Mês: Julho 2022

  • o passado a saque

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    O PASSADO A SAQUE
    Repórter do Marão, 1992.11.06
    A. M. Pires Cabral
    Pobre arqueologia. Pobres castros, antas, mamoas e afins. Está tudo a saque.
    Não me refiro à imperdoável desatenção que os nossos lugares de interesse arqueológico têm merecido da parte dos organismos a que compete a sua defesa e valorização.
    Na verdade, também aí haveria pano para mangas. A gente vai procurar um qualquer local arqueológico — e que encontra? Escombros, ruína, descaso. O castro da Murada, por exemplo, em Lamares. Hoje é um amontoado informe de pedregulhos que só o olhar experiente e atento de um arqueólogo pode identificar como tendo sido um castro. A Mão do Homem, importante vestígio rupestre em Escariz, só por milagre não tem ainda encavalitada em cima uma maison catita. Panóias está como todos sabemos: de fazer envergonhar qualquer país que se preze do seu passado. E por aí adiante.
    Mas pronto, não são essas águas que fazem moer hoje o meu moinho. Como se não bastasse tudo isso, todo esse abandono e todo esse desprezo, ainda sobreveio uma nova calamidade: certa casta de piratas, que revolvem tudo o que lhes cheire a sítio arqueológico à cata de tesouros. Já não são os rudes aldeões crendeiros, que julgavam que qualquer megálito tinha por obrigação ocultar uma moura encantada e um tesouro — e toca a destruí-lo, a poder de pico, marra ou mesmo bomba. Hoje essa casta de pirataria modernizou-se e saqueia, não a ferro de gaviar, mas com detectores de metais.
    Eu não sei se o piedoso Leitor que me acompanha nestes desabafos semanais sabe o que é um detector de metais. É um aparelhómetro baratucho, coisa para uns cem contos talvez, capaz de revelar a presença de metais no subsolo. Armados com ele, os piratas passam a pente fino castros, mamoas, etc. No final de uma safra destas, podem ter descoberto, digamos, uma dezena de moedas que, vendidas na candonga, lhes pagam o investimento. Daí para a frente, é tudo lucro.
    Segundo informações que tenho por fidedignas, dois desses piratas teriam vasculhado recentemente o castro de Sabrosa e desenterrado duas centenas de moedas de prata. Escusado será dizer que a maioria dessas moedas acabam por ir parar às mãos de receptadores, que fazem por sua vez negócio com elas. E assim tanto os piratas propriamente ditos (os ladrões que vão à horta), como os piratas de segundo grau (os que ficam à porta), vão delapidando o passado do país e sonegando parcelas importantes do seu património histórico-cultural, em nome do mercantilismo e do dinheiro fácil.
    É urgente pôr cobro à acção parasitária desses fulanos. É preciso fazer-lhes compreender que uma coisa é vasculhar as praias à procura de moedas e ouros e pratas perdidos, sem particular valor cultural, outra coisa é devassar os castros à cata de espólios arqueológicos que fazem falta para a leitura da história. E quem lho deve dizer não sou eu — embora esteja a procurar fazê-lo neste preciso momento — mas sim as autoridades cujo dever é velar pela salvaguarda do património comum, ou mesmo, em última análise, as policiais.
    Obviamente, se os castros todos tivessem já sido escavados por quem de direito e ciência, como devia ser, deixaria de haver interesse da parte dos piratas em pirateá-los. Porque, nessa altura, o espólio teria já sido recolhido e estaria a salvo, ao serviço da comunidade, estudado e exposto em museus. Mais um argumento pois a favor da tremenda urgência em proceder a escavações que neutralizem de uma vez por todas o tráfico e a cobiça. Enquanto isso não acontecer, o nosso património, Leitor, a nossa herança histórica, sua e minha, estará a saque, à mercê destas aves de rapina, que impunemente comerão dela e engordarão.
    Não há dúvida: estamos num país em que o que é preciso é ter lume no olho. Escrúpulos? Honestidade? Para quê? Só estorvam…
    Apostila:
    Não serei radical a ponto de dizer que, de 1992 para cá, não tenha havido algum progresso
    Em 1992, ainda Panóias, no termo de Valnogueiras, Vila Real, estava a bem dizer ao abandono, como se diz na crónica. Tinha-se avançado pouco em relação aos avisos de José Leite de Vasconcelos, dados em finais do séc. XIX: «Os preciosos monumentos arqueológicos de Panóias estão arriscados a perderem-se completamente, enquanto a Exm.ª Câmara Municipal de Vila Real não cuidar de os adquirir e resguardar, o que para ela constitui dever cívico, por tais monumentos pertenceram a uma época histórica de que poucos vestígios históricos restam no concelho de Vila Real, e serem além disso interessantes para o conhecimento geral das antiguidades da nação. Tanto mais se estranhará que a Exm.ª Câmara o não faça, quando é certo que com a aquisição e resguardo dispenderia quantia insignificante.»
    A aquisição dos terrenos tinha já sido feita, nos anos 80, com uma verba concedida pelo primeiro-ministro Sá Carneiro. Mas a vedação teria de esperar ainda uma boa dúzia de anos. Hoje, finalmente, está feita. Foi além disso criado um centro interpretativo e levantados passadiços e escadas metálicas que permitem a melhor observação do monumento. Enfim, Panóias, hoje, está que se pode ver. Ou pelo menos estava da última vez que passei por lá e mostrei o lugar a pessoas interessadas. Felizmente. Porque é um monumento ímpar no país. E é sempre agradável mostrar a estrangeiros estes degraus da história.
    May be an image of outdoors
    Jose Gomez Bulhao, Domingos da Mota and 100 others
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    • Hélder Alvar

