Mês: Novembro 2021

  • TIMOR SANTA CRUZ

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    Santa Cruz foi há 24 anos. Há uns nomes mais conhecidos que outros. Hoje a Agência Lusa conta duas histórias de dois dos nomes menos conhecidos.
    O primeiro é Saskia Kouwenberg.
    Timor-Leste: Imagens do massacre de Santa Cruz sairam escondidas dentro de roupa interior
    *** Por António Sampaio, da agência Lusa ***
    Díli, 11 nov (Lusa) – Dois dias depois do massacre de Santa Cruz, a 14 de novembro de 1991, Saskia Kouwenberg coseu duas cuecas uma à outra, arranhou o interior do nariz até chorar e deixou cair sangue no tecido, que escondia um documento vital.
    A ‘bolsa’ improvisada pela holandesa, manchada de sangue, tinha no seu interior a cassete com as imagens do massacre no cemitério de Santa Cruz, recolhidas pelo jornalista inglês Max Stahl e que, para muitos marcaram um momento de viragem na questão de Timor-Leste.
    Foi uma medida preventiva. Saskia Kouwenberg, que aceitou pela primeira vez contar a história, explicou à Lusa que o conteúdo da cassete que transportou de Díli tinha que chegar às televisões de todo o mundo.
    Pensando que a sua bagagem poderia ser revistada – e contando com os eventuais preconceitos muçulmanos caso isso acontecesse -, Kouwenberg, que conversou com a Lusa pela rede social Skype, a partir de Amesterdão, queria garantir que as imagens não seriam descobertas.
    “Pedi a um jornalista que me arranjasse agulha e linha. Eu uso sempre cuecas enormes. Confortáveis mas enormes. Arranhei tanto o nariz que até chorei. E enchi as cuecas de sangue, e depois cozi duas e meti a cassete lá dentro e fui para o aeroporto”, recordou.
    Envolvida no movimento pacifista da década de 1980 teve o primeiro contacto com os timorenses em Darwin, norte da Austrália, para onde se mudou com o marido no início dos anos 1990.
    A proposta visita de uma delegação parlamentar portuguesa a Díli, em outubro de 1991 fez aumentar o interesse à volta da situação em Timor. Como a visita coincidia com uma viagem que Saskia e o seu marido na altura, Russell, deveriam fazer à Europa, decidiram incluir uma passagem por Díli.
    “Na altura disseram que ia ser muito difícil entrar, que não íamos conseguir. Mas conseguimos entrar. Só que a visita da delegação acabou por ser cancelada e tudo entrou em colapso”, recorda.
    O Governo indonésio rejeitou a inclusão na delegação – de que fariam parte 12 jornalistas – da jornalista australiana Jill Jolliffe, considerada próxima da resistência, e Portugal recusou manter a visita se esta fosse excluída.
    “Isso gerou pânico em Timor. Muitas pessoas e muitos jovens tinham-se preparado para visita e queriam, a todo o custo, falar com eles”, recorda Saskia, uma dos sete ou oito estrangeiros que estavam em Díli na altura.
    A tensão aumentou e a 28 de outubro tropas indonésias e elementos pró-integracionistas atacaram um grupo de jovens que estava na Igreja de Motael a preparar manifestações para receber a delegação parlamentar, de que resultou a morte do jovem pró-independentista Sebastião Gomes e do pró-integracionista Afonso Henriques.
    A 12 de novembro realiza-se uma missa e cerimónia em homenagem de Sebastião Gomes e milhares de pessoas dirigem-se de Motael até ao cemitério de Santa Cruz.
    Durante o percurso alguns abriram cartazes e faixas de protesto. As forças indonésias respondem com extrema violência, matando mais de 250 pessoas.
    Um ativista neozelandês, Kamal Bamadhaj, foi morto, dois jornalistas foram espancados, os americanos Amy Goodman e Allan Nairn, e as imagens foram registadas pelo jornalista inglês Max Stahl.
    Nesse dia Saskia estava como uma grande dor nas costas, que praticamente não a deixava movimentar-se. Gravou algumas imagens, ainda na igreja, e regressou ao Hotel Díli, onde estava hospedada.
