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9 years ago
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CRÓNICA 252 COISAS DOS ROMANOS 6 MAIO 2019
Estava há dias a ver um documentário televisivo sobre as dez melhores criações romanas (há dois mil anos ou mais) e, salvaguardadas as devidas diferenças, assumi que devo ter nascido na era errada. Vejamos algumas delas:
Depois de prestar muita atenção a estas e outras notáveis novidades tecnológicas com mais de dois mil anos, dei comigo a interrogar-me sobre qual a razão de o atual concreto ter pouca durabilidade (50 anos em média), desintegrando-se e sendo corroído pelo próprio ambiente em que está inserido e se andarem a construir hotéis e outras habitações que pouco vão durar e a única razão válida é que a maior parte deles serão abortos arquitetónicos como o que irá surgir em Vila Franca do Campo (Água d’Alto) com mais de 500 quartos e – como tal – condenados a serem abatidos, mais cedo ou mais tarde. A sua utilidade é tão reduzida que o betão pode ser de fraca qualidade. Já agora construam mais portos para os cruzeiros em todas as ilhas, que qualquer tempestade, mais cedo ou mais tarde, irá destruir. Há portos romanos como o primeiro porto artificial de Caesarea Maritima (Cesareia, Israel) que sobrevive hoje.
Aliás, o imediatismo das construções parece ter tomado conta de todos os governantes. Quando em 2008 sugeri em crónica publicada que se deveriam começar a construir reservatórios de água na cilhas dos Açores, para evitar futuras faltas de água, devido às mudanças climatéricas, ninguém me ouviu nem levou a sério. Já em 2018 a lavoura e pecuária mostraram algum interesse em construir reservatórios para abastecer o gado., mas, de uma forma geral, tudo continua por fazer. Governos e políticos reativos em vez de serem pró-ativos.
Escrevi então no Diário dos Açores 13.11.2008:
… O RESTO DA ILHA NEM SE APERCEBEU.
Continuam todos felizes, sem se darem conta da falta de água aqui na Costa Norte, a esvaziarem os depósitos do autoclismo em vez de os encherem de garrafas de água cheias ou de tijolos para preservarem a água que temos. Esta ilha não para de me espantar. Desde que cá cheguei, biliões de litros de água vieram diretamente das nuvens para as ribeiras que os despejam no mar. Um equilíbrio perfeito com a natureza, mas que esqueceu a presença humana. Espero que alguém já tenha lido alguma coisa sobre as mudanças climatéricas que se avizinham e comece a construir reservatórios maiores antes de esta ilha se começar a parecer com a metade seca da ilha de Santa Maria ou com a aridez das Canárias e de Cabo Verde. Nessa altura será tarde demais, a menos que nas terras altas como na Lomba da Maia tenhamos reservatórios suficientes para as nossas necessidades e deixemos de depender dos outros que não cuidam de nós como nos prometeram antes de serem eleitos para defenderem os nossos interesses.
Claro que se compreende a não-preocupação pois a futura falta de água não dá votos a vencer eleições…e quando os começarem a construir pode ser que não chova o suficiente para os encher… nessa altura será culpa das alterações climatéricas e não da falta de visão dirigente. Não sei como mas gostava de poder clonar algumas mentes romanas e colocá-las em posições de poder, para construírem estradas que durem, fazerem betão milenar, reintroduzir aquedutos e reservatórios capazes de abastecerem todos com a água que vai faltar, mesmo nesta zona de clima subtropical chamada Açores.
Resta-me votar “Romanos” nas próximas eleições.
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A crónica é dos géneros mais difíceis, mas dos mais estimulantes.
Há quem diga que está na fronteira entre o jornalismo e a literatura, mas passou por muitas transformações desde o seu aparecimento no início da era cristã.
Popularizou-se em Portugal com os relatos apaixonados do início da expansão marítima e transformou-se num misto de narração e ficção com as célebres “Crónicas das Índias.”
