Mês: Agosto 2021

  • ENTRAS NO BAR E NO BALCÃO SÓ HÁ CENOURAS???

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    “De facto, é inimaginável entrar num bar que não tenha bolos ou salgados na vitrina. O que haverá atrás do vidro? Cenouras?“. Por Filipa Chasqueira
    Carne seca na cantina ou sandes de alface no bar
    SOL.SAPO.PT
    Carne seca na cantina ou sandes de alface no bar
    FALAR BAIXINHO

    Carne seca na cantina ou sandes de alface no bar

    De facto, é inimaginável entrar num bar que não tenha bolos ou salgados na vitrina. O que haverá atrás do vidro? Cenouras?

     

    Depois de dois anos letivos de liberdade condicionada, em que os alunos andaram ao sabor das decisões para controlar a pandemia, quando em setembro os jovens regressarem à escola vão ter mais uma surpresa Os pães com chouriço, os bolos, os folhados, os refrigerantes, os chocolates ou os salgados, entre outros – porque são mais de meia centena de produtos banidos – vão ser retirados dos bares das escolas. Os menos informados pensarão que se trata de uma piada de mau gosto. Ou que com tanta preocupação com a covid alguém se esqueceu de contactar os fornecedores. De facto, é inimaginável entrar num bar que não tenha bolos ou salgados na vitrina. O que haverá atrás do vidro? Cenouras?

    Se queremos combater a obesidade infantil – um problema que tem vindo a decrescer nos últimos anos no nosso país – devemos insistir na consciencialização do que é uma alimentação saudável. Começando, por exemplo, pelas cantinas do ensino público. Uma alimentação saudável não passa só pela matéria-prima – que, diga-se, nesse meio não prima pela qualidade. Passa também por oferecer refeições equilibradas, saborosas e bem confecionadas. Que tornem a hora da refeição prazerosa, que permitam descobrir novos e bons pratos, em vez de criar aversão à comida ou encontrar escapes ou compensações para a mesma.

    É lamentável o desinvestimento na qualidade da alimentação dos estudantes. Servem-se refeições deploráveis às nossas crianças desde tenra idade. Já ouvi de alunos, professores e auxiliares de várias escolas descrições assustadoras. Os mais novos dizem que o peixe parece estragado e os mais velhos queixam-se de que a carne muitas vezes é tão seca que mal se consegue cortar. Como é possível achar que o problema da alimentação está nos pães com chouriço ou nos folhados de salsicha? Certamente que se as refeições servidas na escola melhorassem, os alunos não estariam tão sequiosos de um conforto. Pior, chegou-se ao cúmulo de aconselhar também o fecho do bar à hora do almoço, não vá ainda algum impudente querer trocar o peixe espapaçado da cantina por uma suculenta sandes de alface.

    E não nos esqueçamos que no combate à obesidade infantil as indicações passam também pelo aumento da atividade física. Será que também vão abrir até ao final de setembro recintos cobertos e contratar professores para a prática de desporto em todas as escolas? E vão voltar a fechar os parques infantis quando os casos de covid subirem e manter as crianças fechadas na sala durante o intervalo?

     

     

    Se muitas escolas com as suas novas restrições, os seus horários alargados, os seus portões altos, má comida e matérias extensas e pouco adaptadas já não eram convidativas, com a censura nos bares as semelhanças com uma prisão vão ser ainda maiores.

    Curioso que se fale tanto em liberdade hoje em dia, que se discuta a legalização da canábis e ao mesmo tempo se tenha o descaramento de proibir alimentos absolutamente inofensivos quando consumidos com moderação. Se há jovens com maus hábitos alimentares vão continuar a tê-los trazendo comida de casa ou recorrendo ao supermercado ou ao café mais próximo. E todos os outros vão estar a pagar o fanatismo do saudável.

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  • 1950 AFEGANISTÃO SEM FOME NEM POBRES

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    American citizen Glenn Foster travelled through #Afghanistan for seven years in the mid-20th century, documenting the country and lives of its citizens.
    Watch ⬇️
    No hunger, no beggars: This BBC documentary traces how Afghanistan was in the 1950s
    SCROLL.IN
    No hunger, no beggars: This BBC documentary traces how Afghanistan was in the 1950s
  • Rolling Stones drummer Charlie Watts dies at age 80

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    Morreu aos 80 anos o músico britânico Charlie Watts, baterista da mítica banda The Rolling Stones, anunciou esta terça-feira o seu agente. https://www.rtp.pt/…/aos-80-anos-morreu-charlie-watts…
    Aos 80 anos. Morreu Charlie Watts, baterista dos Rolling Stones
    BREAKING · 15 MINS
    RTP.PT
    Aos 80 anos. Morreu Charlie Watts, baterista dos Rolling Stones
    Morreu aos 80 anos o músico britânico Charlie Watts, baterista da mítica banda The Rolling Stones, anunciou esta terça-feira o seu agente.
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    Watts, the Stones’ drummer since 1963, has died, after undergoing an undisclosed medical procedure and dropping out of the band’s tour in early August.

    Source: Rolling Stones drummer Charlie Watts dies at age 80

  • poesia ao fim do dia

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    O Verão estala por todos os poros
    da casca das árvores,
    da língua dos cães,
    das asas das cigarras,
    do bico dos peitos das mulheres
    tão acerado
    que rasga o véu de calor
    com um golpe preciso
    de lanceta.
    (João José Cochofel)
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  • EÇA DE QUEIROZ E O AFEGANISTÃO