    “Quando saí de novo vi que a cidade estava praticamente deserta e comecei a perguntar o que tinha acontecido. Estavam pessoas escondidas em vários locais que disseram que tinha acontecido algo muito mau”, contou.
    “Nessa noite falei com o Max que disse que tinha escondido o filme no cemitério. Ele foi lá busca-lo e, depois a questão era quem tirava o filme de Timor. Eu ofereci-me porque não tinha sido vista em Santa Cruz”, explica.
    Primeiro tentou com o Relator Especial da ONU para Direitos Humanos e Tortura, Pieter Kooijmans, que estava em Díli a quem pediu se podia levar a cassete.
    “Ele disse que não. Estava borrado de medo. Falei também com a Embaixada holandesa. Ninguém acreditava que isto tinha acontecido”, disse.
    Retirar a cassete com as imagens de Timor-Leste, recorda, foi uma espécie de “filme B” que começa no aeroporto onde chega, no dia seguinte, com o seu marido e o americano Steve Cox, e é informada de que o voo estava cheio.
    “Eu corri para o avião a dizer que tinha que sair. Os militares tentaram tirar-me das escadas. Estava aos gritos. E enquanto isto estava a decorrer o Kooijmans passou por mim e fez que não me conhecia”, disse.
    “Depois de muitos gritos e discussão deixaram-me entrar com o Steve Cox e o Russell. E quando chegámos vimos que havia mais lugares vazios. Foi uma situação muito tensa”, disse.
    Os seus companheiros de viagem saíram em Kupang, Timor indonésio, e Saskia continuou até Bali onde se misturou com turistas enquanto esperava ligação para Jakarta.
    Ali, depois de uma conversa de uma hora entre o embaixador e as autoridades indonésias, acabou por passar pela zona VIP, sendo levada para um quarto na missão diplomática de onde não pode sair.
    “Eles insistiam que eu entregasse tudo o que tinha comigo. Diziam-me que eu não ia conseguir sair com o filme. Pensei e dei-lhes um pacote que disse que só podiam entregar ao charge d’affairs – que eu sabia que estava fora. Eles pensaram que era a cassete mas era só uma cópia do livro Exodus”, conta, sorrindo.
    Coze as cuecas e prepara-se para nova viagem para o aeroporto antes do voo para Amesterdão. Apesar do medo e de mais negociações com as autoridades indonésias é levada de carro à porta do avião e embarca, sem que a sua mala seja sequer revistada.
    “Passam quatro dias entre sair de Díli e estar em segurança. Na Holanda tive que dar o filme aos donos que tinha contratado Max Stahl. Eu queria que o filme fosse transmitido nessa mesma noite porque ainda havia a controvérsia porque a Indonésia negava que tinha havido um massacre em Timor”, disse.
    “Eles insistiam que as imagens eram para usar num documentário. E eu recusei-me a entregar a cassete. Pedi primeiro à televisão holandesa que fizesse uma cópia. E essas foram as imagens transmitidas na noite de sábado 16, cinco dias depois do massacre”, recorda.
    Um momento crucial para Timor-Leste, quer pelo reconhecimento internacional que o problema assumiu mas, destaca, pelo impacto que as imagens tiveram em Portugal.
    “Até Santa Cruz havia tanta negação na comunidade internacional sobre o que estava a acontecer. E aqui tínhamos um exemplo em que os indonésios diziam que nada tinha acontecido, e as imagens mostraram o contrário, que algo grande tinha ocorrido”, disse.
    “Essas imagens fizeram uma grande diferença especialmente em Portugal. Porque as pessoas na capela e no cemitério estavam a rezar em português. E em poucos dias todas as casas em Portugal acenderiam velas por timor, comprometendo-se a não abandonar Timor de novo”, afirmou.
    ASP // EL
    Lusa/Fim
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  • MOODY BLUES MAIS UM QUE NOS DEIXA

