Mês: Novembro 2021

  • DANIEL FELIPE A INVENÇÃO DO AMOR

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    A invenção do amor
    Daniel Filipe, poeta e jornalista natural de Cabo Verde, nascido em 1925 e falecido em 1964, em Portugal. O poema seguinte foi escrito e publicado durante o governo ditatorial de Salazar. Daniel Filipe foi um preso político, perseguido e torturado durante o regime da ditadura.
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    Em todas as esquinas da cidade
    nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
    mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e
    detergentes
    na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
    no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da nossa
    esperança de fuga
    um cartaz denuncia o nosso amor
    Em letras enormes do tamanho
    do medo da solidão da angústia
    um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
    se encontraram num bar de hotel
    numa tarde de chuva
    entre zunidos de conversa
    e inventaram o amor com carácter de urgência
    deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
    Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração
    e fome de ternura
    e souberam entender-se sem palavras inúteis
    Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
    de um sorriso natural e inesperado
    Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
    Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
    Embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
    de um amor subitamente imperativo
    Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
    colado em todas as esquinas da cidade
    A rádio já falou A TV anuncia
    iminente a captura A policia de costumes avisada
    procura os dois amantes nos becos e avenidas
    Onde houver uma flor rubra e essencial
    é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta
    fechada para o mundo
    É preciso encontrá-los antes que seja tarde
    Antes que o exemplo frutifique
    Antes que a invenção do amor se processe em cadeia
    Há pesadas sanções paras os que auxiliarem os fugitivos
    Chamem as tropas aquarteladas na província
    convoquem os reservistas os bombeiros os elementos da defesa passiva
    Todos
    Decrete-se a lei marcial com todas as suas consequências
    O perigo justifica-o
    Um homem e uma mulher
    conheceram-se amaram-se perderam-se no labirinto da cidade
    É indispensável encontrá-los dominá-los convencê-los
    antes que seja demasiado tarde
    e a memória da infância nos jardins escondidos
    acorde a tolerância no coração das pessoas
    Fechem as escolas
    Sobretudo protejam as crianças da contaminação
    Uma agência comunica que algures ao sul do rio
    um menino pediu uma rosa vermelha
    e chorou nervosamente porque lha recusaram
    Segundo o director da sua escola é um pequeno triste
    Inexplicavelmente dado aos longos silêncios e aos choros sem razão
    Aplicado no entanto Respeitador da disciplina
    Um caso típico de inadaptação congénita disseram os psicólogos
    Ainda bem que se revelou a tempo
    Vai ser internado
    e submetido a um tratamento especial de recuperação
    Mas é possível que haja outros. É absoIutamente vital
    que o diagnóstico se faça no período primário da doença
    E também que se evite o contágio com o homem e a mulher
    de que se fala no cartaz colado em todas as esquinas da cidade
    Está em jogo o destino da civilização que construímos
    o destino das máquinas das bombas de hidrogénio
    das normas de discriminação racial
    o futuro da estrutura industrial de que nos orgulhamos
    a verdade incontroversa das declarações políticas
    Procurem os guardas dos antigos universos concentracionários
    precisamos da sua experiência onde quer que se escondam
    ao temor do castigo
    Que todos estejam a postos
    Vigilância é a palavra de ordem
    Atenção ao homem e à mulher de que se fala nos cartazes
    À mais ligeira dúvida não hesitem denunciem
    Telefonem à polícia ao comissariado ao Governo Civil
    não precisam de dar o nome e a morada
    e garante-se que nenhuma perseguição será movida
    nos casos em que a denúncia venha a verificar-se falsa
    Organizem em cada bairro em cada rua em cada prédio
    comissões de vigilância. Está em jogo a cidade
    o país a civilização do ocidente
    esse homem e essa mulher têm de ser presos
    mesmo que para isso tenhamos de recorrer às medidas mais drásticas
    Por decisão governamental estão suspensas as liberdades individuais
    a inviolabilidade do domicílio o habeas corpus o sigilo da correspondência