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    A visão de Eça de Queiroz sobre o Afeganistão…
    Eça de Queiroz, em 1880:
    «Os ingleses estão experimentando, no seu atribulado império da Índia, a verdade desse humorístico lugar comum do sec. XVIII: «A História é uma velhota que se repete sem cessar».
    O Fado e a Providência, ou a Entidade qualquer que lá de cima dirigiu os episódios da campanha do Afeganistão em 1847, está fazendo simplesmente uma cópia servil, revelando assim uma imaginação exausta.
    Em 1847 os ingleses, «por uma Razão de Estado, uma necessidade de fronteiras científicas, a segurança do império, uma barreira ao domínio russo da Ásia…» e outras coisas vagas que os políticos da Índia rosnam sombriamente, retorcendo os bigodes – invadem o Afeganistão, e aí vão aniquilando tribos seculares, desmantelando vilas, assolando searas e vinhas: apossam-se, por fim, da santa cidade de Cabul; sacodem do serralho um velho emir apavorado; colocam lá outro de raça mais submissa, que já trazem preparado nas bagagens, com escravas e tapetes; e, logo que os correspondentes dos jornais têm telegrafado a vitória, o exército, acampado à beira dos arroios e nos vergéis de Cabul, desaperta o correame, e fuma o cachimbo da paz… Assim é exactamente em 1880.
    No nosso tempo, precisamente como em 1847, chefes enérgicos, Messias indígenas, vão percorrendo o território, e com os grandes nomes de «Pátria» e de «Religião», pregam a guerra santa: as tribos reunem-se, as famílias feudais correm com os seus troços de cavalaria, príncipes rivais juntam-se no ódio hereditário contra o estrangeiro, o «homem vermelho», e em pouco tempo é tudo um rebrilhar de fogos de acampamento nos altos das serranias, dominando os desfiladeiros que são o caminho, a estrada da Índia… E quando por ali aparecer, enfim, o grosso do exército inglês, à volta de Cabul, atravacado de artilharia, escoando-se espessamente, por entre as gargantas das serras, no leito seco das torrentes, com as suas longas caravanas de camelos, aquela massa bárbara rola-lhe em cima e aniquila-o.⁸
    Foi assim em 1847, é assim em 1880. Então os restos debandados do exército refugiam-se nalguma das cidades da fronteira, que ora é Ghasnat ora Kandahar: os afegãos correm, põem o cerco, cerco lento, cerco de vagares orientais: o general sitiado, que nessas guerras asiáticas pode sempre comunicar, telegrafa para o viso-rei da Índia, reclamando com furor «reforços, chá e açúcar»! (Isto é textual; foi o general Roberts que soltou há dias este grito de gulodice britânica; o inglês, sem chá, bate-se frouxamente). Então o governo da Índia, gastando milhões de libras, como quem gasta água, manda a toda a pressa fardos disformes de chá reparador, brancas colinas de açúcar, e dez ou quinze mil homens. De Inglaterra partem esses negros e monstruosos transportes de guerra, arcas de Noé a vapor, levando acampamentos, rebanhos de cavalos, parques de artilharia, toda uma invasão temerosa… Foi assim em 1847, assim é em 1880.
    Esta hoste desembarca no Industão, junta-se a outras colunas de tropa índia, e é dirigida dia e noite sobre a fronteira em expressos a quarenta milhas por hora; daí começa uma marcha assoladora, com cinquenta mil camelos de bagagens, telégrafos, máquinas hidráulicas, e uma cavalgada eloquente de correspondentes de jornais. Uma manhã avista-se Kandahar ou Ghasnat; e num momento, é aniquilado, disperso no pó da planície o pobre exército afegão com as suas cimitarras de melodrama e as suas veneráveis colubrinas do modelo das que outrora fizeram fogo em Diu. Ghasnat está livre! Kandahar está livre! Hurrah! Faz-se imediatamente disto uma canção patriótica; e a façanha é por toda a Inglaterra popularizada numa estampa, em que se vê o general libertador e o general sitiado apertando-se a mão com veemência, no primeiro plano, entre cavalos empinados e granadeiros belos como Apolos, que expiram em atitude nobre! Foi assim em 1847; há-de ser assim em 1880.
    No entanto, em desfiladeiro e monte, milhares de homens que, ou defendiam a pátria ou morriam pela «fronteira científica», lá ficam, pasto de corvos – o que não é, no Afeganistão, uma respeitável imagem de retórica: aí, são os corvos que nas cidades fazem a limpeza das ruas, comendo as imundícies, e em campos de batalha purificam o ar, devorando os restos das derrotas.
    E de tanto sangue, tanta agonia, tanto luto, que resta por fim? Uma canção patriótica, uma estampa idiota nas salas de jantar, mais tarde uma linha de prosa numa página de crónica…
    Consoladora filosofia das guerras!
    No entanto, a Inglaterra goza por algum tempo a «grande vitória do Afeganistão» – com a certeza de ter de recomeçar, daqui a dez anos ou quinze anos; porque nem pode conquistar e anexar um vasto reino, que é grande como a França, nem pode consentir, colados à sua ilharga, uns poucos de milhões de homens fanáticos, batalhadores e hostis. A «política» portanto é debilitá-los periodicamente, com uma invasão arruinadora. São as fortes necessidades dum grande império.
    Antes possuir apenas um quintalejo, com uma vaca para o leite e dois pés de alface para as merendas de verão…»
    Eça de Queiroz. “Cartas de Inglaterra”
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  • plataformização do trabalho -Para vencer a distopia da exploração digital

