélagos da Madeira e Açores. No entanto há pequeninas coisas que podiam ser melhoradas, uma delas é a IMPUNIDADE, ninguém é condenado (e se for é com pena suspensa, que as cadeias estão cheias e a abarrotar e não convém meter lá gente fina que teve um deslize ou outro, mesmo que seja de uns milhões.)

No entanto, o povo demonstra uma total incapacidade, insensibilidade e inépcia de mobilização para o roubo descarado feito pelo governo na saúde, educação, justiça, nos vencimentos, nos subsídios, e nas regalias que ao longo de décadas foram penosamente conquistadas. Queixa-se nos cafés, que mal frequenta já pois nem dinheiro têm para a bica, queixa-se no ciberespaço, algumas desgarradas manifs de rua que para nada servem, em greves a que não aderem para não perderem mais dinheiro, mas quanto a fazer uma magistral manif que faça tremer o governo, lá isso não sabe fazer, manda umas vaias e assobios em público, faz uns cartazes ou manda umas bocas foleiras que podem dar cadeia ou indemnização. Um povo de mansos e vacas chocas, sem espinha vertebral que vai continuar sempre a votar nos mesmos que o defraudaram e roubaram ao longo destes anos da dita democracia, enquanto se diz saudoso de líderes salazarentos honestos que mantiveram o país num feudalismo medieval, de analfabetismo, fome, futebol, Fátima e Fado.

O mundo agita-se em vários países e continentes, mas em Portugal “no pasa nada”, tudo calmo e tranquilo apesar dos 402 políticos com pensões vitalícias custando 6,4 milhões de Euros, e inúmero reformados a ganharem fortunas em posições executivas. Crê-se que Portugal é dos que mais reformados ativos tem, mesmo os que se aposentaram por baixa médica de incapacidade, mas que saltaram para uma empresa ou outra a auferir milhões ….

Portanto, aparte aquele problema da impunidade, que me incomoda, e facto de os portugueses serem um povo pacífico que todos os dias lê (imensos jornais desportivos e magazines cor de rosa), vê todas as telenovelas possíveis até se deitar exausto, não perde um jogo de futebol, não vejo por que razão não deveria eu gostar deste país. Só se for por ser contra as touradas….

Há aspetos positivos, os céus enviaram-me um pôr-do-sol espetacular. Mais um, que desta falsa espreito à janela por sobre a Bretanha até se deter devagarosamente no meio do oceano, lá onde eu costumava ver a minha ilha mítica, chamada Autonomia, que mais ninguém jamais viu ou anteviu. Desde o início da minha estadia nos Açores, sempre pautei a minha posição pessoal pela defesa de uma verdadeira autonomia do arquipélago, em vez deste arremedo de autonomia envergonhada em que se vive, dependente do bom humor de quem está sentado na cadeira do poder em Lisboa. A visão açoriana do mundo é de tal forma paroquial que este arquipélago dificilmente seria independente, nem haveria gente suficiente e com “cojones” para o tentar. É uma utopia pensar nela pois não haveria gente com capacidade de aproveitar a riqueza da zona marítima exclusiva (afinal só foi descoberta ao fim de 37 anos de autonomia…) nem as outras potencialidades exclusivas dos Açores (se calhar não dava votos e não se fez nada por causa dessa necessidade que os políticos têm de se agarrarem ao poder através do voto popular). Depois haveria outro problema grave, quase todos vivem de subsídios e nada sabem fazer sem eles…vai ser difícil desabituá-los …. Curiosamente, acusam as 8 ilhas de estarem contra São Miguel da mesma forma que São Miguel acusa Lisboa…a macrocefalia de PDL é igual à de Lisboa salvaguardadas as respetivas escalas.

Se fizessem um referendo, a autonomia perdia esmagadoramente pois é melhor culpar o Governo de Lisboa do que os sucessivos governos regionais e estes mantêm-se como os de Lisboa graças aos seus clientes, deveríamos dizer fregueses pois isto não passa de uma grande freguesia, e quando há desacordo ou é porque eu não sou de cá ou porque tu vives fora e não estás bem informado… Entendo a autonomia dos Açores (passada, presente e futura) como consequência do feudalismo arreigado que dominou as ilhas por séculos e hoje surge a outro nível e com outras roupagens. Mas a que imagino não é a que os políticos decidiram que nós teríamos.

Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association – MEEA]

drchryschrystello@journalist.com,

Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

 

 

 

 

 

 

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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