    Em qualquer parte da cidade um homem e uma mulher amam-se ilegalmente
    espreitam a rua pelo intervalo das persianas
    beijam-se soluçam baixo e enfrentam a hostilidade nocturna
    É preciso encontrá-los
    É indispensável descobri-los
    Escutem cuidadosamente a todas as portas antes de bater
    É possível que cantem
    Mas defendam-se de entender a sua voz
    Alguém que os escutou
    deixou cair as armas e mergulhou nas mãos o rosto banhado de lágrimas
    E quando foi interrogado em Tribunal de Guerra
    respondeu que a voz e as palavras o faziam feliz
    Lhe lembravam a infância
    Campos verdes floridos Água simples correndo A brisa nas montanhas
    Foi condenado à morte é evidente
    É preciso evitar um mal maior
    Mas caminhou cantando para o muro da execução
    foi necessário amordaçá-lo e mesmo assim desprendia-se dele
    um misterioso halo de uma felicidade incorrupta
    Impõe-se sistematizar as buscas Não vale a pena procurá-los
    nos campos de futebol no silêncio das igrejas nas boîtes com orquestra privativa
    Não estarão nunca aí
    Procurem-nos nas ruas suburbanas onde nada acontece
    A identificação é fácil
    Onde estiverem estará também pousado sobre a porta
    um pássaro desconhecido e admirável
    ou florirá na soleira a mancha vegetal de uma flor luminosa
    Será então aí
    Engatilhem as armas invadam a casa disparem à queima roupa
    Um tiro no coração de cada um
    Vê-los-ão possivelmente dissolver-se no ar Mas estará completo o esconjuro
    e podereis voltar alegremente para junto dos filhos da mulher
    Mais ai de vós se sentirdes de súbito o desejo de deixar correr o pranto
    Quer dizer que fostes contagiados Que estais também perdidos para nós
    É preciso nesse caso ter coragem para desfechar na fronte
    o tiro indispensável
    Não há outra saída A cidade o exige
    Se um homem de repente interromper as pesquisas
    e perguntar quem é e o que faz ali de armas na mão
    já sabeis o que tendes a fazer Matai-o Amigo irmão que seja
    matai-o Mesmo que tenha comido à vossa mesa e crescido a vosso lado
    matai-o Talvez que ao enquadrá-lo na mira da espingarda
    os seus olhos vos fitem com sobre-humana náusea
    e deslizem depois numa tristeza líquida
    até ao fim da noite Evitai o apelo a prece derradeira
    um só golpe mortal misericordioso basta
    para impor o silêncio secreto e inviolável
    Procurem a mulher e o homem que num bar
    de hotel se encontraram numa tarde de chuva
    Se tanto for preciso estabeleçam barricadas
    senhas salvo-condutos horas de recolher
    censura prévia à Imprensa tribunais de excepção
    Para bem da cidade do país da cultura
    é preciso encontrar o casal fugitivo
    que inventou o amor com carácter de urgência
    Os jornais da manhã publicam a notícia
    de que os viram passar de mãos dadas sorrindo
    numa rua serena debruada de acácias
    Um velho sem família a testemunha diz
    ter sentido de súbito uma estranha paz interior
    uma voz desprendendo um cheiro a primavera
    o doce bafo quente da adolescência longínqua
    No inquérito oficial atónito afirmou
    que o homem e a mulher tinham estrelas na fronte
    e caminhavam envoltos numa cortina de música
    com gestos naturais alheios Crê-se
    que a situação vai atingir o climax
    e a polícia poderá cumprir o seu dever
    Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
    A voz do locutor definitiva nítida
    Manchetes cor de sangue no rosto dos jornais
    É PRECISO ENCONTRÁ-LOS ANTES QUE SEJA TARDE
    Já não basta o silêncio a espera conivente o medo inexplicado
    a vida igual a sempre conversas de negócios
    esperanças de emprego contrabando de drogas aluguer de automóveis
    Já não basta ficar frente ao copo vazio no café povoado
    ou marinheiro em terra a afogar a distância
    no corpo sem mistério da prostituta anónima
    Algures no labirinto da cidade um homem e uma mulher
    amam-se espreitam a rua pelo intervalo das persianas
    constroem com urgência um universo do amor
    E é preciso encontrá-los E é preciso encontrá-los
    Importa perguntar em que rua se escondem
    em que lugar oculto permanecem resistem
    sonham meses futuros continentes à espera
    Em que sombra se apagam em que suave e cúmplice
    abrigo fraternal deixam correr o tempo
    de sentidos cerrados ao estrépito das armas
    Que mãos desconhecidas apertam as suas
    no silêncio pressago da cidade inimiga
    Onde quer que desfraldem o cântico sereno
    rasgam densos limites entre o dia e a noite
    E é preciso ir mais longe
    destruir para sempre o pecado da infância
    erguer muros de prisão em circulos fechados