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    A CAUSA DAS COISAS
    A pandemia do novo coronavírus acelerou e intensificou o processo de plataformização do trabalho, que tende a se generalizar para todas as áreas. Trabalho remoto, ensino à distância, live se trabalho por aplicativos são sintomas da crescente dependência de infraestruturas digitais – geralmente alimentadas por dados e automatizadas por algoritmos – para a realização de atividades laborativas. Essa é a definição de plataformização do trabalho. Empregadores, professores, jornalistas, profissionais que alimentam dados para a inteligência artificial (IA): seja de casa ou das ruas, os trabalhadores enfrentam um verdadeiro laboratório da luta de classes em seus novos-velhos experiencias.
    Conceber o trabalho em plataformas como laboratório da luta de classes é compreender que tanto as novas formas de controle e gerenciamento por parte do capital quanto as possibilidades de construção de alternativas por parte da classe-que-vive-do-trabalho não estão dadas. Por um lado, mecanismos como gestão algorítmica, gamificação, dataficação e vigilância são experiências do capital rumo à intensificação do trabalho e ao controle da classe trabalhadora. Por outro, os trabalhadores também fazem experimencias e prefigurações em torno de novas formas de organização, reapropriações de tecnologias digitais em benefício próprio, pressão por condições decentes de trabalho e construção de plataformas alternativas, cooperativas e autogestionadas.
    Esse laboratório não nasceu agora. A plataformização é, ao mesmo tempo, materialização e consequência de um processo histórico que mistura capitalismo rentista, ideologia do Vale do Silício, extração contínua de dados e gestão neoliberal. Uma das bases está na crescente responsabilização individual dos trabalhadores por tudo o que envolve o trabalho, circunstância que Wendy Brown1 chama de “cidadania sacrificial”. Assim, os trabalhadores são obrigados a fazer a gestão das próprias sobrevivências com toda a sorte de vulnerabilidades, tendo de escutar que isso é um “privilégio”. Já os dados e metadados transformados em capital, soma- dos à convergência de capital, auxiliam a dar forma às distintas possibilidades de extração do valor das plataformas, dependentes das mais variadas configurações de trabalho vivo. Isso significa que não basta olhar somente para as plataformas em si para compreender o trabalho plataformizado, mas é preciso olhar também para as inter-relações entre financeirização, neoliberalismo e dataficação, por exemplo. Não se trata de refeudalização ou protoforma. O capitalismo de plataforma é a própria expressão de seu desenvolvimento a partir dessas combinações.
    As plataformas, assim como quaisquer tecnologias, apresentam valores e normas inscritos em seus desenhos, algoritmos e interfaces, podendo apresentar mecanismos discriminatórios. Há materialidades envolvendo as plataformas, pois são fruto do trabalho humano e dependem da extração de recursos naturais e físicos que se transformam em artefatos por meio de cadeias de produção. Essas materialidades servem para pensá-las tanto em relação a processos de trabalho e ao meio ambiente quanto em relação às próprias interfaces das plataformas – enquanto meios – no que tange às affordancesinscritas em suas arquiteturas. Isto é, existem políticas em todo o circuito de produção e consumo das plataformas.
    A infraestrutura das plataformas, então, fornece as condições básicas e as bases técnicas para a organização do trabalho realizado nelas. Elas são, portanto, desenhadas para determinadas formas de interação em detrimento de outras. Podem facilitar, por exemplo, a relação consumidor-trabalhador em prejuízo das relações entre trabalhadores. Ou seja, podem ser projetadas visando precisamente a essa desarticulação.
    O trabalho em plataformas se dá em confluência com processos produtivos e comunicacionais. Em primeiro lugar, são as práticas materiais de comunicação que estruturam e organizam as relações de trabalho, de modo que não há trabalho sem elas. Consideramos, assim, que as plataformas são, ao mesmo tempo, meios de produção e meios de comunicação, ou seja, meios de organização das atividades laborativas e comunicacionais, apresentando-se com contornos também políticos. Os mecanismos das plataformas, como gestão algorítmica do trabalho, extração de dados e vigilância automatizada, configuram-se, pois, como processos comunicacionais e de gerenciamento dos trabalhadores. Dessa forma, as plataformas também contribuem para a aceleração da produção e circulação do capital, como Marx já alertava nos Grundrisse* em relação à fun- ção dos meios de comunicação e transporte, reforçando o papel desses meios na circulação do capital.
    A comunicação também actua como um braço organizador e mobilizador do trabalho nas plataformas digitais, sendo o centro de disputas nesse universo e en- volvendo tanto as lógicas de controle e gestão quanto as de resistência e organização dos trabalhadores. Ela funciona como mecanismo de justificação dos modos de ser e de aparecer do capital; mobiliza e faz circular determinados processos produtivos e usos e sentidos das plataformas em detrimento de outros; e emprega estratégias para fazer circular sentidos que ligam as empresas de plataformas a atributos como inovação, disrupção e responsabilidade social. Quando essas empresas nomeiam diretores para o cargo de “líder de políticas públicas” temos a síntese de como elas pensam o público e o privado a partir das lógicas da racionalidade empreendedora. É a gramática do capital, que circula nos mais diferentes dispositivos midiáticos, desde o LinkedIn até os discursos de coaches, passando inclusive por setores da classe trabalhadora. Isso não quer dizer que os trabalhadores necessariamente aceitem e naturalizem as prescrições do capital a partir de seus signos circulantes; existe sempre uma disputa de sentidos.
    É preciso também salientar que os mecanismos da plataformização do trabalho não acontecem no vazio. Isto é, esse processo está longe de ser homogêneo, pois há distintos tipos de plataformas digitais e, por conseguinte, diversos perfis de trabalhadores, com marcadores de gênero, raça, frações de classe e território. Há desde a plataforma francesa Crème de la Crème, considerada “a primeira comunidade seletiva de freelancers”, especialmente dos setores de tecnologia, dados, design e marketing digital, até as conhecidas plataformas de entrega de merca- dorias, passando por aquelas cujos trabalhadores produzem dados para sistemas de inteligência artificial. Cada plataforma, ainda que de um mesmo setor, possui mecanismos e materialidades próprios, o que contribui para a complexificação do cenário. Dessa maneira, é impossível dizer que existe apenas um perfil de traba- lhador ou de plataforma.
