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Serão lançados no dia 22 de Novembro, às 18:00h, o livro “Crónica do Quotidiano Inútil – 50 Anos de Vida Literária“ e “Liames e Epifanias Autobiográficas”, de Chrys Chrystello, nas Cavalariças da Biblioteca Pública e Arquivo Regional de Ponta Delgada.
O evento contará com a apresentação de Maria João Ruivo e Susana Goulart Costa, e com recitação de poesia pelas vozes de Aníbal Pires, Mário Sousa e Palavras Sentidas.
dia 22 nov na BPARD (biblioteca pública e arquivo distrital)CAVALARIÇAS PONTA DELGADA 18 HORAS, com MARIA JOÃO RUIVO E SUSANA GOULART COSTA, e as vozes de Aníbal Pires, Mário Sousa e Palavras Sentidas
apresentação dia 2 2novembro biblioteca pública e arquivo regional de ponta delgada (cavalariças) 18.00 com maria joão ruivo, josé andrade e leonor sampaio da silva
badana de eduíno de jesus
Uma Poesia do real e da análise como meditara Cesário, mas noutra clave, em que a palavra, o texto, a estrutura circular do sentido – o real e a análise – , tudo isso se desintegra, estilhaça em vários fragmentos de forma e de sentido que é preciso reconjuntar para atingir o Poético e o Sentido. Tal, se bem a entendo, a Poesia nesta Crónica do Quotidiano Inútil, em que Chrys Chrystello a e se exprime.
Eduíno de Jesus
maio 2022
prefácio de álamo oliveira
CINQUENTA ANOS DE POESIA
(…) é urgente descobrir um poeta.
Repito
É indispensável um só!
Para Ministro das Finanças.
- Chrystello
Se a Poesia pudesse entrar no mercado de valores, ela estava, com certeza, mais cara. E estaria mais cara, porque, nomeadamente, se veste de uma energia capaz de converter pecadores da Palavra, ou, se se preferir, ela quiser medir forças com os malefícios discursivos, onde tudo pode acontecer, mesmo o menos respeitável. Chrys Chrystello quer – e muito bem – que os poemas, escritos de há cinquenta anos a esta parte, possam garantir motivos de festa, mesmo que essa festa seja programada para dizer ao Mundo que a Poesia não é máscara para covid e, muito menos, cemitério de «quotidianos inúteis». Uma coisa é certa: Chrystello bem pode dizer que a sua Poesia tem o seu quanto de canino, mas, o que tem para dizer diz sem mais demoras.
Durante cinquenta anos tudo aconteceu e de tudo Chrystello deu conta. Ele expressa-se através de uma inquietação, que até pode parecer prosaica, mas que, ideologicamente, é profunda. A sua Poesia não é gratuita e, parecendo querer percorrer espaços pequenos, eis que a grandeza, banalizada pela injustiça, pela guerra, pela fome e pela falta dos saberes suficientes para resolver esse «quotidiano inútil», transparece como vontade no espelho da vida. Tudo o que pode acontecer numa guerra, ele denuncia como quem despe o denominado «cadáver adiado», denunciando barricadas, recolher obrigatório, fronteiras francas, o que provoca uma relação penosa com o Poder, através da corrupção das palavras. Nunca como agora as palavras adiam as mentiras, seguindo o velho ditado que a mentira dita convictamente e muita vez, passa a ser uma verdade indesmentível. É o Poeta que afirma: «Não vos vou dizer que (os homens) eram fortes como certezas.»
Vem a surpresa da Poesia de Chrys Chrystello dar a entender que se está perante uma escrita situada e sitiada. eivada de partidas e de chegadas, pois a tanto o obriga o desassossego geográfico de uma vida que nunca aceitou a monotonia do tempo e do lugar e sempre quis captar, mesmo que de forma cronicada, o rosto possível dos habitantes e o que lhes abria as portas para o resto do Mundo, apesar das suas paisagens virem quase sempre tocadas por colorações bélicas. Neste viajar irrequieto, o Poeta procura, no interior das comunidades que vai convivendo, adaptar-se ao léxico de cada lugar e que, obviamente, se deixa temperar pela Língua portuguesa.
