30º COLÓQUIO PICO, os Colóquios da Lusofonia: inesgotável contributo para a divulgação da literatura açoriana

Tema 3,1 J. Chrys Chrystello e os Colóquios da Lusofonia: inesgotável contributo para a divulgação da literatura açoriana e a vivificação da língua portuguesa una e dinâmica, Vilca Marlene Merízio, Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina

SINOPSE

2018: ano de abundância? No meu país, é crença de que, quando de um lado sobra, é porque, do outro, falta na mesma proporção. Tento alinhar o meu pensamento para exprimir em palavras a minha grande admiração por uma personalidade do mundo lusófono e me deparo com tantos caminhos que me sinto embaralhada sobre que direção tomar no início desta jornada. Sobejam-me informações, notícias, comentários, mensagens, registros fotográficos e fonográficos, obras literárias de cunho pessoal e outras por ele organizadas, poesia, crônicas, escritos diversos, lembranças, partilhamento de leituras várias, participações em redes sociais… Tanta produção que me perco diante do monumental acervo produzido pelo amigo que quero homenagear: o poeta, escritor, jornalista, tradutor, pesquisador (e tantas outras coisas mais), Chrys Chrystello. Mas estou honrada, embora saiba da responsabilidade de “chover no molhado” (acredito que todos os que aqui estão comungam a minha ideia) diante deste profissional da área de Letras a quem devo reverência pelo muito que faz, principalmente ao presidir (e dar vida a-) os Colóquios da Lusofonia, dignificando a Língua Portuguesa, divulgando os Açores em todos os continentes e deixando, até onde chegam suas palavras, riquíssimo legado linguístico, cultural e histórico, de cuja herança se valerão para sempre os filhos da diáspora.

E mais uma questão me instiga neste momento: como adequar a minha fala a um dos temas propostos pelos Colóquios, se o que tenho para dizer sobre o autor em foco abrange todos os temas do programa? Ao tema 1 – Homenagens aos Autores Locais – porque, mesmo não tendo nascido no Arquipélago dos Açores, aí reside e dele fez a sua pátria e a revela aos sete cantos do mundo; ao 2 e aos seus subtemas, porque é em defesa da Língua Portuguesa, do seu ensino e da sua prática, que ele se posiciona; ao Tema 3, em razão de serem os subítens matéria com que se ocupa em sua produção literária e nos âmbitos da arte e da comunicação. E, finalmente, no tema 4, da Tradutologia, porque estaria bem colocado como profissional que é. Portanto, eis-me aqui, em dúvida quanto ao caminho, mas plenamente centrada no que acho justo e meritório: prestar agradecimentos ao Dr. Chrys Chrystello, há muitos anos nosso anfitrião, dia e noite a postos para a todos os participantes dos Colóquios da Lusofonia bem atender.

Nasci em Santa Catarina, no Brasil, mas todos os meus antepassados pela linha direta da minha mãe são portugueses, uns vindos dos Açores, os que emigraram no século XVIII, e outros, de Portugal continental, que vieram ao Brasil a serviço da Coroa Portuguesa. Pela linha paterna, descendo de italianos e alemães. Isso para dizer que, descendendo de imigrantes, naturalmente me associo, neste ano de 2018, às comemorações dos 270 anos da imigração açoriana e madeirense em Santa Catarina, Estado cuja cultura muito deve aos primeiros povoadores europeus. A título de informação, registro que na ilha de Santa Catarina, constituindo o município de Florianópolis, somos uma população de quase quinhentos mil habitantes, num Estado, o de Santa Catarina, com mais de 7 milhões de almas, fazendo parte da população total do Brasil, que é de 207.660.929 pessoas (IBGE, Diário Oficial da União, 2018). Dessa população, a maioria descende diretamente de portugueses ilhéus, o que nos leva a querer insistentemente manter relações com os Açores [e, estranhamente, muito pouco com o arquipélago da Madeira].