      Além dos petróglifos gregos e latinos e da posterior diocese suévica de Panóias (toponimo vindo dos lepitas da Panónia da reforma de Teodomiro)…. Murça de Panóias, Vila Cauca de Panóias etc…
  • açores ausentes na feira do livro

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    Estranha ausência dos Açores na Feira do Livro de Lisboa
    Toda a gente sabe muito bem que a Feira do Livro de Lisboa, que já vai na 92ª realização, não é só de Lisboa: é, de facto, muito mais do que isso, é de Portugal, é da cultura portuguesa e é da lusofonia. É, pois, um grande acontecimento, que mostra o que há de melhor na escrita e no pensamento português e em português.
    Segundo a imprensa micaelense de hoje, os Açores, mais uma vez, não estarão presentes na Feira do Livro de Lisboa, porque alegadamente o modelo da participação açoriana está a ser repensado ou redesenhado, não me competindo tentar interpretar tais palavras.
    A 92ª Feira do Livro de Lisboa contará com 340 pavilhões, distribuídos por 140 participantes, que representam centenas de marcas editoriais. Decorrerá no Parque Eduardo VII, entre 25 de Agosto e 11 de Setembro, com um conceito totalmente novo, dinâmico e repleto de novidades. Será, assim, a maior Feira do Livro de Lisboa até agora, segundo a Associação Portuguesa de Escritores e Livreiros, a prestigiada entidade organizadora.
    Nos Açores há boa produção literária, existem talentosos escritores e há prestigiadas instituições culturais. Temos belas paisagens e bonitas vacas, mas somos mais do que isso, nomeadamente no plano cultural. Por isso, seria do maior interesse que os Açores tivessem um pavilhão próprio e digno na Feira do Livro de Lisboa. Temos muito para mostrar, divulgar e promover. A literatura açoriana, a literatura de significação açoriana ou a literatura portuguesa produzida nos Açores – tudo conceitos aceitáveis e compreensíveis, segundo a interpretação de cada um – tem um valor próprio e dá-nos uma dimensão superior.
    Quando se realiza, anualmente, a Feira de Turismo de Lisboa, não faltam participações e presenças açorianas, mas para a Feira do Livro de Lisboa verifica-se, pelos vistos, uma estranha auto-marginalização. Não podem é dizer depois que a Feira do Livro de Lisboa é marcada pelo centralismo e que ignora os Açores.
    You, Urbano Bettencourt, João Câmara and 7 others
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  • Santana Castilho · O estado da Educação e a “Educação do Estado”