    impor a violência a tirania o ódio
    Entretanto das esquinas escorre em letras enormes
    a denúncia total do homem e da mulher
    que no bar em penumbra numa tarde de chuva
    inventaram o amor com carácter de urgência
    COMUNICADO GOVERNAMENTAL À IMPRENSA
    Por diversas razões sabe-se que não deixaram a cidade
    o nosso sistema policial é óptimo estão vigiadas todas as saídas
    encerramos o aeroporto patrulhamos os cais
    há inspectores disfarçados em todas as gares de caminhos de ferro
    É na cidade que é preciso procurá-los
    incansavelmente sem desfalecimentos
    Uma tarefa para um milhão de habitantes
    todos são necessários
    todos são necessários
    Não sem preocupem com os gastos a Assembleia votou um crédito especial
    e o ministro das Finanças
    tem já prontas as bases de um novo imposto de Salvação Pública
    Depois das seis da tarde é proibido circular
    Avisa-se a população de que as forças da ordem
    atirarão sem prevenir sobre quem quer que seja
    depois daquela hora Esta madrugada por exemplo
    uma patrulha da Guarda matou no Cais da Areia
    um marinheiro grego que regressava ao seu navio
    Quando chegaram junto dele acenou aos soldados
    disse qualquer coisa em voz baixa e fechou os olhos e morreu
    Tinha trinta anos e uma família à espera numa aldeia do Peloponeso
    O cônsul tomou conhecimento da ocorrência e aceitou as desculpas
    do Governo pelo engano cometido
    Afinal tratava-se apenas de um marinheiro qualquer
    Todos compreenderam que não era caso para um protesto diplomático
    e depois o homem e a mulher que a policia procura
    representam um perigo para nós e para a Grécia
    para todos os países do hemisfério ocidental
    Valem bem o sacrifício de um marinheiro anónimo
    que regressava ao seu navio depois da hora estabelecida
    sujo insignificante e porventura bêbado
    SEGUE-SE UM PROGRAMA DE MÚSICA DE DANÇA
    Divirtam-se atordoem-se mas não esqueçam o homem e a mulher
    Escondidos em qualquer parte da cidade
    Repete-se é indispensável encontrá-los
    Um grupo de cidadãos de relevo ofereceu uma importante recompensa
    destinada a quem prestar informações que levem à captura do casal fugitivo
    Apela-se para o civismo de todos os habitantes
    A questão está posta É preciso resoIvê-la
    para que a vida reentre na normalidade habitual
    Investigamos nos arquivos Nada consta
    Era um homem como qualquer outro
    com um emprego de trinta e oito horas semanais
    cinema aos sábados à noite
    domingos sem programa
    e gosto pelos livros de ficção cientifica
    Os vizinhos nunca notaram nada de especial
    vinha cedo para casa
    não tinha televisão,
    deitava-se sobre a cama logo após o jantar
    e adormecia sem esforço
    Não voltou ao emprego o quarto está fechado
    deixou em meio as «Crónicas marcianas»
    perdeu-se precipitadamente no labirinto da cidade
    à saída do hotel numa tarde de chuva
    O pouco que se sabe da mulher autoriza-nos a crer
    que se trata de uma rapariga até aqui vulgar
    Nenhum sinal característico nenhum hábito digno de nota
    Gostava de gatos dizem Mas mesmo isso não é certo
    Trabalhava numa fábrica de têxteis como secretária da gerência
    era bem paga e tinha semana inglesa
    passava as férias na Costa da Caparica.
    Ninguém lhe conhecia uma aventura
    Em quatro anos de emprego só faltou uma vez
    quando o pai sofreu um colapso cardíaco
    Não pedia empréstimos na Caixa Usava saia e blusa
    e um impermeável vermelho no dia em que desapareceu
    Esperam por ela em casa: duas cartas de amigas
    o último número de uma revista de modas
    a boneca espanhola que lhe deram aos sete anos
    Ficou provado que não se conheciam
    Encontraram-se ocasionalmente num bar de hotel numa tarde de chuva
    sorriram inventaram o amor com carácter de urgência
    mergulharam cantando no coração da cidade
    Importa descobri-los onde quer que se escondam
    antes que seja demasiado tarde
    e o amor como um rio inunde as alamedas
    praças becos calçadas quebrando nas esquinas
    Já não podem escapar Foi tudo calculado
    com rigores matemáticos Estabeleceu-se o cerco
    A policia e o exército estão a postos Prevê-se
    para breve a captura do casal fugitivo
    (Mas um grito de esperança inconsequente vem
    do fundo da noite envolver a cidade
    au bout du chagrin une fenêtre ouverte
    une fenêtre eclairée)
    Daniel Filipe, poeta caboverdiano. Em “A invenção do amor e outros poemas”, de 1961.
    No photo description available.
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    • Manuel Grego Leitão