O projeto Missão Açores 2018, junto ao Instituto Histórico e Geográfico do Estado de Santa Catarina (IHGSC), que ora represento, aliou-se às iniciativas de comemoração dos 270 anos da Imigração Açoriana e Madeirense em Santa Catarina, encaminhando o Projeto Ao Encontro das Raízes – proposta de viagem de estudos e trabalho aos Açores – à Direção Regional das Comunidades, que lhe concedeu uma passagem aérea, principalmente para participação neste Colóquio, e a doação de 200 títulos de obras da literatura açoriana, acervo que fará parte da Biblioteca Açoriana Prof. Doutor A.M.B. Machado Pires, instalada no IHGSC, cuja inauguração ainda ocorrerá neste ano [a maioria dos outros volumes que compõe o acervo já existente no são igualmente fruto de doações do Governo dos Açores, desde a década de noventa do século passado]. Por essa razão, achou-se justo o descerramento, nas dependências do instituto, em Florianópolis, de uma placa de agradecimento ao Governo da Região Autônoma dos Açores pelo apoio recebido, o que vai garantir a continuidade do projeto Dinamização Intercultural, programa cultural e literário do qual fazem parte Adriana e José Geraldo Rodrigues de Menezes, também membros da AICL, aqui presentes [e que para cá vieram por esforço próprio].

Assim, graças ao sempre renovado estímulo dos Colóquios da Lusofonia, o programa cultural e inter-institucional Missão Açores, que contempla atividades de informação, formação, integração e pesquisa sobre a literatura e a cultura açorianas, depois de um afastamento de dois anos, volta com força total, reagrupando sua equipe de trabalho, dando oportunidade a novos protagonistas de se integrarem à divulgação da literatura, da arte, da cultura e da educação de Santa Catarina e dos Açores. Infelizmente, por falta de apoio em ano eleitoral, suprimiu-se parte do projeto Encontro das Raízes que incluía a ida de seis profissionais açorianos para o Simpósio Memória e Diáspora, previsto para a realização em Florianópolis, em agosto passado. Lamento profundamente que outras atividades do mesmo projeto, nomeadamente as de intercâmbio de professores e escritores, previstas para o Simpósio Diáspora e Memória, não tenham tido o mesmo êxito.

 

E qual relação tem esses eventos com Chrys Chrystello e os Colóquios da Lusofonia?

 

A resposta se resume numa só palavra: legado, aquilo que dos Colóquios ficou na memória dos catarinenses, desde a nossa primeira participação nos encontros da lusofonia e açorianidade. Legado, como História ainda em construção, porque é, em razão da vontade de participar dos Colóquios da Lusofonia, que catarinenses se predispõem a ler e a estudar obras literárias de autores açorianos ou de outras nacionalidades que escrevem ou escreveram sobre os Açores. E, assim, o grupo que, na última década, em Santa Catarina, conheceu e estuda a literatura e a cultura açoriana tem aumentado consideravelmente, desde que participamos em 2007 do primeiro encontro realizado por Chrys Chrystello na Ribeira Grande, Ilha de São Miguel. Por intermédio da Professora Doutora Graça Castanho, em 2007, conheci Chrys Chrystello, quando recebi dele o primeiro convite para participar do 2º Encontro de Lusofonia e Açorianidade, na ilha de São Miguel. Criado o projeto Missão Açores 2007, cujas atividades paralelas se estenderam de São Miguel às ilhas do Pico, Faial e Graciosa, vim para os Açores, coordenando o trabalho de 23 profissionais: professores e estudantes universitários, escritores e artistas do Grupo Gira Teatro, representando a Academia São José de Letras, com apoio financeiro do FUNCULTURAL/SEITEC-SC – Sistema Estadual de Incentivo ao Turismo, Esporte e Cultura e o apoio logístico das câmaras municipais açorianas as quais visitamos oficialmente. Estabeleceu-se, a partir daí, a amizade que ainda perdura e se solidifica cada vez mais. A partir da experiência altamente positiva da Representação Catarinense nesse 2º Encontro de Lusofonia e Açorianidade e das atividades paralelas executadas a partir daquele primeiro momento nas outras ilhas, o projeto Missão Açores 2007 empenhou-se para a criação e a assinatura do Protocolo de Cooperação Mútua entre o Estado de Santa Catarina e a Região do Arquipélago dos Açores, documento assinado em Florianópolis, em dezembro de 2007, com a presença de representantes do Governo dos Açores e que deram abrigo e oportunidade de execução a novas atividades na área de intercâmbio cultural.