    Além disso, as desigualdades são o padrão do trabalho em plataformas, não uma exceção. Segundo Niels Van Doorn, o trabalho plataformizado é “completa- mente incorporado a um mundo criado pela forma-valor capitalista, que depende da subordinação de trabalhadores de baixa renda racializados e generificados”2. Em São Paulo, 71% dos entregadores das plataformas são negros. A pesquisa de Safiya Noble e Sarah T. Roberts3, por exemplo, mostra como as elites tecnológicas do Vale do Silício trabalham para esconder as inscrições racistas em seus produtos e nas relações de trabalho em suas empresas, a despeito de discursos pós-raciais. Já investigações como as de Gabriella Lukács4 evidenciam como o trabalho não pago ou mal pago de mulheres em plataformas no Japão é o que estrutura a economia digital no país.
    A plataformização do trabalho atravessa diferentes sujeitos sociais de múltiplas maneiras, sem se configurar como um processo homogêneo. São situações de trabalho distintas, entrecortadas por esses marcadores sociais de desigualdades e diferenças, embora o controle algorítmico se coloque como algo neutro e objetivo.
    Além de raça, classe e gênero, há outros importantes fatores relacionados ao trabalho em plataformas, como as temporalidades e espacialidades do trabalho digital, que impactam as condições de trabalho. As temporalidades estão marcadas desde o desenho das plataformas, com a cristalização da cultura de seus criadores, em busca de agilidade e otimização da produtividade, auxiliadas por uma gamificação inscrita nos processos de gestão.
    As espacialidades envolvem as múltiplas dimensões de locais em que os trabalhadores estão inseridos para executar suas atividades. Em uma dimensão, é necessário entender quais são os espaços concretos de trabalho e suas condições: por toda a cidade? Em casa? Já a dimensão do trabalho em plataformas relaciona-se a uma concretude espacial mais ampla, ligada a uma geopolítica global. Por um lado, pesquisas têm mostrado como as condições de trabalho de entregadores em São Paulo, Londres e na Cidade do Cabo são muito semelhantes – especialmente no que se chama de composição técnica de classes –, o que nos leva a pensar na circulação das lutas dos trabalhadores em contexto de plataformas. Por outro, há especificidades locais que demonstram desigualdades geográficas, com dinâmicas desiguais Norte-Sul, envoltas em contextos políticos, sociais, jurídicos, legislativos e econômicos.
    Segundo o indicador econômico Online Labour Index (OLI), da Universi- dade de Oxford, o maior empregador de tarefas freelance on-line são os Estados Unidos, e a maioria dos trabalhadores freelanceon-line é proveniente da Índia – a maior parte (59,8%) no setor de tecnologia e software. De acordo com o mesmo índice, os países em que essas tarefas mais são desenvolvidas concentram-se na Ásia, com destaque para Índia, Paquistão e Bangladesh. Podemos também ressaltar a proeminência de venezuelanos trabalhando como treinadores de dados para carros autônomos – que, aliás, tendem a atropelar mais pessoas negras do que brancas – e de filipinos como moderadores de conteúdo terceirizados de plataformas de mídias sociais, como mostra o documentário TheCleaners*. Isso significa que há dinâmicas diferentes de trabalho em plataformas no Norte e no Sul, que, por sua vez, são afetadas por relações de raça, classe e gênero.
    Contextualizar a geopolítica do trabalho em plataformas significa também compreender os diferentes sentidos de trabalho nas economias de cada país e que a Europa e a América do Norte não são o “padrão”. No Norte, houve a emergência de expressões como gig economy para nomear o cenário do trabalho em plataformas, o que condiz com o contexto específico dos países dessa região, que querem tornar universal a validade de suas denominações. Ora, a história da economia brasileira se traduz em ser uma grande gig economy, com o gig sendo a norma permanente, algo imposto na gestão da sobrevivência da classe trabalhadora. Isso significa que a precariedade e a informalidade não são novidades. Por esse motivo, a expressão gig economyé equivocada para nomear o que se passa atualmente no mundo do trabalho brasileiro. Por um lado, podemos pensar historicamente o trabalho no Brasil como uma grande gig economy em contexto de superexploração do trabalho; por outro, como afirma Ludmila Costhek Abílio5, o que acontece agora é a generalização dos modos de vida periféricos. Deve-se também considerar as próprias trajetórias brasileiras para pensar em mecanismos de enfrentamento da plataformização do trabalho. Não podemos supor que já vivemos algum dia o Estado de bem-estar social no país e não podemos nos esquecer de como a CLT não é a mesma desde a reforma trabalhista do governo de Michel Temer, em 2017. O que há de novidade no mundo do trabalho no Brasil é justamente a plataformização, que joga uma pá de cal no processo histórico de flexibilização e precarização do trabalho, agora em parceria com financeirização, dataficação e racionalidade neoliberal. Como esse cenário se repete em muitos outros países, é notório que não se trata, então, de uma especificidade nossa.
    Porém, o futuro da plataformização não é dado ou definido apriori. É curioso que, enquanto nos anos 1990 havia quem bradasse o “fim do trabalho”, atualmente a coligação LinkedIn – coach não para de circular narrativas sobre o “futuro do trabalho” – evidentemente marcadas por sentidos ligados à ideologia do Vale do Silício. As perguntas, como “seremos substituídos por robôs?”, são as mesmas de trinta anos atrás. Porém, como ressalta Janine Berg6, economista da OIT, pouca atenção tem sido dada à crescente perda de “qualidade no trabalho” ao redor do mundo. Em direção semelhante, Aaron Benanav7 argumenta que, em vez de desemprego em massa, haverá uma crescente intensificação de subempregos. Para ele, não é a automação, mas são as consequências da progressiva desaceleração econômica em curso desde os anos 1970 as responsáveis pelo declínio da demanda por trabalho, num processo em que as transformações tecnológicas atuariam como uma causa secundária. O cenário desenhado pela radicalização da plataformização, portanto, é a crescente “taskificação” das atividades de trabalho – e com um papel central do trabalho humano nos processos envolvendo inteligência artificial, o que Hamid Ekbia e Bonnie Nardi8 chamam de heteromação.
