Mês: Fevereiro 2022

  • timor representação cartográfica inicial

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    este é o desenho original de Pigafetta
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    “No sábado, dia 25 de janeiro [seria já o dia 26], partimos da ilha de Mallua, e, tendo avançado cinco léguas para sul-sudoeste, chegamos a outra bastante grande, chamada Timor, onde fui a terra completamente sozinho para obter do chefe da aldeia, chamada Amaban, o fornecimento de alguns víveres. Ofereceu-me búfalos, porcos e cabras, mas quando se tratou de determinar as mercadorias que queria em troca, não nos conseguimos entender, porque queria muito e nós tínhamos pouco para lhe dar. Tomámos então a decisão de reter a bordo o chefe de outra ilha, chamado Balibó, que tinha vindo visitar-nos com o seu filho. Dissemos-lhe que se queria recuperar a sua liberdade, podia arranjar-nos seis búfalos, dez porcos e outras tantas cabras. Este homem, que temia que o matássemos, deu ordem para que imediatamente nos trouxessem tudo o que acabáramos de lhe pedir, e como não tinha mais do que cinco cabras e dois porcos, deu-nos sete búfalos em vez de seis. Feito isto, despachámo-lo para terra bastante satisfeito connosco, pois, para além de recuperar a liberdade, ainda lhe demos de presente tecidos, de seda e algodão, machados, facas indianas e europeias e espelhos.
    O chefe de Amaba, com quem tinha estado antes, apenas tinha ao seu serviço mulheres, que andavam nuas, como as das outras ilhas. Levam nas orelhas umas pequenas argolas de ouro, às quais ligam uns pedaços de seda, e nos braços vários braceletes de ouro e de latão, que muitas vezes os cobrem até ao cotovelo. Os homens também andam nus, mas têm o peito adornado com placas de ouro redondas, e seguram os seus cabelos com pentes de cana, enfeitados com anéis de ouro. Alguns, em vez de argolas de ouro, levam nas orelhas o gargalo de uma cabaça seca.
    Apenas nesta ilha se encontra o sândalo branco, e há também nela, como dizíamos, búfalos, porcos e cabras, galinhas e papagaios de diferentes cores. Também se dão o arroz, as bananas, o gengibre, a cana-de-açucar, laranjas, limões, amêndoas, feijões e cera.
    Fundeámos perto da parte da ilha onde havia algumas aldeias habitadas pelos chefes, pois as dos quatro irmãos, que são os reis, ficavam noutro sítio. [refere-se à costa sul da ilha de Timor]
    Estas aldeias chamam-se Oibich, Lichsana, Suai e Cabanaza. A primeira é a mais destacada. Disseram-nos que numa montanha perto de Cabanaza se encontra bastante ouro, com cujas pepitas os indígenas compram tudo o que necessitam. É aqui que os de Malaca e Java vêm em busca de sândalo e da cera, e mesmo quando nós lá estávamos, encontrámos um junco que tinha chegado de Luzon [ilha do norte das Filipinas] com esse objetivo.
    estes povos são gentios. Disseram-nos que quando vão cortar o sândalo, o demónio aparece-lhes sob várias formas, perguntando-lhes com muita simpatia, se necessitam de alguma coisa; mas, apesar de tal deferência, a sua aparição causa-lhes tanto medo que ficam doentes durante alguns dias. Cortam o sândalo em certas fases da Lua, pois em qualquer outra altura não ficaria bem. As mercadorias mais adequadas para trocar por sândalo são o pano vermelho, tecidos, machados, pregos e ferro.
    A ilha está totalmente povoada; estende-se bastante de leste para oeste, mais é muito estreita de norte para sul. A sua latitude meridional é de 10 graus, e a sua longitude de linha de demarcação é de 174 graus e 30 minutos.
    Em todas as ilhas do arquipélago que visitamos graça a doença de São Job [venérea], e aqui muito mais do que em quaisquer outras partes, onde lhe chamam for franchi, isto é, a doença portuguesa.
    Disseram-nos que à distância de um dia de viagem para o oeste-noroeste de Timor existe uma ilha chamada Ende, onde existe canela em abundância. Os seus habitantes são gentios e não têm rei. Perto dali existe uma correnteza de ilhas até Java grande e o cabo de Malaca. Eis aqui os seus nomes: Ende, Tonabuton, Crenochile, Birmacore, Azanaran, Main, Zuvaba, Lumboch [Lombok], Chorum [Bali] e Java grande, que os habitantes não chamam Java, mas sim Jaoa.” (Pigafetta, A.)
    “Indo mais ao diante, deixando estas ilhas de Jaoa maior e menor, ao mar dela estão outras muitas, grandes e pequenas, povoadas de gentios e mouros alguns, entre as quais está uma que chama Timor, que tem rei e língua sobre si.
    Nesta ilha há muitos sândalos brancos, que os mouros muito estimam na Índia e Pérsia, onde se gasta muita soma deles, e têm grande valia no Malabar, Narsinga e Cambaia.
    As naus de Meca e Jaoa que aqui vêm por ele, levam por retorno machados, machadinhos, cotelos, espadas, panos de Cambaia e de Palcacate, porcelanas, continhas de cores, estanho, azougue, chumbo e outras mercadorias, com que carregam o dito sândalo, de mel, cera, escravos e dalguma pimenta que na terra há.” (Barbosa, D.)
    (1) – Mapa da ilha de Timor, A. Pigafetta, na versão espanhola do diário.
    You, Joao Paulo Esperanca, Alberto Borges and 13 others
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  • DA MINHA JANELA