 

No ano seguinte, em 2008, como consequência das atividades iniciadas no ano anterior, sempre tendo como marco inicial os Encontros da Lusofonia e Açorianidade, o projeto Missão Açores, novamente a convite de Chrys Chrystello, participou do 3º Encontro da Lusofonia e Açorianidade, ao lado de 88 representantes de várias partes do mundo onde a Língua Portuguesa é falada, levando aos Açores um grupo de oito professores e escritores representantes da Academia de Biguaçu, SC. Dos Açores, por intermédio do prof. Doutor Luciano Pereira, do Conselho Executivo dos Colóquios da Lusofonia, a Delegação Catarinense estendeu-se em visita à Escola Superior do Instituto Politécnico de Setúbal, ocasião em que foi planejado um projeto de volta dos catarinenses a Setúbal e um programa de intercâmbio na área da arte e educação entre Setúbal e SC. Alguns trabalhos artísticos e culturais originados na época continuam em vigência entre setores que se desligaram do projeto Missão Açores, mas que ainda são operantes entre grupos de teatro de SC e Setúbal.

 

Foi oportunizada pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, por iniciativa também do Prof. Doutor Luciano Pereira – a quem igualmente externamos nossa gratidão e homenagem – a Instituição dos Dias do Estado de Santa Catarina em Setúbal (4 e 5 de maio de 2008), quando integrantes do Missão Açores 2008 apresentaram a sessão Lítero cultural “Santa Catarina: suas terras, sua gente: suas ilhas”, organizando uma Mostra de Pintura a Óleo, de minha autoria, um stand com exposição sobre história, geografia e cultura catarinense, com exposição de livros de autores de Santa Catarina e peças de artesanato. Essas mesmas atividades foram reapresentadas na ilha Graciosa sob o total apoio do Dr. Jorge Cunha e do Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz da Graciosa, a quem também prestamos nossos votos de reconhecimento. Ainda, no ano de 2008, a representação catarinense formada especialmente para participar dos eventos da Lusofonia, doou material bibliográfico de autoria catarinense às entidades públicas do arquipélago, realizou saraus literários em escolas e entidades culturais das ilhas, visitou autoridades, bibliotecas, museus e pontos turísticos, ao abrigo do Protocolo de Cooperação Mútua entre as duas regiões, sempre com o apoio financeiro para as passagens aéreas cedido pelo SEITEC-SC e o apoio logístico de transporte, hospedagem e alimentação concedido pelas câmaras municipais da Ribeira Grande, Lagoa, Graciosa, Vila Franca do Campo e de outras autarquias portuguesas. Ainda no mesmo ano, o projeto Missão Açores participou do Congresso Internacional “A voz dos avós: migração e património cultural”, na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada, com duas comunicações, publicadas posteriormente pela Universidade de Toronto, Canadá.

 

Ainda em dezembro de 2008, o tecladista e compositor açoriano Horácio de Medeiros, cuja apresentação triunfal do seu Hino ao Cosmos deu-se no 2º Encontro de Lusofonia, participou da programação do projeto “Magia da Música e Fascinação de Um Hino ao Cosmos” do Missão Açores, e, a convite do Sr. Governador do Estado de Santa Catarina, apresentou no Brasil cinco concertos musicais: na reabertura da Catedral Metropolitana de Florianópolis, com a presença do Governador Luiz Henrique da Silveira e autoridades em Missa oficiada pelo Arcebispo Primaz do Brasil, Dom Murilo Ramos Krieger; na Igreja de Biguaçu-SC; na Escola de Música de Biguaçu, no centenário Clube Caça e Tiro Araújo Brusque, em Brusque, SC. e no recém-inaugurado Teatro Pedro Ivo Campos, em Florianópolis, onde, em completa integração, o artista micaelense Horácio Medeiros abrilhantou o show “Ilhas: um musical onde navegar é preciso”, ao lado do Grupo Fielsons, de Florianópolis. Em 2010, os Colóquios foram a Santa Catarina, mas, na ocasião, eu estava fora do país. Nos anos que o Missão Açores deixou de comparecer aos colóquios, quase sempre pela falta de apoio financeiro, a movimentação em Santa Catarina era de igual intensidade já que mantínhamos os integrantes do projeto catarinense em constante contato com a cultura e a literatura açorianas, muitas vezes buscando inspiração nos próprios temas dos Colóquios, que sempre mantiveram aceso o estímulo ao estudo das obras pertencentes à literatura açoriana. Eu própria publiquei alguns livros, artigos e ensaios, e muito há ainda para se publicar.