Porém, são as condições político-sociais dos povos o tema que mais sensibiliza o Poeta de Crónica do Quotidiano Inútil. Transforma-se em poeta militante; desenvolve uma estratégia armada com a poesia de combate; é um amante à procura da pátria estabelecendo as suas próprias fronteiras afetivas. Os afetos dão-lhe essa espécie de força erótica, embora o seu coração permaneça em Díli – lugar onde «os sentimentos não são fraldas descartáveis, nem piedosas senhoras tricotantes». Afinal, «é preciso levantar o amor.»
A Poesia de Chrystello não se fica por aqui. Para lá deste encontro muito intencional com o pulsar dos seus afetos, há que referir que o poeta não esconde a militância política de rosto descarado, quase deslírica porque também sarcástica. Apunhala, de seguida, o leitor com «só se é rio uma vez (na vida).» É um trabalho de escrita violento, mas objetivo, com manuseado e cuidado de escrita, de forma a obter um desenho vocabular que atrai o leitor.
Ao falar-se da Poesia de Chrystello, não se pode deixar de lembrar Eduardo Lourenço que tem pelo neorrealismo português, «uma realidade literária (que) nasceu após a sua teorização, como vestimenta de uma ideologia cuja força histórica, sugestão e potencial universalidade, a exigiam.» E acrescenta: o «neorrealismo português decorrerá desta singular relação entre teoria ideológica e prática literária, (…)» Entende-se assim que a Poesia de Chrys é esta relação «sofrida entre os factos e os lugares», sendo de ajuizar o que é dito de forma crua e sentida. Por isso, «é urgente descobrir um poeta/ Repito/ É indispensável um só!/ Para Ministro das Finanças.»
Cinquenta anos de Poesia é uma vida de palavras sustentadas com a coragem dos versos que dão importância ao quotidiano. É uma apreciação redutora, mas que facilita a própria leitura. Não foi inútil. Não houve, não há tempo para rasurar a fórmula do discurso. Talvez seja abusivo falar aqui de neorrealismo, uma vez que a Poesia saltou de versos a verso como se o Mundo estivesse todo por fazer. Ou estivesse feito demais. O novo-realismo tem destes erros de espelhos. O que é «inútil» é a deformação das palavras apodrecidas.
Álamo Oliveira
Raminho, 5 de maio de 2022
Prefácio – Quando Um Andarilho do Mundo Acaba Nos Açores
… Vivi três vidas numa só, carreiras distintas em paralelo e nada de material tinha para mostrar, mas teimava em acarretar essa pesada bagagem de conhecimentos e cultura.
Chrys Chrystello, LIAMES e EPIFANIAS 1949-2005 (CHRÓNICAÇORES V)
Vamberto Freitas
Falar de Chrys Chrystello é falar de um Fernão Mendes Pinto da nossa época (menos as supostas mentiras do autor de Peregrinação, publicado em 1614), e que desde há anos vive e dinamiza a cultura literária (e não só) aqui nas ilhas, e levando tudo para o exterior adentro de Portugal e no estrangeiro. Esta não é em uma feroz anti-cruzada como Peregrinação, a primeira da Europa ou do mundo após os Descobrimentos portugueses, como a classificou Rebbeca Catz há muitos anos, numa distinta tese de doutoramento defendida na Universidade da Califórnia. Uma estudiosa falecida, mas que permaneceu sempre uma grande amiga e admiradora de Portugal, e foi na altura elogiada largamente por alguns escritores e intelectuais do nosso país, como Augusto Abelaira. O seu livro fulminante (mesmo sendo uma tese de doutoramento defendida na Universidade da Califórnia) foi publicado em Inglês em 1972, e depois traduzido em Portugal em 1978 sob o título de A sátira social de Fernão Mendes Pinto: análise crítica da Peregrinação.
Não pretendo fazer aqui paralelismos com a dividida e complexa experiência vivencial ou profissional de Chrys Chrystello, seja como jornalista ou como escritor. Só que este seu livro contém passos semelhantes, apesar de ele nunca lido Rebbeca Catz.
Na contracapa do livro do livro desta americana judia vem uma citação mais do que demolidora: “… escrita em Almada, no auge dos conflitos político-religiosos que constituíram o pano de fundo da famigerada Inquisição e Contrarreforma ibéricas, a Peregrinação é um exemplo prematuro – senão mesmo o primeiro, em toda a literatura europeia – de sátira corrosiva que, denunciando a ideologia da Cruzada, põe em dúvida a moralidade das conquistas ultramarinas portuguesas, que Fernão Mendes Pinto é o primeiro a condenar como atos de bárbara pirataria”.
