Mês: Agosto 2022

  • o futuro é hoje ago 1972

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    1. E-33 O FUTURO É HOJE AGO 10 1972

    1. o futuro é hoje (agosto 1972)

     

    era como sentir um deus dentro de mim e depois aquilo começava a mexer, a mexer, borbotando, saía da pele, trespassando os ossos, raspando o ar ao mesmo tempo que as mãos: como quem corta um pão enquanto permanece imutavelmente estático, sem queixas, sem gemidos nem dores, moldado ao gesto, elástico.

    era como sentir o tempo parado amanhã e apenas se visse o futuro em tudo, até no nevoeiro que crescendo dentro de nós já era húmido cacimbo, lá fora objetos mudos, quietos como jamais, nem dez segundos tinham passado e já era amanhã, vermelho, gorgolejante (o futuro às vezes pregava destas partidas).

    olhos sem brilho desorbitados, vagos, num qualquer espaço que nenhum de nós sabia identificar: como se estivéssemos do lado de lá e quando nos mirássemos, esconder-mos-íamos com pavor.

    então, vinha o espelho, as pessoas perguntavam por si próprias e as imagens…lá perduravam, as pessoas não.

    os rostos abrigavam-se num qualquer buraco à procura da luz que não vem dos buracos, já era dia, as ideias cavalgavam os minutos à desfilada por entre mudos sorrisos tolerantes de loucura. ninguém acreditava na linguagem dos olhos que já eram pó e habitavam um qualquer caixão. no entanto, ali estavam indesmentíveis, lembrando-nos como continuávamos vivos, de pé, naquele templo de morte.

    era costume pendurarmo-nos no tempo e os minutos eternos e futuros brincavam connosco, puxando-nos as cordas para nos balançarmos aflitos e temerosos já que não saberíamos viver noutro tempo.

    e já tudo era música, vinha dos olhos, penetrava o sexo até os dentes rangerem de prazer. tudo era música incluindo o encarnado das paredes nuas (jamais haviam sido caiadas – como numa acusação) e vinha dos poros de suor, do cabelo empastado como bolas à chuva de verão (que jamais tombará!). sempre a música, na luz, nos sons irrepetidos, mijando na lua, na poesia, na inutilidade de corrermos atrás do que sempre nos fugirá, irremediavelmente parados num vasto campo atulhado de urnas vazias – JAMAIS ALGUÉM EXISTIU LÁ. –

    o som alucinado, as pessoas bem bebidas saindo com passos trôpegos, proclamando profissões entre confissões que nunca serão assinadas porque sinceras.

    e um cão sem sexo pois nunca foi cão, encosta-se a um poste, fitámos o animal como se ele existisse e nos chamasse e houvesse poste, depois afagávamo-lo com o olhar, dormiríamos descansados com o poste seco, sempre esteve, apenas poste, nada mais.

    um gato mia lugubremente a um guarda-noturno, sem rua nem farda, pois nunca foi admitido e continua a viver iludido, enquanto lhe pagam a fome com sorrisos de comiseração, e diariamente se arrasta pelas portas que lá não estão mas deviam, e já há quem lhe atire pedras, as quais não lhe acertando o trespassam, caindo atrás dele como se não o tivessem atingido, o que é mentira, pois as pedras tombam magoadas com restos de sangue coagulado, e o sangue das pedras é vermelho como o das estrelas que não brilham enquanto houver uma chávena de café para estancar o sangue com merda.

    já é noite, sempre o foi, mas o sol não acreditou até ver uma ratazana morta de medo e um polícia à paisana num bordel, vestido de luxo como morcego de raça, por entre pedras preciosas de mil enganos fosforecendo na treva.

    um mendigo busca um lato de lixo bem conservado e próspero para deitar os seus restos (que civismo! – comentarão e a esses responderei que nada disto existiu). depois, alguém irá, na sua opulência, remexê-los (inventar-lhes-á um nome, talvez banquete, palavra que conhece por ouvir dizer) e continuará de mãos bem estendidas sem que alguém vá e as acaricie (exceto com a saliva do desdém).

    a rua vazia como se ninguém a ativesse atravessado desde há séculos, o que também é mentira (outra), pois das pessoas sobraram sombras (ficam sempre para alguém ir e guardá-las) e cabeças de crianças que não nasceram, espetadas no chão para exemplo.