 

Nos anos seguintes, vieram outras representações catarinenses nos Colóquios da Lusofonia. Mais uma vez em 2012 e 2016, e, agora, em 2018, voltamos nós. Em 2012, na ilha de São Miguel, vim por conta própria. Em 2016, a convite da escritora açoriana Lúcia Simas, da Vila Franca do Campo (São Miguel), apresentei a obra O Homem de Corfu, no Centro de Cultura de Ponta Delgada, pela ocasião do lançamento do livro da poetisa filósofa de Vila Franca do Campo. Participei mais uma vez dos Colóquios da Lusofonia, também no mesmo o ano de 2016, agora na Lomba da Maia, com comunicação sobre a obra de Concha Rousia. Ainda no mesmo ano, a convite do escritor açoriano Joaquim Alice, passei a organizar para publicação sua obra poética, de… do mais profundo de (todos) nós. Poemas em oito volumes, para serem lidos com o coração (em editoração), cujos Prefácio, Introdução e Notas também escrevi. O que quero deixar registrado é que dos primeiros contatos com Chrys Chrystello surgiu plena adesão aos objetivos dos Colóquios da Lusofonia, embora, ainda no começo, os encontros não tivessem tal nomenclatura. Atualmente, o projeto Missão Açores cumpre suas metas, visando promover a integração científica e cultural entre os falantes da Língua Portuguesa que tenham em comum, principalmente, a tradição açoriana como origem. Através da participação ativa nos encontros anuais, quer seja por meio de trabalhos acadêmicos, palestras, divulgação da arte e cultura catarinense, exposição de pintura, apresentação de peças de teatro, espetáculos musicais, desdobra-se em programas, projetos e parcerias para, cada vez mais, trabalhar em benefício da unificação da Língua Portuguesa e da manutenção dos traços culturais que deram origem à tradição catarinense, fazendo-se respeitar em Santa Catarina e em Portugal como promotor de ações que fortaleçam os nossos ancestrais lações de amizade e parentesco. Embora seja reconhecido como germinador de ideias capazes de ampliar o alcance das atividades culturais pertinentes à nossa origem lusa, o Missão Açores necessita de apoios logísticos para a sua execução e de parceiros que não o deixem cair na repetição inócua da reprodução automática de efeitos paliativos. O que o projeto Missão Açores reivindica é a confiança dos seus parceiros e a possibilidade de expansão de conhecimentos entre estudiosos das duas regiões. E isso, a participação nos Colóquios nos garante, com os convites anuais, como ponto fundamental para a criação de novos estudos e pesquisas.

 

Além do reconhecimento em relação aos convites que temos recebido, é impossível falar em Literatura Açoriana sem falar nos Colóquios da Lusofonia e, mais impossível ainda, abordar os Colóquios sem nos referir ao Chrys Chrystello, já que ambos, Colóquios e Chrys, se confundem numa mesma personalidade, embora permaneça incólume a individualidade marcante do presidente da Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia – AICL, face às múltiplas modalidades que domina em relação à comunicação social e aos âmbitos das letras e da educação formal, estratégias das quais se vale para alcançar o público das diferentes coletividades ligadas aos Colóquios, inclusive, e principalmente, a de Santa Catarina. Feita a justificativa do quão importante se reveste para Santa Catarina, em relação aos laços que a prendem aos Açores, a participação nos Colóquios da Lusofonia, passo à segunda a parte desta comunicação. Quase às vésperas da Viagem de Estudos e Trabalho do projeto Ao Encontro das Raízes, do programa Missão Açores 2018, levada pela responsabilidade de, em nome do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, honrar o monumento de que a obra de J. Chrys Chrystello se reveste no âmbito da lusofonia, era madrugada e ainda não conseguira dormir, sensibilizada pela releitura do poema Da Redondeza do Sentir, de José Martins Garcia – que Urbano Bettencourt fizera a gentileza de publicar na sua página do Facebook e que Chrys Chrystello divulgou no seu atualíssimo Blog.lusofonias.net, na sessão Recordar José Martins Garcia. A leitura provocara em mim um misto de dor pela ausência sentida do grande poeta picoense, falecido prematuramente em 2002, mas ao mesmo tempo, gerara uma saudade infinda dos amigos que, nos Açores, sempre me acolheram de forma amistosa e fraterna, Só, então, senti a alegria da certeza de que em breve estaria aqui novamente reunida com os amigos de sempre. E esse turbilhão de sentimentos realmente me tirava o sono. Quando passei por uma madorna (cochilo), logo, imagens de religiosos ardiam em chamas, enquanto pessoas discutiam se seria fogo posto ou não.