Chrys Chrystello é natural do Porto (embora se diga sempre australiano de origem transmontana). A verdade é que Chrys traça as suas origens a Afonso Henriques, mesmo antes de Portugal o ser, reduzido ainda ao Condado Portucalense, e depois, do lado materno aos Novos Cristãos, aos judeus que só no século passado assumiriam quem eram perante o mundo na História rica a partir do momento que D. Manuel I tanto obedece como contraria as ordens dos seus sogros no lado de lá da nossa fronteira, e sempre à espreita do momento de nos conquistar ou absorver através dos estranhos casamentos do tempo de monarquias mandantes e poderosas. Vamos ao essencial, que coloca este livro no seu devido contexto açoriano.
Chrys Chrystello cresce numa família tradicional cuja fortuna haveria de desaparecer, e entre 1972-1975 foi para Timor (ano em visitaria pela primeira vez a Austrália, e lá se fixando a partir de 1982), testemunhando toda a complexidade da transição para a liberdade daquele país cobiçado por potências ali por perto.
Depois veio Macau nos anos de 1976-1982, o momento em que ele decide de mudar de nome por duas razões. Primeiro, insistiam em chamá-lo “Chrys”. Segundo, viu nisso a oportunidade de adotar esse nome para esquecer, ou mesmo rejeitar todo um passado num Portugal que raras vez atinava com os seus próprios interesses ou identidade ante um mundo em mutação, mas do qual se encontrava longe.
O autor deste e de outros livros, após o seu serviço irrequieto à Nação e ao longe, tornar-se-ia um jornalista profissional, fundador do Público, no tempo, mais ou menos em que foi repórter da LUSA durante 11 anos.
Começou logo em 2001 a organizar os colóquios sobre a lusofonia, e quando se instala permanentemente no nosso arquipélago (a sua companheira tinha sido colocada numa escola de cá), retoma-os em 2006, até hoje, com dois encontros por ano, em ilhas diferentes e no resto de Portugal e além-fronteiras, editando sempre os “Cadernos de Estudos Açorianos” que já somam 40, e em cada qual distingue um dos nossos escritores e/ou poetas. Nunca nada disto tinha sido feito entre nós.
Estou à vontade neste texto: nunca deixei de ser convidado, e nunca participei ativamente, com a exceção da apresentação de um livro de Zeca Soares no pátio do seu próprio e mítico restaurante da Praia dos Moinhos (2014) e no Centro Cultural Natália Correia (2021). A minha ausência das suas imparáveis iniciativas tem a ver com questões sobre as quais não quero nem devo falar neste espaço. Segui sempre afastado, no entanto, os trabalhos em curso, com admiração e saudade de alguns amigos e colegas da escrita que estiveram e estarão presentes. Da Lomba da Maia para o mundo, onde Chrys e a sua companheira professora vivem no que ele chama o seu “castelo”.
“Outra deficiência – escreve o autor – que adquiria em novo, por influência paterna era a sôfrega sede do direito inalienável à liberdade de expressão e de pensamento, malformação congénita que valera muitos dissabores pessoais. A relação com os outros era sempre problemática e resumia-se â aversão pelos ditames alheios. Fora assim com a autoridade paternal, com os militares como oficial do exército e na vida profissional. Era avesso aos “carneiros” e talvez por isso acabaria por casar com uma pessoa desse signo. Desrespeitava a inveja alheia, noção que me era alienígena, pois inveja nada e ninguém. Criticava os outros pela fachada que mantinham, pelos estereótipos com que se regiam: conversas balofas e mesquinhas, sem profundidades. Ansiava por conversas profundas , preferia argumentos ‘intelectuais’ ou ‘pseudointelectuais’ em que se esgrimissem argumentos, ideias e propostas concretas de melhorar o mundo…”
A escrita de Chrys Chrystello, neste livro, é mais uma sequência de memórias do que “crónicas”. O segredo está nos detalhes que incluem História, acontecimentos, nomes, datas, tudo num tom de linguagem muito pessoal que nos agarra de página em página, que nos apresenta a mundos conhecidos e desconhecidos, que contextualiza uma vida singular no meio das mais diferentes – por vezes, divergentes – culturas, línguas e modo de estar e ser que nos parecem estranhos, quando depressa nos damos conta da tragicomédia que a vida em toda a parte. Este estilo literário não é nada comum entre nós, preferimos o mexerico e mal-dizer do café ou das tertúlias exclusivistas que sempre proliferaram entre nós. Direi do autor o que uma vez um grande amigo residente no Canadá me disse: és um crítico americano que escreve em língua portuguesa.