    Isso significa que a automação não acontece sem o trabalho fantasma de uma multidão de trabalhadores em plataformas globais de inteligência artificial. Estaremos cada vez mais espremidos em microtarefas freelance dependentes de plataformas digitais para o próprio sustento. É isso que se aponta quando se fala em drones entregando encomendas da Amazon ou do iFood. Não se trata da automação completa, mas de entregadores sendo substituídos por trabalhadores que monitoram drones. Mais um experimento do capital.
    Os principais expoentes desse cenário são as plataformas de inteligência artificial, também chamadas de plataformas de “microtrabalho” – discordamos, porém, do uso dessa expressão por considerar que ela não leva em conta a mobilização total dos trabalhadores em torno dessas tasks nem o papel do trabalho humano na complexidade da anatomia de um sistema de IA. Há brasileiros envolvidos em algumas dezenas de plataformas como essas, que apresentam as próprias especificidades. Em primeiro lugar, há plataformas em que trabalhadores produzem e treinam dados para sistemas de inteligência artificial, como a Amazon Mechanical Turk (AMT) – cujo slogan é “inteligência artificial artificial” – e a Appen – “dados com um toque humano”. As tarefas executadas vão desde a avaliação de publicidade e o treinamento de algoritmos de reconhecimento facial até a transcrição de áudio de assistentes virtuais. Em segundo lugar, há plataformas de moderação de conteúdo, como Cognizant e Pactera, cujos trabalhadores, via de regra, são terceirizados do Facebook e do Google – nessa linha, o próprio Facebook foi obrigado em 2020 a pagar uma indenização de 52 milhões de dólares a moderadores de conteúdo terceirizados que desenvolveram estresse pós-traumático9. Por último, há plataformas de “fazendas de cliques” – a maioria brasileiras – em que os trabalhadores são como bots humanos e passam o dia curtindo, comentando e compartilhando posts em redes sociais como Instagram, em troca de pouquíssimos centavos por tarefa. Os solicitantes dessas tarefas vão desde influenciadores e duplas sertanejas até candidatos a prefeito. Há também um processo intenso de vendas e trocas de perfis fakese bots para que os trabalhadores consigam aumentar os ganhos.
    Cada um desses tipos de plataforma também apresenta especificidades de formação e trajetória de trabalhadores, no sentido de frações de classes. Em algumas, proficientes. Em outras, como as de fazendas de cliques, eles têm de criar contas falsas e bots– mais de cinquenta, muitas vezes – para poder sobreviver. Nesses casos, eles passam o dia curtindo e comentando fotos no Instagram e vídeos no YouTube a partir das tarefas solicitadas pelas plataformas, em geral brasileiras.
    Esses exemplos revelam uma dimensão mais profunda do trabalho em plataformas – para além de um foco específico em entregadores e motoristas. Se a deep web é aquele lugar oculto da internet, há também a deep web do trabalho em plataformas, com atividades em fazendas de clique, moderação de conteúdo e as possibilidades de generalização da plataformização do trabalho. Isso mostra a capacidade laboratorial do capital em relação aos trabalhadores. O próximo passo já ensaiado é o crescente uso de drones para entregas; nesse sentido, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) já autorizou algumas operações no Brasil. Esses equipamentos, no entanto, não substituirão os trabalhadores, pois é necessário que sejam supervisionados, em mais um processo de heteromação do trabalho.
    É imprescindível que os trabalhadores capturem e se reapropriem da própria noção de futuro a partir de projetos que confrontem o cenário atual da plataformização. O futuro do trabalho é um tema importante demais para ficar nas mãos de “gurus”. Quando tudo parecia convergir para um quadro de extrema competição entre os trabalhadores – algo que muitos viam como um caminho sem volta –, os acontecimentos nos deram uma lição. Não existe trabalhador inorganizável: se há novos métodos de controle e organização do trabalho, são necessárias também novas formas de organização por parte dos trabalhadores. Sem esquecer as lutas históricas, a classe trabalhadora sempre se reinventa – sempre se recompõe a partir da nova realidade técnica do trabalho. Neste laboratório do trabalho em plataformas, os trabalhadores não são amorfos ou entes passivos, mas se organizam, por exemplo, a partir de táticas e estratégias em relação aos algoritmos.
    As jornadas extenuantes – que ocorrem de domingo a domingo, para não com- prometer a pontuação do trabalhador, de modo que ele consiga atingir as metas – não são um limite para a organização coletiva dos trabalhadores das plataformas digitais. E não é de hoje: ao longo dos últimos anos, vimos crescer associações, sindicatos e novas formas de organização nas mais diferentes categorias – do setor de tecnologia ao de games, passando por youtuber se influenciadores e incluindo também entregadores e motoristas. A Asociación de Personal de Plataformas (APP), na Argentina, a Independent Workers’ Union of Great Britain (IWGB), na Inglaterra, e a #NiUnRepartidorMenos, no México, são alguns exemplos de como os trabalhadores têm se organizado. No Brasil, só entre os motoristas de aplicativos, já há pelo menos dezoito sindicatos e associações, algo que também vem acontecendo entre os entregadores. Há distintas formas de auto-organização por parte dos trabalhadores de plataforma – inclusive experiências de escrita como forma de perceberem-se e enunciarem-se como tal, como mostra a edição de outubro de 2020 da revista NotesfromBelow10, que traz apenas textos escritos por pessoas trabalhadoras dos mais diferentes setores –, assim como há complexidades e contradições em torno da composição política dessa classe. Ao se organizarem coletivamente, eles mostram que podem frear a circulação do capital, e assim reencontram sua capacidade de barganha e de pressão contra as empresas, em nome de uma vida melhor.