 

De tanto estar com o pensamento nos Açores – e isso já é habitual – e talvez até pela atenção a que dedico às notícias sobre os incêndios nas florestas europeias – talvez de tanto ler o Chrys, suas notas, crítica e informações sobre o assunto – as pessoas que povoavam o meu sonho eram escritores, todos a falar ao mesmo tempo, gesticulando e movimentando-se rapidamente de um lugar ao outro. Concluindo: eram três horas da manhã e a febre, aquela que nos acometem o inverno rigoroso e a gripe indesejada, me provocara sério pesadelo. Levantei. E a impressão que me acudiu naquele despertar inesperado, é que eu não estava só; uma miríade de poetas e escritores açorianos e brasileiros, dentro de mim, me impeliam à escrita [eu tinha que começar a redigir o texto para esta comunicação], fazendo-me trocar o aconchego da cama quente pela sala até então vazia e fria do meu escritório. E, mesmo diante do computador, sentia forte a lembrança de José de Almeida Pavão, saído do sonho, dando voz a uma personagem, se não me engano, do romance Marianinha: “E uma saudade súbita fazia-lhe rolar uma lágrima que vinha perder-se, evaporando com o calor da face”. Era a saudade que, mais uma vez, batia forte. Saudade renovadamente aumentada a cada notícia assimilada em relação aos Açores lida no blogue do Chrys – e eram muitos, todos dias, mais de uma dezena –, a cada página escrita vencida da exposição a ser feita, a cada fato rememorado a partir da pesquisa intencionalmente dirigida à redação deste texto que ora vos dirijo. E, mais uma vez, a presença imaterial do escritor micaelense segredava: “Se ouvires cantar os pássaros… Arruma os teus versos ou a tua prosa e põe-te a escutar, simplesmente a escutar, com o teu sentimento de ouvir”. Eu não ouvia pássaros, mas sabia que havia de escutar a voz do Chrys, para ouvir-me a mim mesma, antes de continuar a escrever. Então, sim, acalmei.

 

O eco do canto que ressoa desde os Açores aos meus ouvidos, muito especialmente nestes momentos pré-colóquio, em canção que me afina os sentidos e enriquece a alma, é a reverberação da produção poética e histórico jornalística [se assim a posso considerar], do nosso anfitrião neste 30º Colóquio da Lusofonia, José Chrys Chrystello, cuja presença constante nos meios lítero culturais cabe a mim louvar como protesto de reconhecida gratidão por permitir que Santa Catarina também se manifeste nesta profícua assembleia de homens e mulheres interessados e interessadas na dinamização da Língua Portuguesa e na divulgação das obras literárias que são reflexos da história, cultura e ideologia dos seus usuários, mesmo que, fisicamente, distantes da sua mátria.