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    O estado da Educação e a “Educação do Estado”
    A Educação sempre foi uma área de intervenção social, onde os respectivos dinamismos se exprimem menos vezes com base no conhecimento e mais vezes com base em ideologias, doutrinas e teorias por validar. Não fora isto suficiente para tornar complexa a actividade educacional, e ainda devemos considerar o peso das crenças, que perduram e arrastam prosélitos, mesmo depois dos seus postulados terem sido submetidos a experimentação, com resultados negativos.
    Quando a direcção política da Educação pública é entregue a políticos de frágil conhecimento, a exposição à contaminação por emoções, crenças e ideologias pode gerar uma “Educação do Estado”. É o que temos: uma escola mínima, hipócrita, de fancarias pedagógicas, de chavões, de cedências fáceis, numa palavra, um albergue para o pensamento único oportunista, que compromete o futuro dos jovens e do país. Este é o preâmbulo que, em meu entender, caracteriza o estado actual da Educação em Portugal.
    A “Educação do Estado” vem, de há seis anos para cá, criando crenças e percepções em muitos docentes sobre o que funciona bem durante o processo de aprendizagem. Só que essas crenças e percepções divergem dos ensinamentos sustentados pela experimentação da psicologia cognitiva. Entre outras, dou um exemplo: o apregoado ensino através da descoberta, versus o ensino directo, dirigido pelo professor.
    Muitos docentes defendem a premissa, confundindo a eficácia da aprendizagem com o aspecto lúdico da abordagem pela descoberta. Com efeito, a teoria da aprendizagem pela descoberta assenta na frágil ideia segundo a qual, se um cientista chega a novos conhecimentos pela experimentação, o mesmo pode ser conseguido por uma criança, em situação de aprendizagem. Kirschner, que aqui refiro por tantos outros que têm refutado a teoria ao longo dos tempos, postula que as crianças não podem aprender ciência com os mesmos métodos com que os cientistas fazem ciência. Já porque não têm os conhecimentos prévios que lhes devem ser transmitidos pelo ensino directo e dirigido, já porque, obviamente, o seu desenvolvimento neuronal não lhes permite pensar como cientistas. [Kirschner, P. A. (2009). Epistemology or Pedagogy, That Is The Question. In S. Tobias & T. M. Duffy. Constructivist Instruction: Success or Failure? (pp. 144-157). New York: Routledge].
    A consequência das diletâncias, de que a anterior é um exemplo, ficou patente nos últimos resultados divulgados pelo IAVE. A maior parte das crianças do 2º ano do ensino básico não entende o que lê e não sabe escrever. Mais de metade dos alunos do 9.º ano (57,7%) teve “negativa” na prova de aferição de Matemática (45% de respostas certas, em média, que comparam com 55% dos resultados dos exames de 2019). O grupo mais numeroso (8.368 alunos) ficou-se, apenas, por 20% de respostas certas. Cerca de 4.000 alunos obtiveram resultados entre 0 a 0,5%! A Português, 38% ficaram num nível negativo, com um resultado médio que, por comparação com 2019, desceu de 60% para 55%.
    Mas os pedagogos do regime, arautos da inclusão que exclui, profetas do “aprender a aprender”, pregadores da filosofia Ubuntu e veneradores do evangelho MAIA, que submergiu escolas e professores em burocracia ridícula, instrumentos e procedimentos delirantes e confusões nunca vistas, fizeram convenientemente desaparecer os instrumentos de avaliação externa (exames nacionais) para poderem decretar, urbi et orbi, a passagem de todos, independentemente do número de disciplinas com negativas.
    A pedagogia oficial vem enganando, assim, os alunos, na medida em que lhes passa a ideia de que transitar de ano e ter sucesso escolar não requer trabalho e empenho. Os alunos que em casa têm outras referências interrogam-se sobre se vale a pena aplicarem-se, quando verificam que colegas indolentes, que pouco ou nada fazem, conseguem o mesmo reconhecimento escolar que eles. Há hoje uma desconformidade preocupante entre os compromissos que a Escola não pede e aqueles que a vida fora dela exige.
    Na “Educação do Estado”, a fantasia da inclusão caminha de passo síncrono com a fantasia do sucesso. Uma e outra centram-se exclusivamente nos professores e esquecem os fenómenos sociais e económicos que estigmatizam as famílias dos alunos e a não existência nas escolas de recursos mínimos, humanos e materiais.
    Aproximadamente metade dos alunos sinalizados como carentes de “medidas selectivas ou adicionais” (novilíngua oficial) não tem apoio directo de professor especializado. Para satisfazer o falso conceito de inclusão vigente, basta que passem mais de 60% do tempo lectivo numa sala de aula, com os colegas de turma. Pouco importa que nada entendam do que lá é dito ou feito. Já engordaram as estatísticas e a ordem para que passem de ano atira as suas taxas de sucesso para cima dos 90%. Falta medir os seus índices de sofrimento e de impreparação para a vida. Completa o quadro real (que a fantasia do discurso político obviamente omite) a rarefação de assistentes operacionais (e até de enfermeiros), preparados para responder às exigências específicas desses alunos, de psicólogos (educacionais e clínicos) e de terapeutas (ocupacionais e da fala).
    Uma nota final sobre a falta de professores. A 6/7/22, na AR, António Costa reconheceu que o país tem “um problema sério em matéria de professores” e anunciou a aprovação de um diploma no Conselho de Ministros do dia seguinte com “duas medidas da maior importância”. Mas essas medidas foram, tão-só, remendos para os grupos disciplinares e áreas geográficas onde o desastre é maior, intervenções casuísticas sem correspondência às realidades e às necessidades do sistema, onde os sucessivos governos do PS, incapazes de proceder à revisão global dos diplomas que regulam os concursos e os quadros, apenas vão acrescentando injustiças e atropelos à ignomínia que criaram. Acresce que, no quadro de um concurso de âmbito nacional, as vantagens oferecidas a uns e cerceadas a outros talvez não estejam em conformidade com os ditames constitucionais. Mas, reconheça-se, que importância pode ter isso para António Costa, que já teve o topete de dizer que, neste reino, cumpre-se o que ele decide, diga a Constituição o que disser?
    A solução séria, a única solução, não pode ser outra que não o alargamento dos quadros das escolas, a reestruturação da carreira docente, a desburocratização do trabalho, o reconhecimento da independência intelectual, científica, pedagógica e metodológica dos professores, a sua valorização salarial, a formulação de uma avaliação de desempenho justa e a radical intervenção nos concursos de recrutamento e mobilidade.
    In “Público” de 26.7.22
    Monica Rodrigues Port-ue and 101 others
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  • Governo obrigado a aumentar salários dos professores – Sociedade – Correio da Manhã