Com Chrys Chrystello tenha, esta afinidade, sem nunca ser declarada: um passado anglo-saxónico que nos transformou para sempre a nossa identidade e visão do mundo, e isto sem nunca abjurar as nossas origens multisseculares e que nada ficam a dever aos nossos outros mundos íntimos e significantes do nosso ser como cidadãos do mundo. Só os provincianos estranham estas experiência entre os mais diversos povos e presença, ora conhecida, ora desconhecida, no mundo.
Raramente me tenho encontrado com Chrys Chrystello ao longo destes anos em que ele se tornou uma espécie de cidadão honorário ou real dos Açores. Falamos pouco, mas estou convencido que o respeito é mútuo, assim com o reconhecimento do trabalho de cada um. Tínhamos em comum um grande amigo, Daniel de Sá, o grande escritor da Maia, aqui em São Miguel. Foi-me irónico ler que “Maia”, desde Portugal Continental, tem sido sempre os seus lugares de tristeza e outras lembranças menos agradáveis. Ele não sabe disto, mas tivemos outro amigo em comum, e esse foi um Capitão de abril de nome Vítor Alves. Foi o primeiro representante após 25 de abril (tinha colocado a sua vida em perigo com toda a coragem da conspiração e da libertadora madrugada em Lisboa) das nossas comunidades espalhadas pelo mundo fora. Não só o apresentei numa comunidade do sul da Califórnia, tomei uns copos com ele, e avisou-me que eu falava nesses eventos mais do que era necessário. Muitos anos mais tarde dei-lhe o últimos abraço na Universidade de Lisboa num congresso sobre as narrativas pessoais e gerais na vasta Diáspora norte americana. Faleceu um pouco depois, mas ser-nos-á inesquecível para sempre. A memória permanece das pessoas que nos tocaram profundamente na vida, ou que foram, o que fizeram neste caso parte dos nossos libertadores.
O mundo é pequeno, sabemos, como no título de num dos romances de David Lodge, que goza à brava da academia e dos seus encontros que poucas vezes resultam seja no que for, e quase só servem para longas viagens de escritores com egos muito maiores dos aviões em que se sentam de continente para continente.
“Digamos – escreve o escritor e poeta Vasco Pereira da Costa num breve nota a CHRÓNICAÇORES II – que se trata de uma vontade de conhecer para amar – e só se pode amar o que se conhece. As ilhas atlânticas – a Macaronésia, assim designada – surgem deste modo, como uma realidade geográfica, histórica, símbolos dispersos sem coesão nem coerência na vastidão cronológica e espacial”.
É isso mesmo. Este livro de Chrys Chrystello é um outro testemunho de alcance universal das nossas vidas, da nossa sorte, da nossa tragédia e, sim, da nossa felicidade.
Vamberto Freitas
novº 2020
Prefácio – Quando Um Andarilho do Mundo Acaba Nos Açores
… Vivi três vidas numa só, carreiras distintas em paralelo e nada de material tinha para mostrar, mas teimava em acarretar essa pesada bagagem de conhecimentos e cultura.
Chrys Chrystello, LIAMES e EPIFANIAS 1949-2005 (CHRÓNICAÇORES V)
Vamberto Freitas
Falar de Chrys Chrystello é falar de um Fernão Mendes Pinto da nossa época (menos as supostas mentiras do autor de Peregrinação, publicado em 1614), e que desde há anos vive e dinamiza a cultura literária (e não só) aqui nas ilhas, e levando tudo para o exterior adentro de Portugal e no estrangeiro. Esta não é em uma feroz anti-cruzada como Peregrinação, a primeira da Europa ou do mundo após os Descobrimentos portugueses, como a classificou Rebbeca Catz há muitos anos, numa distinta tese de doutoramento defendida na Universidade da Califórnia. Uma estudiosa falecida, mas que permaneceu sempre uma grande amiga e admiradora de Portugal, e foi na altura elogiada largamente por alguns escritores e intelectuais do nosso país, como Augusto Abelaira. O seu livro fulminante (mesmo sendo uma tese de doutoramento defendida na Universidade da Califórnia) foi publicado em Inglês em 1972, e depois traduzido em Portugal em 1978 sob o título de A sátira social de Fernão Mendes Pinto: análise crítica da Peregrinação.