      Vi, há poucas semanas, a representação teatral deste poema, aqui no Porto…

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      • 13 h
    • Ricardo Santos

      Adoro esse poema em particular e a obra do Daniel Filipe em geral.

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      • 13 h
    • Pedro Monteiro Pedro Baco

      Que peça brilhante! Vou dizer a plenos pulmões na próxima tertúlia que for!

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      • 13 h
    • João Ramos

      existia um vídeo na net
      com locução exemplar de Fernando Alves
      adorava ouvi.lo…

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      • 13 h
    • Abilio Carlos Ricardo

      Em 1974
      Disse esse poema no Antigo Cine-Teatro em Amarante numa festa de Escola

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      • 13 h
    • Fátima Vale

      Eu tenho uma belíssima história que começou numa noite em que o disse no Duque – Bar Galeria em Bragança.

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      • 12 h
    • Carlos Ribas Monteiro

      Foi uma mulher apimentada, portanto
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      • 11 h
    • Eduardo Guedes

      Este poema é uma maratona fantástica! Encontrar o ritmo para declamá-lo, não será para qualquer um…. Conheço-o há muitos anos, da biblioteca do meu pai.

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      • 11 h
    • Clemente Alves

      Cenas altamente picantes 🤧

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      • 10 h
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    • Clemente Alves

      Eu tenho bem presente o alimento que ele me deu para a necessidade de lutar contra o fascismo. Ainda no tempo presente sinto necessidade de o revisitar.