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    Comissão Europeia dá dois meses para subir salários de mil euros líquidos dos contratados.

    Source: Governo obrigado a aumentar salários dos professores – Sociedade – Correio da Manhã

  • ARTE TIMOR

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    As I work at my drawings, day after day, what seemed unattainable before is now gradually becoming possible. Slowly, I’m learning to observe and measure. I don’t stand quite so helpless before nature any longer.
    ― Vincent van Gogh
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  • ecologia a mentira das baterias dos carros elétricos

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    May be an image of fire and outdoors
    The battery of electric cars is approximately 500 kg. To make a car battery, 10 tons of salt is required to be processed for lithium, 15 tons of ore for cobalt, 2 tons of ore for nickel and 12 tons of ore. A total of 200 tonnes of soil is excavated for a single battery. How can anyone in good conscience say this is better for the environment than fossil fuel cars? “

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  • velhos e pobres

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    A Fundação Francisco Manuel dos Santos esteve a comprar os municípios portugueses em matéria de bem-estar de desigualdade social e concluiu em quase um terço dos municípios de Portugal mais de metade das famílias são pobres e há mais idosos do que crianças em 96% dos concelhos do país.
    Estudo revela que somos um país cada vez mais envelhecido e mais pobre
    RTP.PT
    Estudo revela que somos um país cada vez mais envelhecido e mais pobre
  • turismo de massas sem massa 2

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    A fila para o ilhéu mesmo para quem chega às 8:00. Turismo de massas mesmo a preços elevados e apesar de haver controlo da quantidade de bilhetes à venda.
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    • Fátima Ferreira

      Desta forma nós ilhéus nunca mais temos vaga prá ir visitar o nosso património 😱
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  • com este calor descasque-se

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    Bom dia e boa semana
    May be a cartoon of fruit
    Excelente semana ❤️
  • parabéns chefe

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    o presidente da mesa da assembleia-geral LUCIANO PEREIRA celebra hoje um aniversário mais e congratulamo-nos por isso

    — bragança 2004belmonte 2022