    Esses são laboratórios dos trabalhadores das plataformas, que conduzem experimentos com novas formas de auto-organização. A comunicação tem um papel central nessa questão, a começar pelo protagonismo do WhatsApp. Se as plataformas são meios de comunicação e produção que servem para o controle do capital, elas também têm sido reapropriadas para a organização dos próprios trabalhadores. Funcionam ainda como veículos de circulação de sentidos sobre as lutas dos entregadores, processo que ocorre por meio de vídeos, correntes de texto e fotos. Se, por um lado, as empresas querem mostrar que fazem tudo pelos “parceiros”, em um cenário de “disrupção” e “transformação digital”, é preciso fazer circular, também, conteúdos que vêm dos trabalhadores. A comunicação atua na organização e difusão de sentidos, permitindo que as lutas alcancem toda a classe trabalhadora.
    As possibilidades de experimentação dos trabalhadores também se concentram na construção de plataformas de sua propriedade, seja em cooperativas de plataforma, seja em outros arranjos de trabalho e desenhos institucionais. O cooperativismo de plataforma é uma possibilidade de unir o potencial tecnológico das plataformas digitais, reapropriando-as para outros usos, às perspectivas autogestionárias do movimento cooperativista, a partir das possibilidades de construção de plataformas de propriedade de trabalhadores. É uma maneira tanto de coletivizar as plataformas digitais quanto de tornar as cooperativas tradicionais mais próximas da economia de plataformas. Esse é um laboratório para prefigurar e fazer circular outros mundos – e sentidos – possíveis, para além de um realismo capitalista de lutas de fronteiras entre circulação do capital e circulação do comum.
    Isso significa entender tanto suas potencialidades como seus limites, tais quais as ameaças de cooptação das plataformas cooperativas por meio de narrativas empreendedoras, a competição agressiva com as plataformas privadas dominantes – possibilitadas pelo capital de risco e pela formação de lobbies– e o perigo da autoexploração. Na realidade, por causa desses limites e contradições, elas não substituirão a curto prazo as grandes plataformas de trabalho. Além disso, não será um aplicativo por si a solução dos problemas da classe trabalhadora. A problemática está muito além disso. O cooperativismo de plataforma depende de um conjunto de dimensões – como organização do trabalho e processos de consumo – para além da própria construção da plataforma. Porém, como afirma Marisol Sandoval11, é preciso enfrentar dialeticamente as contradições históricas em torno das cooperativas – entre constrangimentos e cooptações, por um lado, e possibilidades de reconfiguração em relação à emancipação dos trabalhadores, por outro.
    As plataformas cooperativas podem ser de trabalhadores, consumidores ou multilaterais, o que mostra as múltiplas possibilidades de desenhos institucionais para elas. Essas experiências passam por cooperativas de serviço de nuvem, compartilhamento de fotógrafos, músicos, jornalistas e gamers, e plataformas de streamingde música, conteúdo audiovisual, entre outros. Há também plataformas cooperativas no setor de entregas, sendo alguns exemplos a Mensakas, da Espanha, a Resto.Paris, da França, e a Urbe, da Bélgica, todas realizadas por ciclistas, além de uma federação de cooperativas de entregadores, a CoopCycle, com base na França e presente em outros seis países. A CoopCycle possui um software próprio denominado “comum digital”, com licença Copyleft, destinado a cooperativas. A plataforma, criada para gerir a atividade de entregas por bicicletas, tem como objetivo servir às reais necessidades dos trabalhadores.
    Existe ainda uma cooperativa de motoristas, chamada Driver’s Seat, cujo foco é a democratização de dados. Os trabalhadores usam o aplicativo dessa cooperativa para compartilhar os próprios dados; então, a Driver’s Seat coleta e vende informações sobre mobilidade para órgãos municipais, com a finalidade de possibilitar uma melhor tomada de decisões de planejamento em relação a transporte. Os dividendos obtidos com a venda dos dados são recebidos e compartilhados pelos motoristas. Isso ajuda a pensar como as lutas contra outras plataformizações também envolvem os direitos dos trabalhadores sobre os próprios dados.
    No Brasil, há cooperativas e coletivos mais antigos, como a Pedal Express, e outros mais recentes, como Señoritas Courier, TransEntrega e Levô Courier, responsáveis por fazer circular, a depender da iniciativa, sentidos de mobilidade, de responsabilidade ambiental e social e de lutas em torno da igualdade de gênero. Esses exemplos demonstram as possibilidades de construção, de baixo para cima, de iniciativas locais que desenhem outros circuitos de produção e consumo e o potencial de desenvolvimento sem instruções prescritivas ou normativas, em verdadeiros experimentos. Coletivos e cooperativas de entregadores, por exemplo, podem funcionar em conjunto com cooperativas de programadores e agricultores, além de pequenos restaurantes, projetando valores de trabalho decente, design justice, desenvolvimento sustentável e alimentação saudável.
    No cooperativismo de plataforma, há uma busca pela criação de plataformas próprias com lógicas que favoreçam a democracia no ambiente de trabalho e a não vigilância e autonomia dos trabalhadores. Isto é, desde o desenho, elas já devem ser construídas para a autogestão dos trabalhadores. O empenho na construção de cooperativas também envolve a criação de alternativas democráticas em relação às políticas de dados, fazendo circular sentidos sobre dados e algoritmos que os con- sideram uma forma de capital que deve ser transformada em bens comuns – ou seja, por meio de regimes alternativos de propriedade de dados, algo que aproxima o cooperativismo de plataforma das tentativas de descolonização de dados.
    O cooperativismo de plataforma e as plataformas de propriedade dos trabalha- dores também desafiam a ideia de que a economia de plataformas necessita de uma grande escala; afinal, nem as famigeradas startupspossuem muitos trabalhadores como regra. Um levantamento da Associação Brasileira de Startups mostra que 63% das startupsbrasileiras possuem até cinco funcionários12. Da mesma forma, não se pode esperar de cooperativas e coletivos de entregadores ou motoristas que haja 30 mil pessoas envolvidas. Não há argumentos para deslegitimar iniciativas autogestionárias com três ou cinco trabalhadores apenas por seu tamanho. Uma das fortalezas das plataformas de propriedade de trabalhadores é justamente sua capacidade de articulação e cooperação entre iniciativas.