O género autonomizou-se através do jornalismo, quando surge pela primeira vez na imprensa escrita, já lá vão mais de 200 anos, nascendo então cronistas celebrizados que iam da cobertura da frente das guerras até ao mais invulgar acontecimento mundano.
A crónica, hoje, não possui tipologia própria, variando consoante a inspiração e talento do respetivo autor, deixando de se assemelhar a história para passar a narrativa do tempo presente.
Do latim Chronica e do grego Kronos (tempo), talvez esteja hoje mais atraente, na forma e no tempo, do que nos anos ancestrais em que ainda nem havia o género romance.
Os jornalistas veem-se “gregos” para assimilar a crónica como género fluido nesta nova moda trazida pelo mundo digital de que “tudo é comunicação.”
Chrys Chrystello, como jornalista sénior que é, certamente se terá apercebido do poder da crónica como narrativa do tempo, porque passou a incorporá-la na sua escrita regular com enorme desenvoltura, como se poderá constatar neste volume quase diarístico (outra transformação da crónica), que vai de 2005 a 2020.
Chrystello usa bem os conceitos do género e utiliza-os melhor quando escolhe como espaço este ‘microblogging‘ no meio do Atlântico a que ele chama mitologicamente de Éden.
O autor consegue transformar a centralidade insular num misto de ansiedade e identidade redentora, sempre com espírito crítico, provavelmente por ter sentido na pele, muito antes de nós, as angústias do futuro de um povo e das suas ilhas, durante a sua longa vivência em Timor.
Aliás, Timor e Açores passaram a ser os “colossos utópicos” na comunicação de Chrys Chrystello, aquilo a que ele chama a si próprio “ilhanizado.”
“Perdi sotaques, mas não malbaratei as ilhas-filhas. Trago-as comigo, colar multifacetado de vivências dos mundos e culturas distantes. Primeiro em Portugal, ilhota perdida da Europa no Estado Novo, seguida de um capítulo naufragado da História Trágico-Marítima camoniana, nas ilhas de Timor, de Bali, na então (pen)ínsula de Macau (fechada da China pelas Portas do Cerco), na imensa ilha-continente Austrália, e em Bragança, ilhoa esquecida que é o nordeste transmontano.” (pg. 236 da presente edição).
É este mundo – desgastante e deslumbrante (“alumbramento”) – que vai moldando as “Crónicas do Éden,” muitas delas publicadas no “Diário dos Açores” que dirijo, sendo um privilégio ser o primeiro leitor e simples paginador.
Nada como um bom observador que vem do outro lado do mundo – e que mundo! Que se deixa “ilhanizar” entre nós, mas mantém o espírito aberto e aplicado do jornalista-cronista, que não se deixa influenciar pelos “poderes mágicos” do burgo regional, certamente muito diferentes dos que se veem na sociedade aborígene australiana.
Chrystello é o nosso Bill Bryson com as suas “Crónicas de uma pequena ilha,” com a diferença de que procura constantemente uma “renovada Atlântida” cada vez mais mítica e muito perto do universo da “Ilha Grande Fechada” do seu e nosso querido amigo Daniel de Sá.
O espírito inquieto do autor, refletido nas crónicas de crítica social e política da urbe açórica, é uma procura permanente do Ideal que já vem do tempo de Antero, o democrata e republicano “daquela república que por ora não existe senão como ideia e aspiração,” espicaçando a nossa ancestral morrinha insular, conformados com o presente e pouco preocupados com o futuro.
Vale a pena fazer esta viagem guiada (“uma circum-navegação“), que o Chrys nos presenteia neste livro, numa incursão em defesa da justiça social, da língua, da nossa literatura, dos nossos poetas e escritores, da nossa história, do presente e do futuro, mesmo que sob uma perspetiva crítica e ao mesmo tempo apaixonada destas ilhas.
Não será por ironia que o cronista as chama de Éden.
Ou será?
Pico da Pedra, outubro 2020