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    DA MINHA JANELA, CRÓNICA 128 – 13 MAIO 2013

     

    Das ameias do meu castelo, janela aberta sobre o mundo vi muita coisa e continuo a ver um planeta em permanente mudança. São os vaqueiros que passam a cavalo, em carroça ou em carrinha, rumo às vacas e aos depósitos de leite, logo pelas cinco e meia ou seis da manhã em rotinas que se repetem – duas ou três vezes ao longo do dia – até ao anoitecer quando regressam dos pastos pela última vez.

    Vejo tratores mais apropriados ao celeiro do Oeste norte-americano, às pradarias, à amplidão dos campos australianos ou aos vastos terrenos da Extremadura espanhola do que ao minifúndio micaelense, depois há uns que são menos gigantescos, mas – mesmo assim – demasiado grandes para estas terras minúsculas, …, mas todos grandes, enormes para as pequenas parcelas de terra aqui na Lomba da Maia.

    Vejo as crianças barulhentas que voltam da escola primária ou da catequese, a correr, aos berros, à pancada umas com as outras, desobedecendo a mães e avós, a atirarem papéis para a rua, a comportarem-se como pequenas bestinhas que irão ser quando crescerem, saltando para o meio da rua impérvias ao trânsito e à vida que lhe podem roubar a cada momento.

    Vejo anciãs de xaile ou lenço na cabeça lenta, mais parecem daguerreótipos do séc. XIX, enquanto vagarosamente sobem a rua rumo aos deveres eclesiásticos da fé, sejam missas, novenas, enterros ou procissões. Parecem viúvas a viver num mundo que já não existe como se tivessem deixado de compreender a realidade circundante em que estão inseridas… Imagens tiradas doutras eras falando de um passado ancestral, imutável durante séculos, e que ora deu um pulo para o espaço sideral.

    Vejo pela janela entreaberta da casa em frente, uma televisão sempre a debitar telenovelas, entretendo os anos de vida que faltam à moradora citadina que aqui se desloca em feriados, férias e fins de semana…

    Desta janela não vejo, noutra casa em frente, o marido que bate na mulher, mas observo a mulher que bate nos filhos, (bem casada ou mal casada?) que não cessa de entrar e sair e falar com todos os homens da aldeia, mais os fornecedores do pão, fruta, carne, roupas e todos os fornecedores das carrinhas que aqui aportam diariamente para venderem produtos. Ela aguarda, aperaltada, que o marido siga para as vacas e vai lampeira em busca de quem a ouça e à sua língua viperina, vivendo no quotidiano os sonhos imaginados das telenovelas que lhe enchem as noites. Disseram-me que há mais homens e mulheres assim, rua acima e rua abaixo, nesta e em outras ruas, em freguesias perto e longe.

    Da janela vejo aos domingos os homens com fatiotas puídas doutras eras (do casamento ou batizado?) à porta da Igreja ou a beberem uns copos na tasca da esquina. São os mesmos que não entram na missa o ano todo, mas depois se fazem à estrada como romeiros, arrostando com frio, chuva e outras privações.

    Há ainda os que escapam sempre, sobre quem não impendem acusações de violência doméstica, de pedofilia, de abusos, de alcoolismo, de furtos ou outras infrações, mas que cumprem religiosamente tradições ancestrais que nem sabem explicar nem compreender e como romeiros têm fama de bons cristãos.

    Vejo enterros, procissões, casamentos, crismas e batismos (cada vez menos), vendedores (avulso) de cracas e lapas, vendedores de tudo e mais alguma coisa em carrinhas barulhentas na sua distribuição e aliciamento de clientes em tempo de crise. Vejo os montes ora verdes, ora verdes, ou, então verdes, consoante a estação do ano, e as culturas do que lá se planta, ora vazios, ora com vacas alpinistas todo o ano.

    Mas o que nunca vi desta janela foi alguém a ler um livro,….

    e isso observei, apenas uma, vez em Ponta Delgada, junto ao Forte de S. Brás em 2013.