    Portanto, longe de serem uma solução simples, resumida ao desenvolvimento de um aplicativo, as experiências de construção de plataformas cooperativas e de propriedade de trabalhadores envolvem múltiplas dimensões, como design e materialidade das plataformas, organização do trabalho e processos produtivos, políticas e regimes de dados e algoritmos, intercooperação, estratégias midiáticas e de consumo, além de suas relações com valores já mencionados, como trabalho decente e design justice.
    Como demonstra Ursula Huws13, é preciso combater a generalização da plataformização do trabalho com sua ressignificação em prol dos trabalhadores e do bem público. Isso significa uma reinvenção de circuitos econômicos locais de produção e consumo por meio de plataformas que melhorem as condições de trabalho e, ao mesmo tempo, promovam políticas de mobilidade, melhorias de transporte público, serviços de cuidados e integração ao sistema de saúde. É assim que encaramos as plataformas de propriedade de trabalhadores – algo que envolve não só o desenho institucional de cooperativa: como possibilidades prefigurativas, o que significa que devemos construir hoje experimentos das sociedades que imaginamos viver amanhã.
    Pensar no trabalho em plataformas como laboratório da luta de classes significa reconhecer tanto as dificuldades impostas pelos mecanismos atuais da plataformização quanto as possibilidades, frestas, brechas e fissuras de circulação das lutas dos trabalhadores, reconhecendo como centrais suas contradições, que teimam em não se resolver. Falar em potencialidades não significa idealizar a realidade, mas ajudar a construir outros mundos possíveis, algo ainda mais necessário em um mundo em que o velho está morrendo e o novo ainda não nasceu.
    É inútil, e até contraproducente, exigir um movimento pronto – à fast food– sem contradições ou com todas as soluções “para ontem”. O movimento real está em plena construção. São tentativas em meio à dança dialética do trabalho. Os movimentos pela regulação do trabalho em plataformas e pela construção de alter- nativas só fazem sentido quando ligados à organização coletiva dos trabalhadores. Caso contrário, sem saber suas reais necessidades e demandas, existe o perigo de cair em um solucionismo tecnológico – mais uma iteração da ideologia californiana dos magnatas do silício – ou de pressionar “de cima para baixo”, sem a construção de um movimento orgânico. Como argumentam Sai Englert, Jamie Woodcock e Callum Cant, “podemos começar a ver o germe de uma alternativa que surge da recusa dos trabalhadores das plataformas. No entanto, se propusermos formas de socialismo digital de cima para baixo, corremos o risco de perder não apenas esses germes radicais, mas também a possibilidade de fazê-los circular na economia digital e para além dela”14.
    Entre as tentativas de radicalização da plataformização por parte do capital – com a taskificação e o trabalho que sustenta a inteligência artificial – e as potencialidades de enfrentamento desse cenário e de construção de plataformas alternativas residem os laboratórios do trabalho em plataformas. Se são laboratórios de lutas de classes, é preciso usá-los a favor da classe trabalhadora. A expropriação e o hackeamento das plataformas digitais também devem ser pensados e prefigurados como possibilidades.
    1 Wendy Brown, Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade (trad. Juliane Bianchi Leão, São Paulo, Zazie, 2018).
    * Karl Marx, Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858. Esboços da crítica da economia política (trad. Mario Duayer e Nélio Schneider, São Paulo, Boitempo, 2011). (N. E.)
    2 Niels Van Doorn, “Platform Labor: On the Gendered and Racialized Exploitation of Low-Income Service Work in the ‘On-Demand’ Economy”, Information,Communication&Society, v. 20, n. 6, 2017, p. 898-914.
    3 Safiya Noble e Sarah T. Roberts, “Elites tecnológicas, meritocracia e mitos pós-raciais no Vale do Silício”, Fronteiras – Estudos Midiáticos, v. 22, n. 1, 2020.
    4 Gabriella Lukács, Invisibility by Design: Women and Labor in Japan’s Digital Economy (Durham, Duke University Press, 2020).
    * Direção de Hans Block e Moritz Riesewieck, Alemanha/Brasil, 2018, 90 min. (N. E.)
    5 Ludmila Costhek Abílio, “Plataformas digitais e uberização: a globalização”, Contracampo, v. 39, n. 1, 2020.
    6 Janine Berg, “Protecting Workers in the Digital Age: Technology, Outsourcing and the Growing Precariousness of Work”, Comparative Labor Law &Policy Journal, v. 41, n. 2, 2020.
    7 Aaron Benanav, Automation and the Future ofWork (Londres, Verso, 2020).
    8 Hamid Ekbia e Bonnie Nardi, Heteromation,and Other Storiesof Computing and Capitalism (Cambridge, MA, MIT Press, 2017).
    9 Casey Newton, “Facebook Will Pay $52 Million in Settlement with Moderators who Developed PTSD on the Job”, TheVerge, 12 maio 2020; disponível em: <https://www.theverge.com/…/facebook-content-moderator…>; acesso em: 26 fev. 2021.
    10 Disponível em: <https://notesfrombelow.org/issue/workplace>; acesso em: 29 mar. 2021.
    11 Marisol Sandoval, “Enfrentando a precariedade com cooperação: cooperativas de trabalhadores no setor cultural”, Revista Parágrafo, v. 5, n. 1, 2017.
    12 Abstartups e Accenture, “O momento da startup brasileira e o futuro do ecossistema de inovação”; disponível em: <https://drive.google.com/…/1WAw…/ view>; acesso em: 26 fev. 2021.
    13 Ursula Huws, ReinventingtheWelfareState:DigitalPlatformsandPublicPolicies(Londres, Pluto, 2020).
    14 Sai Englert, Jamie Woodcock e Callum Cant, “Operaísmo digital: tecnologia, plataformas e circulação das lutas dos trabalhadores”, Fronteiras – Estudos Midiáticos, v. 22, n. 1, 2020, p. 55.
    Para vencer a distopia da exploração digital - Outras Palavras
    OUTRASPALAVRAS.NET
    Para vencer a distopia da exploração digital – Outras Palavras
    Livro provocador investiga o capitalismo de plataformas, por meio do qual sistema busca sobrevida. Os riscos de trabalho brutalmente precário, alienante e vigiado. Na busca de novas formas de luta social, o papel da imaginação e ousadia política
    You and Artur Arêde
  • mais caos em cabul