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    A CAUSA DAS COISAS
    O baterista dos Moody Blues, Graeme Edge morreu hoje, com a idade de 80 anos.
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    Moody Blues drummer Graeme Edge dies aged 80 after legendary 50 year rock career including hits ‘Nights in White Satin’ and ‘Go Now’

    • Drummer Graeme Edge, 80, was born in Rochester, Staffordshire, in March 1941
    • Edge was one of the original members of the band and was touring until 2018
    • Band’s singer paid tribute to ‘one of the great characters of the music business’
    • The Moody Blues sold some 70 million albums over the course of five decades

     

     

    Moody Blues drummer Graeme Edge, who played on hits such as ‘Nights in White Satin’ and ‘Go Now’, has died aged 80.

    The drummer, who was one of the original members of the band, had a musical career of more than 50 years until he stopped touring as a result of a stroke.

    He retired from touring in 2018 due to ill health but was inducted into the Rock and Roll Hall of Fame with the rest of the band at the same time.

    Moody Blues singer and guitarist Justin Hayward paid tribute to Edge, saying his ‘sound and personality is present in everything we did together’.

    Graeme Edge of the Moody Blues, pictured, has died at the age of 80

    Graeme Edge of the Moody Blues, pictured, has died at the age of 80

    The group, which were formed in the 1960s, were known for songs such as Nights in White Satin and Go Now

    The group, which were formed in the 1960s, were known for songs such as Nights in White Satin and Go Now

    He was born in March 1941 in Rochester, Staffordshire, and formed his first band the R&B Preachers in 1964.

    That band later became The Moody Blues who went on to achieve international acclaim.

    In total, the group sold some 70million albums having released their last new music in 2003.

    Hayward wrote on Facebook: ‘It’s a very sad day. Graeme’s sound and personality is present in everything we did together and thankfully that will live on.

    ‘When Graeme told me he was retiring I knew that without him it couldn’t be the Moody Blues anymore. And that’s what happened. It’s true to say that he kept the group together throughout all the years, because he loved it.

    ‘In the late 1960’s we became the group that Graeme always wanted it to be, and he was called upon to be a poet as well as a drummer.

    The band, pictured, recorded their last album in 2003 and continued touring

    The band, pictured, recorded their last album in 2003 and continued touring

    ‘He delivered that beautifully and brilliantly, while creating an atmosphere and setting that the music would never have achieved without his words. I asked Jeremy Irons to recreate them for our last tours together and it was absolutely magical.

    ‘Graeme, and his parents, were very kind to me when I first joined the group, and for the first two years, he and I either lived together, or next door to each other – and despite us having almost nothing in common, we had fun and laughs all the way, as well as making what was probably the best music of our lives.

    ‘Graeme was one of the great characters of the music business and there will never be his like again.

    ‘My sincerest condolences to his family.’

    Moody Blues drummer Graeme Edge dies aged 80

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  • CONFERÊNCIA SOBRE O ESPAÇO (DE SANTA MARIA) EM SÃO MIGUEL????

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    Bárbara Chaves manifesta desagrado com a realização da Conferência sobre o Espaço acontecer em São Miguel - Jornal Açores 9
    JORNALACORES9.PT
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    Numa missiva dirigida ao Presidente do Governo Regional, a edil ressalvou os investimentos avultados que, ao longo dos últimos 20 anos, se tem verificado na ilha, “quer diretamente pelo Governo Regional, como por parte do Governo da República e da iniciativa privada”, para demonstrar o seu des…
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  • TLEBS-VAMOS-FALAR-DE-EDUCACAO.pdf

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    TLEBS VAMOS FALAR DE EDUCAÇÃO

  • PEDOFILIA NOS AÇORES UM CANCRO DIÁRIO……Detido um homem em São Miguel por ter abusado sexualmente de uma criança com 13 anos – Jornal Açores 9

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    Os factos ocorreram na Ilha de São Miguel, num contexto de coabitação entre a vítima e o agressor. A mãe da vítima foi constituída arguida por saber e não ter agido de modo adequado a impedir os abusos sexuais. O detido, de 24 anos de idade, foi presente a primeiro interrogatório judicial, tendo-lhe sido aplicadas […]

    Source: Detido um homem em São Miguel por ter abusado sexualmente de uma criança com 13 anos – Jornal Açores 9