    passavam sem as verem, pisavam-nas e elas sem um grito, até que uma tropeçou e todos se calaram, era tarde, já chegara a hora de recolher, não havia tempo de arquivar imagens de agonia. já as gentes voavam mesmo sem quererem, incapazes de saberem como evitar pisar essas flores estranhas que ninguém colheria.

    cansadas em casa sem asas nem memória (que esta é uma dor), queriam dormir tranquilas e drogavam-se, pílulas coloridas, cada uma era cabeça de criança em tamanho de alfinete sem ponta nem voz.

    o sangue jorrando continuadamente como cascata em sonhos, como alguém quase a afogar-se querendo acordar para não morrer e logo acordando nadavam desesperadamente, não havia já quarto ou sala ou casa e ninguém restava para se lhe narrar o sonho.

    era assim naquele tempo até que um génio inventou a fala e todos gritaram como se fora vital, então, outrem gritou a lembrança de que já antes se entendiam por gestos e daí nasceu o silêncio.

    depois o hábito, o esquecimento, sem saberem o que existira antes do silêncio, e então já eram sapos de enormes bocas abertas, nem precisavam de nadar para (não) morrerem, pegajosos agarravam-se à paisagem evitando a todo o custo cair nela, dando-lhe cor sem movimento; como tinham o dom genial da voz sempre que respiravam e não sabiam que o faziam, logo morriam de novo (desta vez sufocados).

    filmes mudos não havia, eram todos toupeiras à custa de terem os olhos vendados (para não dizerem do que viam), escavavam, sem uma palavra, incitamento, e tudo ruía por toda a parte.

    deus não fora ainda inventado – nem era preciso – ninguém pensava e se o faziam, pensavam que não podiam, e acreditavam que não (assim estava determinado para não se contestarem dogmas).

    foi nessa altura que a estrela se intitulou um qualquer nome e desatou a rodopiar, percorrendo o espaço em fuga interestelar, deixando para trás um rasto invisível que só tomava forma na imaginação das outras estrelas, as quais vinham de noite passear o cosmos, afastando poeira à sua passagem, desafiando o tempo, essa sucessão de instantes inacabados, infindavelmente continuados e perdidos desde o início, pois tudo foi sempiterno (até o silêncio) por nunca ter existido.

    esta noção de amanhã é falsa, equívoca, ainda falta inventar o “agora” como quem pede desculpa e não sabe, e já de trás todos gritam dizendo que sim para se suspenderem da sua total ignorância sem terem de admitir e confessar a sua inexistência, e então, de novo, inventam algo chamado “ontem” para se autodesculparem, e logo lhes agradecemos sem sabermos porquê.

    não estamos desesperados para nos suicidarmos com palavras, lá no íntimo nem a certeza de termos jamais nascido, tudo vago, sem contornos, sem cor nem forma.

  • Traduções para inglês de obras açorianas ajudam a “valorizar identidade” dos Açores nos EUA

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    “Mau Tempo no Canal”, de Vitorino Nemésio, “Ilhas Desconhecidas”, de Raul Brandão, “Pedras Negras”, de Dias de Melo, “A Ilha e o Mundo (e poemas selecionados)”, de Pedro da Silveira e “Um Sorriso na Escuridão”, de Adelaide Freitas foram as primeiras cinco obras traduzidas no âmbito do projecto editorial Bellis Azórica.
    A iniciativa, apresentada como o “único projecto editorial dedicado aos Açores em inglês”, é do Centre from Portuguese Studies and Culture – Tagus Press, com a participação dos professores Mário Duarte, da universidade de Massachussets – Dartmouth e Francisco Cota Fagundes, da Universidade de Massachussets – Amherst.
    Traduções para inglês de obras açorianas ajudam a "valorizar identidade" dos Açores nos EUA
    ACORIANOORIENTAL.PT
    Traduções para inglês de obras açorianas ajudam a “valorizar identidade” dos Açores nos EUA
    Seis obras da literatura açoriana traduzidas para inglês foram apresentadas na segunda-feira nos Estados Unidos da América (EUA) com o apoio do presidente do Governo dos Açores para “valorizar a tradição e identidade” dos Açores “pela literatura e poesia”.
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  • Pilotos da Air France lutam no cockpit em pleno voo

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    Informação foi avançada por jornal francês, num artigo onde são expostas várias falhas de segurança na companhia aérea.