 

Daniel de Sá, o professor-escritor da Maia, num dos seus primeiros escritos da década de oitenta, escreveu ao justificar a escolha de um determinado tema para a redação de um texto literário: “Sou eu quem fala, minhas razões são minhas”. Assim valho-me dessa lembrança para justificar muito particularmente as razões porque escolhi para título desta comunicação “Chrys Chrystello e os Colóquios da Lusofonia: inesgotável contributo para a divulgação da literatura açoriana e a vivificação da língua portuguesa una e dinâmica”. [E agora vejo em que “mato sem cachorro me meti”[1], desculpem o dito popular, mas nem a febre, nem o pesadelo com os homens em chama, nem o paradoxo de, para falar de apenas uma pessoa, ter mil caminhos a minha frente para escolher o que me levará ao final desta comunicação, me levam a desanimar… Maximizando o meu sentir, posso dizer mesmo que estou diante do que representa a entrada de Petra[2] a um turista que mesmo informado, fica pasmo diante da grandiosidade do Parque Arqueológico daquela antiga civilização.[3] E assim fico eu, que tentei me imiscuir no que Chrys Chrystello anda a publicar e o que já deixou impresso desde a sua juventude. Mas, vamos a cumprir a tarefa, que o tempo urge.]

 

E me pergunto, depois de meses estudando a obra de Chrys Chrystello, quem é o poeta, escritor, jornalista, professor, tradutor e intérprete, revisor, organizador de livros, editor, presidente da direção e da comissão executiva da Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia, este J. Chrys Chrystello, moço simpático e acolhedor que parece estar sempre à disposição dos associados da AICL para responder de imediato aos questionamentos a respeito dos Colóquios? Claro que, para apenas mencionar algumas referências vou “fazer chover no molhado”, porque ele próprio não se faz ocultar, divulgando seus biodados, notadamente seus trabalhos literários, jornalísticos e outros, no corpo dos documentos que edita, tanto nas páginas dos Colóquios quanto nas obras publicadas por meios físicos, digitais e eletrônicos. E, nós, que somos da AICL, disso temos conhecimento.

 

E tudo está em nossas mãos, assim como todo o histórico dos Colóquios, não só os realizados nas ilhas, mas também mesmo os acontecidos em outras partes do mundo. Mesmo assim, recomendo a leitura da “Badana Direita”, ou como dissemos nós, brasileiros, da orelha direita de “ChrónicAçores: uma circum-navegação, volume 3” pág. 326 [4], que considero a tábua de referência mais completa sobre as atividades jornalísticas, culturais e literárias de J. Chrys Chrystello, incluindo e mencionando aí suas atividades profissionais desde 1972, quando publicou o seu primeiro livro de poesia Crónicas do Quotidiano Inútil, vol.1. até a editoração dos Cadernos (de Estudos) Açorianos da AICL, publicação que preside desde 2010 e que contém 41 exemplares, sendo o último dedicado a Pedro da Silveira, em cuja nota introdutória, o próprio Chrys, Editor dos Cadernos, explica: “Os suplementos dos Cadernos Açorianos servem para transcrever textos em homenagem a autores publicados pelos Colóquios da Lusofonia, pelos seus participantes ou até pelos próprios autores”. [5]

 

Chrys Chrystello foi quem trouxe os Colóquios da Lusofonia para os Açores, portanto, os Colóquios não nasceram nos Açores e nem lhe são pertença exclusiva, nem Chrys Chrystello é açoriano. Então, temos de ir mais atrás, delinear o traçado que o trouxe até a Lomba da Maia, em 2005, para compreender, afinal, o quanto ele tem trabalhado pela conservação da cultura das sociedades a que se liga, da sua aptidão para a divulgação da arte literária, tanto através da sua letra como poeta e cronista quanto da tradução, edição e escrita de livros e promoção de encontros anuais entre profissionais lusófonos dispostos a discorrerem sobre os temas que, junto a uma Comissão Científica, apresenta.

 

Também o Curso Açorianidades e Insularidades (2010) encontra-se detalhado no sítio dos Colóquios, assim como todo o histórico vivencial da AICL, sociedade civil atuante durante os 30 colóquios já realizados (2005 a 2018), mas que nasceu do compromisso do seu criador de levar adiante o projeto de Lusofalantes na Europa e no Mundo, idealizado pelo seu mentor, o Professor Doutor José Augusto Seabra, e do qual nasceram, em 2001, os Colóquios da Lusofonia, cujo objetivo maior centra-se na “união pela mesma língua”, quando todos os participantes desta egrégora partilham do conhecimento, sem distinções de nacionalidade, credo ou etnia e cujos princípios baseiam-se na cidadania da língua portuguesa, todos irmanados pela Língua comum, com respeito absoluto às variações pertinentes ao pluriculturalismo das sociedades que a usam.