  • PORTUGUÊS SIMPLES

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    Chrys Chrystello

    há anos na austrália tivemos o plainenglish a descodificar os textos e leis dos políticos não sei como isso andará hoje
    A Cristina Nobre Soares explica tão bem porque precisamos de “falar claro”.
    «Uma vez, num almoço de anos de um amigo, durante aquelas conversas de circunstância que estabelecemos com outros convivas e que invariavelmente chegam à parte do “Em que é que trabalha?”, respondi que trabalhava em linguagem clara. Expliquei que trabalhava numa empresa que simplificava textos de modo a que todos percebessem (na altura ainda não trabalhava em comunicação de ciência).
    O senhor olhou para mim horrorizado.
    – Agora simplificam tudo! Faz algum sentido simplificar Fernando Pessoa, por exemplo? Que disparate!
    Ri-me, e tenho ideia que talvez me tenha rido um bocadinho demais… Lá lhe expliquei que deixávamos o Fernando Pessoa em paz, que isso era literatura, que a linguagem da literatura tinha o seu lugar e não era para simplificar. Que o que fazíamos era simplificar textos que interferiam directamente na vida das pessoas, enquanto cidadãos, como os dos documentos dos bancos, seguradoras, operadoras telefónicas, segurança social.
    -Ah, bom, isso faz o seu sentido. – respondeu-me o senhor visivelmente aliviado.
    Pois faz. Faz todo o sentido.
    Invariavelmente, nos meus cursos de comunicação clara de ciência, há sempre o momento em que alguém manifesta o seu desagrado “por se descer na linguagem”.
    O verbo descer, neste contexto, cansa-me tremendamente, confesso.
    Lá explico, tentando vender o meu peixe, que nestas coisas da linguagem, a menos que se fale mal e de um modo desleixado, nunca é uma questão de “descer” ou “subir” na linguagem, mas sim de a adaptar ao contexto, ao nosso objectivo e a quem nos lê (ou ouve). Que da mesma maneira que nos vestimos de uma maneira diferente para ir ao almoço de Domingo a casa da sogra e a uma recepção da embaixada (a menos que a sogra faça parte do corpo diplomático), também não falamos da mesma maneira com toda gente. Há gravatas que fazem sentido em certas ocasiões, assim como há sapatos de verniz que se descalçam. Acrescento também que podemos ser claros em vários registos. Desde que o façamos com um objectivo e desde que não o façamos só para nos armar ao pingarelho. Que também pode ser um argumento válido, desde que seja consciente.
    E termino sempre lembrando que os maiores beneficiados da clareza da nossa linguagem somos nós. Que, surpreendentemente, não, não é um magnânimo acto de generosidade para com esse povão iletrado, que nem uma bula de medicamento sabe ler. Esse povão que bem que podia ir ao Google para perceber o que estamos a dizer, pois o conhecimento não tem lugar. Pois, é verdade, não tem. Mas, vou-vos dizer uma coisa, aqui que ninguém nos ouve: por norma, não somos assim tão importantes para as outras pessoas. Aliás, raramente o somos, dá-me ideia até, que na maior parte das vezes a única pessoa no mundo que nos dá muita importância e àquilo que dizemos somos nós próprios.
    Sim, surpreendentemente, os primeiros beneficiados da clareza da nossa linguagem (surpresa!) somos nós. Por que nos entenderam, porque perceberam o que está em causa. Se o nosso objectivo for pôr as pessoas a falar melhor, com todas as centenas de milhar de vocábulos que temos na nossa língua, força nisso, que é um objectivo muito nobre. E digo isto sem ponta de ironia. Sem dúvida que o mundo seria um sítio melhor se todos lêssemos Jorge Luís Borges ou Thomas Mann. Assim como o mundo seria um sítio melhor se fossemos todos de classe média. Mas esse é um mundo ideal, que por enquanto só existe na cabeça de algumas Misses Universo não é aquele em que efectivamente vivemos. E nesse mundo, nessa realidade, convém que exijamos todos um direito básico enquanto cidadãos: o direito a entender, especialmente quando são aspectos fundamentais da nossa vida que estão em causa, como saúde, impostos, as leis que nos regem e as contas que pagamos. E, sim, entender aspectos básicos sobre a ciência que se vai fazendo e que directa e indirectamente contribuiu para nos fazer chegar, enquanto espécie, até aqui».

     

  • amanhã na Lagoa Violante de Cysneiros: o outro lado do espelho de Côrtes-Rodrigue

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    Hoje, no Correio dos Açores, é notícia o lançamento do Violante de Cysneiros: o outro lado do espelho de Côrtes-Rodrigues?, que ocorre, amanhã, pelas 18h30, na Lagoa, na Igreja do Convento de Santo António.
    Quem manifestar interesse em estar presente, deverá contactar a Biblioteca Tomaz Borba Vieira ou enviar-me mensagem privada, de forma a garantir o cumprimento das regras em vigor.
    Obrigado Correio dos Açores pelo destaque.
    P.S. O artigo refere Violante como heterónimo. É um excelente ponto a discutir amanhã.
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    Daniel Fernandes, Maria Helena Ançã and 16 others
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  • crónica de francisco madruga