    Source: Pilotos da Air France lutam no cockpit em pleno voo

  • POEMA DE 1970 DE CHRYS C

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    vem correr comigo, à bi rua (junho ‑
    dezº 1970)
    vem correr comigo. cabelos soltos ao vento.
    pernas fustigadas pelas espigas,
    como um poema lançado ao fogo.
    o cheiro a campo e feno.
    calma na aldeia de campos povoados.
    gente afanosa que semeia o que se colhe
    as terras adubadas pelo suor.
    as mãos calejadas pelo trabalho.
    o pó a entranhar‑se
    nas rugas da cara.
    os dias belos, verdes e azuis, cinzentos, iguais a tantos.
    os cães ao longe guardando os rebanhos.
    a fome e os verdes prados.
    o sol a pino, como pá ou picareta abrindo estradas,
    fazendo brotar água das f(r)ontes dos lavradores.
    a brisa que não corre na sombra que se escolhe
    a merenda frugal comida de criança para homens feitos.
    a enxada até sol‑pôr.
    vidas penhoradas por frutos que não serão colhidos.
    ao longe passam carros sibilantes.
    por cima enormes monstros dos ares
    atroam a calma, violam a aldeia. o sino assustado repica a medo.
    pendurados nos fios há pardais. nas fundas há pedras.
    as velhas sentadas ao sol que entra nas portas abertas.
    enxameiam moscas. crianças chafurdam na lama.
    cães encostados às próprias sombras
    sacodem as moscas, coçam as pulgas
    (em todas as elites sociais há parasitas!)
    cabeças inquisidoras, dos lábios o cumprimento,
    saudação oculta, comentários inconvenientes.
    fica a pairar o murmúrio.
    chapéus nas cabeças, mãos que se levam ao chapéu.
    e nós só queríamos os verdes campos
    a vontade contida de correr e saltar
    a liberdade dos pássaros‑homens
    feitos aves.
    as noites claras e límpidas, estrelas como teto.
    a terra a pulsar sob nossos corpos.
    com um frémito percorrendo formas, o seu calor.
    coladas as bocas, juntas as mãos
    o nosso bafo entrecortado
    por teto as estrelas.

  • SARDENHA CONTRA O TURISMO DE MASSAS ATT AÇORES, PENSEM EM COPIAR

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    A ilha italiana quer reduzir o turismo massificado e proteger os seus cenários naturais. Em certos areais, até foi proibido o uso de toalha.
    Sardenha proíbe e restringe o acesso às suas praias mais procuradas
    NIT.PT
    Sardenha proíbe e restringe o acesso às suas praias mais procuradas
    Danny Jordi and 424 others
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  • NASA Finally Proved Parallel Worlds Exist Where Laws of Physics Are Reversed! – Siamtoo

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    Stephen Hawking, the brilliant astrophysicist, is no longer with us, but his legacy continues to thrive to date. The recently launched James Webb Space Telescope is highly anticipated to focus on some of these late British scientist’s intriguing theories. One of these hypotheses is the last one Stephen Hawking worked on before his death. He […]

    Source: NASA Finally Proved Parallel Worlds Exist Where Laws of Physics Are Reversed! – Siamtoo

  • MALOÁS EM SANTA MARIA

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    Junto das magníficas disjunções prismáticas da Ribeira do Maloás, abrilhantadas com cascata!
    May be an image of 1 person, waterfall and nature
    Junto das magníficas disjunções prismáticas da Ribeira do Maloás, abrilhantadas com cascata!
  • Nesta paradisíaca ilha as ondas são quadradas e o mar parece um tabuleiro de xadrez – NiT

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    Um passeio de bicicleta, uma refeição tranquila com ostras na mesa, um dia de compras e, para terminar, observar um incrível pôr do sol. É assim que pode passar um dia neste paraíso a cerca de 160 quilómetros de Nantes, em França. Com apenas 30 quilómetros de comprimento e cinco de largura, a Ilha de … Continued

    Source: Nesta paradisíaca ilha as ondas são quadradas e o mar parece um tabuleiro de xadrez – NiT