 

Especificamente como jornalista e escritor, Chrys Chrystello desempenha suas funções na rádio, televisão e imprensa e, hoje também, nas redes sociais onde se mantém presente em blogue, no Facebook, no Twitter e em outros. Suas crônicas, bastante voltadas para a memória histórica, política e social, mas também para a expressão pessoal, expõem fatos de interesse regional e global. Seus livros, abundantemente ilustrados e com temas variados, são veiculados na forma física e eletrônica. Na verdade. Tudo o que faz e publica é fruto de uma vida dedicada ao fazer literário, voltado para o público, sob o enfoque jornalístico, mas sempre com perfil didático, num afã, que soa sincero, de registrar, informar, criticar positivamente, transmitir, divulgar, partilhar, contribuir, elucidar, esclarecer, alertar, rememorar, reconhecer, formar opinião sobre e, até mesmo corrigir (algumas vezes), fatos e acontecimentos que vão tecendo a história deste nosso mundo, para uns, completamente globalizado, para outros, em árido e estreito compartimento avesso a conceitos e técnicas inovadoras.

 

Falo da produção de J. Chrys Chrystello, este homem/feixe de luz comunicativa, cujo foco de atenção se volta habitualmente para acontecimentos polêmicos, sem deixar, contudo, de registrar para a posteridade, o que a memória coletiva, baseada apenas na oralidade, pode não ser capaz de perpetuar.

 

Profissional extremamente ético, e altamente comprometido com o exercício da cidadania, o português de ancestrais transmontanos, cuja genealogia confirma a nobreza de berço, embora ele próprio disso não se enfatue, australiano por opção, residente nos Açores desde 2005, fez da Lomba da Maia, a catedral/castelo de onde se comunica, a toda a hora, porque sempre online, com os amigos que fez nascer e mantém ciosamente informados e ligados à teia dos fortes tentáculos da Lusofonia que tão bem sabe movimentar [oops, quase saiu manipular… no sentido de atualização, coesão e integração… quase peremptória. desde que se assinale que estamos no mesmo barco].

 

Atuante nos principais meios de comunicação social, desde o espaço físico que percorreu em suas andanças por Timor, Bali (Indonésia) e Austrália (1974-1975), Portugal (1975), Macau (1976 a 1982), de volta a Austrália (Perth, 1979, Sidney, 1983-1996 e Melbourne, 1993) e novamente a Portugal continental (Porto, 1996 e Bragança, 2002) foi na ilha de São Miguel que, montada a sua fortificação, estabeleceu-se com a família, de onde continua a liderar o que considera “a concretização de utopias”, ou seja, a reunião de pessoas para tratar, duas vezes por ano, em solos portugueses – ilhéu (São Miguel, Santa Maria e Graciosa) ou continental (Porto, Bragança, Seia, Fundão, Montalegre e Belmonte) -, e em territórios do Brasil, Macau e Galiza, da divulgação e da plena conscientização da açorianidade literária. Em treze anos de atividade 30 colóquios, contando com o atual. Nesses encontros, com presença significativa de personalidades vindas dos grandes continentes onde vigoram as comunidades lusófonas, as falas objetivam aproximar estudos sobre temas criteriosamente apresentados pela Equipe Científica a qual preside.

 

Assim, voltado permanentemente para os assuntos gerais que interessam à humanidade, até os mais caros à grande massa lusófona espalhada pelos quatro cantos do mundo, dos veículos impressos aos eletrônicos, do rádio à televisão, da cátedra universitária aos encontros e colóquios particulares, Chrys Chrystello, enaltecendo, sempre, a supremacia da Língua Portuguesa, com projetos realizados visando a preservação, o enriquecimento e a unidade da língua, fornece elementos variados da cultura local, regional e universal. Jornalista, em nível de excelência… Mais não será preciso dizer. Sua interação com o meio social, agora facilitado pelo processo digital, trá-lo presente onde haja um leitor, um ouvinte, um espectador, sempre norteado por princípios éticos e senso crítico elevado. Norteia a partir de seu “lastro conceitual, teórico e técnico”, mesclando adequadamente as notícias que se apoiam nos fatores socioculturais, econômicos e políticos. Ele faz porque sabe fazer.