      1

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      • 10 h
    • Jose Antonio Branco Jcb

      QUASE FASCISANTE ao que” ESTADO ISTO CHEGOU”FASCISMO NUNCA MAIS…ABRIL “SIEMPRE”!JCB@
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      • 9 h
    • Júlia Moura Lopes

      esse poema faz parte da minha geração, nao da tua, Fátima Vale.
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      • 2 h
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  • PARA SÃO MIGUEL VOA-SE À GRANDE | O que escrevi, escrevi

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    Poucos dias após a entrada em vigor das Obrigações de Serviço Público (OSP) para o transporte aéreo interilhas, antigo quadro da SATA e ex-diretor regional de Turismo critica o facto de se viajar d…

    Source: PARA SÃO MIGUEL VOA-SE À GRANDE | O que escrevi, escrevi

  • PAULA SOUSA LIMA ASNEIRISMOS E REGIONALISMOS

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    AMIGOS, cá vai a crónica deste sábado.
    Acerca das palavras XXXV – regionalismos e asneirismos
    Há o regionalismo e há o asneirismo, palavra esta segunda que não é da minha lavra, bem o gostaria, mas de uma amiga, a quem dedico esta crónica. Muitos querem legitimar os seus erros atribuindo-lhes a designação de regionalismo, o que pode dar muito jeito, mas pouco “cola”. Com efeito, distinguem-se muito bem regionalismos e asneirismos, conquanto existam asneirismos muito regionais, ou seja, próprios de determinadas regiões.
    O regionalismo é uma expressão verdadeiramente deliciosa da língua, até porque faz diferenciar uma região de outra(s) e cria um sentido de pertença a um grupo – linguístico, cultural, local, enfim. Confesso-me adepta do regionalismo e avessa a uma língua assética, sem cor e sem paladar, feita de expressões que todos repetem, não consentindo, portanto, a diversidade nem concorrendo para a identidade de locais específicos – e especiais. O regionalismo, ao contrário, faz com que a língua tome matizes de particularidade, fazendo-a especial, dá cor e gosto ao falar, tem graça e confere história ao idioma. De facto, o regionalismo faz sempre parte de uma tradição, no caso linguística, situando o falante como herdeiro do falar dos pais, avós, bisavós, trisavós, tetravós… O regionalismo patenteia, outrossim, uma cultura particular e especial, pois as expressões ditas num local são marca da sensibilidade e da afetividade desse local. Não será por acaso que aqui, nestas ilhas contornadas de religiosidade, usamos a palavra “sagrada/o” para nos dirigirmos a alguém. Lembra as festas do Santíssimo e do Senhor Santo Cristo, é coisa nossa, que nunca devemos renegar. Outras expressões temos – e tantas – que são particularmente expressivas. Há alguma palavra melhor do que “desarida/o” para referenciar um estado de certo desnorteamento, de certo nervosismo, de certa agitação interior? Procurei palavras para caracterizar “desarida/o”, mas não encontrei nenhuma minimamente rigorosa, e os meus leitores bem dirão que “desarida/a” não é exatamente o que digo, é… Olhem, se arranjarem boa definição, digam-me.
    Infelizmente, muito mais pomos a tónica no asneirismo, para o criticar, do que no regionalismo, para o louvar. E então, “desancamos” no “vaia” em vez de “vá”, no “vi-lo” em vez de “vi-o”, no “eles comerem” em vez de “eles comeram”, enfim, num sem número de deturpações muito próprias de quem não teve oportunidade de aprender a falar melhor – ou de quem, tendo oportunidade, não quer falar melhor, por razões que ultrapassam o meu entendimento. Muito de lamentar é o facto de nos focarmos muito nos nossos asneirismos, cuidando que somos a região do país onde se comete mais erros. Não tenhamos, caríssimos leitores, tal complexo de inferioridade. Ora reparem que aqui não se diz “há-des” nem “há-dem” nem “amandar”. Pois é. Muitos asneirismos percorrem o país, típicos de várias regiões e também transversais a todas as regiões – e são esses erros transversais que mais me preocupam e incomodam, pois vão corroendo a língua de forma globalizada.
    Enfim, concluindo de uma forma que os leitores já vão, certamente, reconhecendo, faço os meus apelos: não se confunda regionalismo com asneirismo e combata-se sempre e insistentemente o segundo, pois conspurca a língua e conspurca-nos a todos – sobretudo ao ser confundido com o regionalismo.
    Vamberto Freitas, Paula Cabral and 34 others
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