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    #ExpressFrontPage | Sources said the departures were delayed owing to “logistics issues” at Kabul airport — it is still under the control of US forces. There is chaos outside the airport with the Taliban controlling access points.
    Chaos worsening at airport, two Indian flights with 350 on board take off from Kabul
    INDIANEXPRESS.COM
    Chaos worsening at airport, two Indian flights with 350 on board take off from Kabul
  • mulheres submissas, (os talibãs em portugal)

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    Passagem da Epístola de São Paulo aos Efésios deu azo a fortes críticas nas redes sociais e a discussão sobre o serviço público do canal do Estado
    "As mulheres sejam submissas aos seus maridos": Leitura na missa da RTP gera polémica
    CMJORNAL.PT
    “As mulheres sejam submissas aos seus maridos”: Leitura na missa da RTP gera polémica
    Passagem da Epístola de São Paulo aos
  • TALIBÃ EM CRÓNICA DE LÍDIA JORGE

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    CRÓNICA QUE ME ENVIOU LÍDIA JORGE
    na qual podemos ver como as justíssimas palavras de uma escritora de primeira água fazem toda a diferença no campo da intervenção cívica. Obrigada, querida amiga Lídia.
    O CÉU CAIRÁ SOBRE NÓS
    1. No início deste século, quando os soldados americanos iniciavam a auscultação das montanhas para tentarem perceber em que caverna se escondia Ossama Bin Laden, e o mundo tinha acesso às imagens dos trilhos por onde caminhavam os burros carregados de papoila, chegou-me às mãos a tradução da autoria de Manuel João Magalhães de uma canção afegã. A ter sido respeitada a dimensão e o ritmo dos versos, por certo que se deveria tratar de uma bela balada. Não imagino o som da música, mas a letra dizia assim – “O céu cairá sobre nós/e ainda assim estarei por cá para vos amedrontar./ As nossas barbas deixarão de ser grisalhas/ e os nossos ossos regressarão à terra que os deu a nascer/ mas ainda assim cá estarei para vos atrapalhar./ Há muito que este solo sagrado deixou de ser fértil./ E as nossas mulheres são feias: / Porque quereis então este território?
    2. Também não conheço em que ano surgiu esse canto, mas o que se depreende é que ele fala de invasões, e sem invocar factos, ficam no ar incursões desde Alexandre o Grande às ocupações por parte dos impérios britânico, soviético e americano. Logo a pergunta é justa – Porque quereis esta terra infértil? A resposta é simples – Porque ela ocupa um lugar estratégico, uma encruzilhada íngreme por onde outrora passava a rota da seda. Mas a todos os invasores, a canção dirige uma promessa – Aqui estamos nós, vigilantes, mesmo depois de mortos, para vos atrapalhar.
    3. Trata-se de uma canção de resistência, a expressão do estoicismo de um povo, feito de muitas etnias em guerra entre si, mas com um denominador comum – Unidos contra os que vêm de fora. Contudo, a letra romântica da canção tem uma fenda por onde a formiga vai entrar – É que as nossas mulheres são feias. Os nossos olhos detêm-se nesta insólita afirmação. Talvez os cavalos e os galgos afegãos sejam belos, as montanhas, os ocasos e os campos de papoila, também, mas as mulheres são apelidadas de feias e essa declaração entra numa canção. Choca e ilustra. Esclarece e ensina. Lembro-me de ter visto a reportagem de uma jornalista britânica que perguntava a um ancião porque razão escondiam eles as mulheres debaixo da burqa. O homem retirou da algibeira do seu gibão duas notas, uma de cinco mil afeganis, outra de dez mil e disse que as mulheres deles não eram como as ocidentais que só valiam a nota pequena, as deles valiam muito mais, por isso as escondiam. É possível que a letra da canção signifique isso mesmo, que ao referir que as suas mulheres são feias, o poeta que a escreveu tivesse querido esconder as belas mulheres afegãs no fundo da sua algibeira. Mas é duvidoso. Trata-se de uma cultura entranhada. A própria linguagem comum denuncia o contrário. Um jovem afegão, perante uma atentado bombista que levou pelas ares dezenas de pessoas, ao indignar-se perante os autores do crime gritava – Cobardes, cobardes! Mulheres, suas mulheres!. Não parecia ser um talibã, era alguém do lado contrário.
    4. Mas agora os talibãs voltaram ao poder. Desde 15 de Agosto que se sentaram em Cabul, incitados pela retirada americana e seus aliados. O mundo ficou pasmado. Em 1998, os talibãs queimaram uma biblioteca preciosa de 55. 000 livros a poder de lança granadas. Em Março de 2001, destruíram os Budas de Bamiyan com dinamite e disparos de tanque. Agora, já com telemóvel e assessores de imagem, prometeram paz, que irão deixar educar as raparigas e irão permitir que as mulheres trabalhem. Fazem bem as mulheres em não acreditar. Em certas circunstâncias, as canções do passado falam mais alto do que os discursos do futuro. Entre 1996 e 2001, a sua Sharia deu para cobrir as mulheres da cabeça aos pés, mesmo à vergastada, as mulheres afegãs sofreram abusos de toda a natureza como nunca antes. Ficou reduzida a cinza qualquer veleidade de emancipação, instrução, independência, afirmação, identidade. Foram proibidas de rir em púbico. Intensificaram-se os chamados crimes de honra, os testes de virgindade, e tudo o mais que nos faz chorar.
    5. Por isso o incitamento de Varoufakis para que resistam as irmãs afegãs resultará inútil e até perverso, se as organizações dos Direitos Humanos não mostrarem uma força e uma união que vá para além do som das palavras. Se a ONU não for capaz de influenciar acções concretas de salvação das mulheres e dos homens afegãos que entretanto acreditaram que o Ocidente os ajudaria a sair da barbárie. Se nos dias que passam, o mundo, que olha para esta situação sem controlo, em vez de gastar todas as munições no ajuste de contas sobre a perda clamorosa de uma causa, não se debruçar sobre a forma de transformar esta catástrofe moral do Ocidente numa lição de procedimento, e no acolhimento efectivo dos que se quiserem salvar do atoleiro que lá se prepara. A Terra, agora, é mesmo só uma. Nunca o longínquo esteve tão perto. Se o céu cair sobre elas e eles, também cairá sobre nós.
    LJ.
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      Teresa Martins Marques

      E, como vêem, valeu a pena o apelo que há dias fiz aos escritores, no sentido da intervenção cívica.
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  • FOTOS: Exposição de cerâmicas açorianas está aberta para o público em Florianópolis – Jornal Floripa

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    Por meio de trabalhos em cerâmica figurativa, uma herança trazida da Ilhas dos Açores em 1748, o casal Paulo e Osmarina Villalva apresentam a exposição temática “Folclore, lendas, devoção e fazeres…

    Source: FOTOS: Exposição de cerâmicas açorianas está aberta para o público em Florianópolis – Jornal Floripa