 

Enfim, sentia-me preparada para escutar, com o sentimento de ouvir, conforme ensinamento do prof. Pavão, a voz clara, vigorosa e incessante deste português de raízes transmontanas, mas açoriano de coração, voz autêntica que se propaga Açores afora, mediante a verdade inconteste de sua pena, que mais não faz do que deixar registrado a sua vivência literária de quase cinco décadas. E, em deixando reverberar em mim esta voz conhecida, mais fácil torna-se transpor para este texto formatado em poucas páginas todo o meu sentido reconhecimento ao J. Chrys Chrystello, este humanista de cunho universal, que parece estar, dia e noite, atento aos acontecimentos, pronto a ver e a ouvir para dizer.

 

E é tanto o que diz que penso ouvir, não só a melodia de sua escrita poética, mas o clamor dos menos favorecidos, dos injustiçados, dos desprezados socialmente, dos que sofrem pela invisibilidade de suas profissões diante do encastelamento dos mais poderosos. E é com o meu sentido de atenção auditiva, como o nosso bom Almeida Pavão sugeriu, que me comprazo com toda a orquestração da sua palavra escrita a me ajudar a compreender o quanto é importante e significativo o trabalho profícuo das pessoas que se dedicam às letras codificadas pela nossa língua portuguesa.

 

A este monumento cultural, fenômeno da natureza literária a que temos como amigo e a quem chamamos Chrys Chrystello, a ele, à sua família, à sua Helena, ao seu filho João e a toda a sua sociedade lusófona, agregada aos Colóquios, o meu mais profundo respeito por obra tão dignificante que faz com que também meu Estado, Santa Catarina, sinta-se honrado com os ecos da melodia que do Arquipélago o alcança via registros inegáveis de amor à língua portuguesa e, muito especialmente, a essas nove ilhas atlânticas capazes de despertar os melhores sentimentos principalmente naqueles aqui não nascidos, mas que por elas foram tocados.

 

A respeito de todos esses anos de dedicação de Chrys Chrystello à língua e à literatura, e frente a todo esse seu trabalho de construtor cultural, sirvo-me do dizer de Antero de Quental: “Nem visão nem real: amor! Amor somente!”, para concluir com David Mourão-Ferreira: “É sem dúvida Amor todo esse jogo / É sem dúvida Amor Mas de repente / É sem dúvida Amor e não é nada.”

 

Diante disso tudo, diante de Chrys Chrystello, e da família que ele formou, que construiu de encontro a encontro desde estes penhascos açorianos, diante desta família lusófona da qual todos fazemos parte, diante…

 

Dizia, da grandiosidade da obra de J. Chrys Chrystello, só me resta confessar, finalmente, me valendo mais uma vez das palavras do grande poeta português, trineto de avô açoriano, David Mourão-Ferreira: “Não sei mais nada: sei apenas AMOR!”.

 

Florianópolis, SC, Brasil, em 30 de agosto de 2018.

 

[1] Um momento de perdição pessoal total, uma situação onde não há a quem recorrer. Disponível em https://www.dicionarioinformal.com.br/mato+sem+cachorro/> Acesso em 18 ago. 2018.

[2] Petra (Jordânia), uma das maiores maravilhas do mundo, cidade esculpida na rocha, fundada no século VI a.C. pelos árabes nabateus, que construíram um império comercial, transformando-a em importante rota comercial (seda, especiarias e outros), que ligavam a China, a Índia e a Arábia do Sul ao Egito, Síria, Grécia e Roma.

[3] O Parque Arqueológico de Petra (264 metros quadrados) Património Mundial da UNESCO desde 1985. A área tem uma paisagem com montanhas de tez rosa cujo ponto principal é a fantástica cidade nabateia de Petra, que foi esculpida na rocha há mais de 2000 anos.

[4] https://www.lusofonias.net/arquivos/429/OBRAS-DO-AUTOR/1048/CHRONICACORES-vol.3-parte-I–2005-2010.pdf

[5] Observe-se que todas as edições estão disponíveis em www.lusofonias.net.