Não pretendo fazer aqui paralelismos com a dividida e complexa experiência vivencial ou profissional de Chrys Chrystello, seja como jornalista ou como escritor. Só que este seu livro contém passos semelhantes, apesar de ele nunca lido Rebbeca Catz.
Na contracapa do livro do livro desta americana judia vem uma citação mais do que demolidora: “… escrita em Almada, no auge dos conflitos político-religiosos que constituíram o pano de fundo da famigerada Inquisição e Contrarreforma ibéricas, a Peregrinação é um exemplo prematuro – senão mesmo o primeiro, em toda a literatura europeia – de sátira corrosiva que, denunciando a ideologia da Cruzada, põe em dúvida a moralidade das conquistas ultramarinas portuguesas, que Fernão Mendes Pinto é o primeiro a condenar como atos de bárbara pirataria”.
Chrys Chrystello é natural do Porto (embora se diga sempre australiano de origem transmontana). A verdade é que Chrys traça as suas origens a Afonso Henriques, mesmo antes de Portugal o ser, reduzido ainda ao Condado Portucalense, e depois, do lado materno aos Novos Cristãos, aos judeus que só no século passado assumiriam quem eram perante o mundo na História rica a partir do momento que D. Manuel I tanto obedece como contraria as ordens dos seus sogros no lado de lá da nossa fronteira, e sempre à espreita do momento de nos conquistar ou absorver através dos estranhos casamentos do tempo de monarquias mandantes e poderosas. Vamos ao essencial, que coloca este livro no seu devido contexto açoriano.
Chrys Chrystello cresce numa família tradicional cuja fortuna haveria de desaparecer, e entre 1972-1975 foi para Timor (ano em visitaria pela primeira vez a Austrália, e lá se fixando a partir de 1982), testemunhando toda a complexidade da transição para a liberdade daquele país cobiçado por potências ali por perto.
Depois veio Macau nos anos de 1976-1982, o momento em que ele decide de mudar de nome por duas razões. Primeiro, insistiam em chamá-lo “Chrys”. Segundo, viu nisso a oportunidade de adotar esse nome para esquecer, ou mesmo rejeitar todo um passado num Portugal que raras vez atinava com os seus próprios interesses ou identidade ante um mundo em mutação, mas do qual se encontrava longe.
O autor deste e de outros livros, após o seu serviço irrequieto à Nação e ao longe, tornar-se-ia um jornalista profissional, fundador do Público, no tempo, mais ou menos em que foi repórter da LUSA durante 11 anos.
Começou logo em 2001 a organizar os colóquios sobre a lusofonia, e quando se instala permanentemente no nosso arquipélago (a sua companheira tinha sido colocada numa escola de cá), retoma-os em 2006, até hoje, com dois encontros por ano, em ilhas diferentes e no resto de Portugal e além-fronteiras, editando sempre os “Cadernos de Estudos Açorianos” que já somam 40, e em cada qual distingue um dos nossos escritores e/ou poetas. Nunca nada disto tinha sido feito entre nós.
Estou à vontade neste texto: nunca deixei de ser convidado, e nunca participei ativamente, com a exceção da apresentação de um livro de Zeca Soares no pátio do seu próprio e mítico restaurante da Praia dos Moinhos (2014) e no Centro Cultural Natália Correia (2021). A minha ausência das suas imparáveis iniciativas tem a ver com questões sobre as quais não quero nem devo falar neste espaço. Segui sempre afastado, no entanto, os trabalhos em curso, com admiração e saudade de alguns amigos e colegas da escrita que estiveram e estarão presentes. Da Lomba da Maia para o mundo, onde Chrys e a sua companheira professora vivem no que ele chama o seu “castelo”.