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    À volta dos livros
    Aqua-Flaviae
    Para quem conhece Chaves, palmilhada por ruas estreitas, com o cinzento do granito velho e o reflexo da luz que entra tenuemente, as suas típicas varandas de madeira de cores multifacetadas, não pode deixar de ver os contrastes com a cidade fora de muralhas.
    O imenso Património cultural, paisagístico e humano continua lá, entre o antigo e o moderno.
    Como será a fotografia tirada com o olhar do alto do Miradouro de S. Lourenço sobre a Veiga e o casario que se vislumbra a perder de vista?
    Relembro as montras de livrarias e quiosques recheadas de livros de Miguel Torga em época de Termas. É que o nosso escritor transmontano vinha a águas por estes sítios.
    Algumas livrarias resistem, emolduradas por novidades que induzem ao consumo imediato. Os grandes espaços comerciais vão conquistando espaços mesmo no interior da cidade. Sabemos todos, que as obras de referência e os clássicos estão inevitavelmente nas estantes dos armazéns das editoras e das poucas livrarias tradicionais.
    Hoje, queria convidar-vos a visitar pelos meus olhos e ouvidos um dos melhores locais de cultura e de história da cidade de Chaves. Existirão outros tão importantes? Talvez!
    Falo-vos da rua de Santo Amaro, á saída da cidade velha, banhada por ribeiras e casas antigas.
    Aqui, encontramos gente com formação cívica, académica e com profundo conhecimento da literatura, da música, da natureza, das tradições e dos saberes ancestrais.
    Dá gosto conversar com três gerações que viveram, participaram e transmitiram saberes, princípios e valores profundamente humanos e empenhados.
    Elencaram-se acontecimentos, tiraram-se dúvidas, contaram-se novas histórias, folhearam-se livros onde a vida acontece nas entrelinhas de cada parágrafo.
    A música confunde os sentimentos. Que música é esta?
    – Não é CD, é o meu sobrinho ao piano!
    Dou comigo a pensar – A terceira geração sabe do que estamos a falar e rapidamente adequa o andamento à conversa.
    Falamos de Jorge Sampaio e da sua Biografia, da investigação do José Pedro Castanheira, das crónicas da rádio em torno da obra. As cartas de namoro confiscadas pela PIDE e nunca entregues aos destinatários encarcerados no Aljube.
    Questionados os diretores da polícia política vinha sempre a mesma resposta:
    – Coisas sem interesse, deitamos fora!
    Não deitaram nada. Leram, usaram e estão muitas delas na Torre do Tombo.
    Passamos os olhos e a memória pela vida.
    Os locais, as pessoas, os perigos de quem tinha a seu cargo o aparelho de passagem de fronteira em Chaves.
    O Dr. Domingos da Costa Gomes, exilado, impedido de exercer a sua profissão.
    Falamos do Tordo, do Ary e de tantos outros que frequentaram palcos por estas terras.
    Abrimos o livro “Vozes ao Alto! 100 Histórias na História do PCP”. São 100 objetos, descritos, fotografados e enquadrados por quem os viveu ou contou. Pelo texto de consagrados investigadores e fotógrafos (Adriano Miranda, Cristina Nogueira, Egídio Santos, Isabel Nogueira, Maria Alice Samara, Paulo Pimenta e Vanessa de Almeida), resultaram 100 episódios, mas poderiam ser muitos mais.
    Falamos de personagens, de situações, de enquadramentos humanos e estéticos.
    Falamos das relíquias documentais existentes em muitas casas espalhadas pela região e que fixam o trabalho, a luta e a resistência destas populações.
    Não temos o direito de não as contar e as devolver ao conhecimento de investigadores e historiadores.
    Falamos do meu “Histórias (de)Vidas” e das suas personagens reais e imaginárias.
    Marília não resistiu a contar uma história.
    – Numa ocasião, Francisco Miguel (Xico Miguel, para os seus camaradas) deslocou-se a Chaves para uma ação política. Tinha vindo de Lisboa, com muitas horas de viagem. Chegou em cima da hora do evento e seguiu diretamente para o local. A sessão prolongou- se para além da hora prevista e acabou altas horas. Chegados a casa, Francisco Miguel perguntou se não se importavam que comesse uma sande que tinha no bolso pois não tinha jantado.
    Todos se interrogaram, como era possível um homem desta envergadura moral e intelectual ter esta humildade?
    Preparam-lhe de imediato uma refeição à altura da situação. Como sempre, ele não queria incomodar, já bastava o trabalho que estava a dar.
    E assim revisitei um dos melhores locais de vida, de arte, de música, de literatura, de cidadania e resistência da Cidade de Chaves.
    Com a Marília, o Pité e o Miguel por chamada telefónica, recordamos a vida e as memórias.
    Á memória do Max (Dr. Maximino Cunha)!
    Helena Olga Jesus and 13 others
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