“Outra deficiência – escreve o autor – que adquiria em novo, por influência paterna era a sôfrega sede do direito inalienável à liberdade de expressão e de pensamento, malformação congénita que valera muitos dissabores pessoais. A relação com os outros era sempre problemática e resumia-se â aversão pelos ditames alheios. Fora assim com a autoridade paternal, com os militares como oficial do exército e na vida profissional. Era avesso aos “carneiros” e talvez por isso acabaria por casar com uma pessoa desse signo. Desrespeitava a inveja alheia, noção que me era alienígena, pois inveja nada e ninguém. Criticava os outros pela fachada que mantinham, pelos estereótipos com que se regiam: conversas balofas e mesquinhas, sem profundidades. Ansiava por conversas profundas , preferia argumentos ‘intelectuais’ ou ‘pseudointelectuais’ em que se esgrimissem argumentos, ideias e propostas concretas de melhorar o mundo…”
A escrita de Chrys Chrystello, neste livro, é mais uma sequência de memórias do que “crónicas”. O segredo está nos detalhes que incluem História, acontecimentos, nomes, datas, tudo num tom de linguagem muito pessoal que nos agarra de página em página, que nos apresenta a mundos conhecidos e desconhecidos, que contextualiza uma vida singular no meio das mais diferentes – por vezes, divergentes – culturas, línguas e modo de estar e ser que nos parecem estranhos, quando depressa nos damos conta da tragicomédia que a vida em toda a parte. Este estilo literário não é nada comum entre nós, preferimos o mexerico e mal-dizer do café ou das tertúlias exclusivistas que sempre proliferaram entre nós. Direi do autor o que uma vez um grande amigo residente no Canadá me disse: és um crítico americano que escreve em língua portuguesa.
Com Chrys Chrystello tenha, esta afinidade, sem nunca ser declarada: um passado anglo-saxónico que nos transformou para sempre a nossa identidade e visão do mundo, e isto sem nunca abjurar as nossas origens multisseculares e que nada ficam a dever aos nossos outros mundos íntimos e significantes do nosso ser como cidadãos do mundo. Só os provincianos estranham estas experiência entre os mais diversos povos e presença, ora conhecida, ora desconhecida, no mundo.
Raramente me tenho encontrado com Chrys Chrystello ao longo destes anos em que ele se tornou uma espécie de cidadão honorário ou real dos Açores. Falamos pouco, mas estou convencido que o respeito é mútuo, assim com o reconhecimento do trabalho de cada um. Tínhamos em comum um grande amigo, Daniel de Sá, o grande escritor da Maia, aqui em São Miguel. Foi-me irónico ler que “Maia”, desde Portugal Continental, tem sido sempre os seus lugares de tristeza e outras lembranças menos agradáveis. Ele não sabe disto, mas tivemos outro amigo em comum, e esse foi um Capitão de abril de nome Vítor Alves. Foi o primeiro representante após 25 de abril (tinha colocado a sua vida em perigo com toda a coragem da conspiração e da libertadora madrugada em Lisboa) das nossas comunidades espalhadas pelo mundo fora. Não só o apresentei numa comunidade do sul da Califórnia, tomei uns copos com ele, e avisou-me que eu falava nesses eventos mais do que era necessário. Muitos anos mais tarde dei-lhe o últimos abraço na Universidade de Lisboa num congresso sobre as narrativas pessoais e gerais na vasta Diáspora norte americana. Faleceu um pouco depois, mas ser-nos-á inesquecível para sempre. A memória permanece das pessoas que nos tocaram profundamente na vida, ou que foram, o que fizeram neste caso parte dos nossos libertadores.
O mundo é pequeno, sabemos, como no título de num dos romances de David Lodge, que goza à brava da academia e dos seus encontros que poucas vezes resultam seja no que for, e quase só servem para longas viagens de escritores com egos muito maiores dos aviões em que se sentam de continente para continente.
“Digamos – escreve o escritor e poeta Vasco Pereira da Costa num breve nota a CHRÓNICAÇORES II – que se trata de uma vontade de conhecer para amar – e só se pode amar o que se conhece. As ilhas atlânticas – a Macaronésia, assim designada – surgem deste modo, como uma realidade geográfica, histórica, símbolos dispersos sem coesão nem coerência na vastidão cronológica e espacial”.
É isso mesmo. Este livro de Chrys Chrystello é um outro testemunho de alcance universal das nossas vidas, da nossa sorte, da nossa tragédia e, sim, da nossa felicidade.
Vamberto Freitas
novº 2020