Views: 0




Views: 0
Views: 0
Views: 0
Views: 0
Views: 0
CRÓNICA 359 descolonização, COLONIALISMO, COMBATENTES E FALTA DE RESPEITO, 2.9.2020 CRÓNICA 289 Há temas que alguns chamam fraturantes e eu designo como demasiado incómodos para discutir, e desde há
Views: 0
Views: 0
Cedo percebi que ter nascido mulher me iria trazer algumas batalhas dolorosas de travar. Mas tinha de as enfrentar de caras, sem fugir ou passar a vez.
Nasci num mundo de homens. Sim. Ainda há quem acredite que o homem é o dono do mundo, quando estes, tantas vezes nem sabem bem o que fazer com a sua vida, quanto mais com a vida dos outros…
À minha volta, na sua maioria, as figuras eram masculinas. Umas a aprenderem a ser macho, outro macho puro, e no meio daqueles exemplos, um, o meu Avô, que apesar de às vezes parecer rústico, carregava uma sabedoria serena difícil de encontrar num homem. Morreu cedo demais… A sua partida deixou-me à beira do precipício…
A menina da casa tinha de seguir os padrões estipulados. Nada de andar de bicicleta, brincar com amigas, estava fora de questão. Continuar os estudos… Nem pensar.
Durante muitos anos ouvi que “o lugar de mulher é em casa”, a “obedecer o marido em tudo” e “a criar os filhos”. Ouvi “que mulher que trabalha fora é puta” e que “mulher que pinta os beiços (lábios) com batom era mulher da vida”… Realmente, eu tinha tudo para ser uma destas mulheres que acabam por ceder a estes ensinamentos… Mas não cedi! Segundo o modelo, sou puta até hoje, continuo a ser uma “mulher da vida”, que já casou duas vezes, que já se divorciou duas vezes e contínua “à procura de sarna para se coçar”…
Durante anos, eu vi como não se deve tratar uma mulher, a mãe dos filhos, a companheira que abriu a porta de casa para abrigar quem tinha sido expulso de casa dos pais e não tinha aprendido com o desamor de mãe… Durante anos, muitas vezes jantei no meu quarto para não aborrecer o monstro que morava em casa.
Durante anos eu deixei de andar de bicicleta, deixei de brincar com as amigas… De um dia para o outro, deixei de ir ao Liceu, pela simples razão de que “mulher é em casa, sentada no canto do estrado a fazer renda…”. Eu deixei a meio o estudo do Auto da Barca do Inferno, para viver o inferno em tempo real, deixei para trás os Lusíadas e fui viver o meu próprio Cabo das Tormentas, passei a ser o escudo defensor da Mulher que mais amo neste mundo…
Eu pensava que a minha realidade poderia mudar, se eu mudasse de lugar. Mas os meus dezasseis anos, não me permitiam ver ainda que, de onde tinha vindo aquele monstro, tinham vindo outros mais… Mais monstros haviam sido criados para fazerem das mulheres, não companheiras de vida, mas escravas, não seres felizes, mas máquinas de cozinhar, lavar e passar, e à noite serem fodidas como se não sentissem, como se não estivessem ali, quer lhes apetecesse ou não, serem tocadas e invadidas…
Eu tinha tudo para ser uma fraca. Sem auto-estima, sem amor-próprio, sem vontade de viver e procurar amor… Cada queda que dei deixou uma ferida. Cada vez que me levantei, criou em mim uma cicatriz… Mas ter sofrido à mão de alguns homens que passaram na minha vida, não me faz odiar todos os homens. Não podia, que “uma árvore não faz a floresta”. A vida deu-me a missão de criar um e ensinar-lhe que o homem não pode tudo por ser homem e que ser homem não faz dele mais, nem menos do que uma mulher. Desde cedo que lhe ensinei que não há tarefas de homem nem de mulher, há sim tarefas que precisam ser feitas e que em nada nos reduzem. Cedo lhe ensinei que o corpo de uma mulher não é terreno baldio. Cedo aprendeu que Sim é Sim e Não é Não.
Eu tinha tudo para ser saco de pancada. Mas não. Vou defender-me sempre que me sentir ameaçada. Não deixo que mais ninguém me empurre escada abaixo… Não permito que mais nenhum homem me levante a mão ou me use, quer a nível emocional ou material, como se a minha vontade, os meus interesses ou os meus desejos não existam.
Há uma altura da nossa vida que não podemos continuar a perder tempo com o que não tivemos. Temos de avançar. E avançar é dar valor ao amor que nos foi dado e acreditar que ainda há muita coisa boa para nós.
Há quem diga que temos de perdoar para avançar. Eu sei que só perdoo quando sinto que foi um erro, mas repetições não podem ser vistas como erros. E não posso perdoar quem nunca muda e quem nunca se arrepende… Apenas deixa de fazer parte da minha vida, deixa de ter tempo e importância. Se isto me deixa mais fria? Não. Apenas mais leve… Que de nada adianta carregar quem não quer seguir, aprender e evoluir…
Eu tinha tudo para ser um ser vazio, sem poesia no interior, mas eu dou importância a quem me estima e a quem me dá amor. Tenho tantos capítulos tristes e magoados para partilhar, mas agora dou privilégio aos que me fortalecem e me levam aos jardins da felicidade…
Cedo percebi que ter nascido mulher me iria trazer algumas batalhas dolorosas de travar. Mas tenho de as enfrentar de caras, sem fugir ou passar a vez.
Por mim e pelas mulheres da minha vida.
Aquelas que nasceram livres e aquelas que conquistaram a sua liberdade, com lágrimas e dor, e ainda assim, sempre têm para dar, um abraço de amor.
Pelas mulheres que não se vitimizam para ter atenção.
Pelas mulheres inteligentes que não usam atributos físicos para atingirem lugares de destaque. Pelas mulheres que até podem ter errado como mulher mas não como mães.
Eu tinha tudo para ser…
E sou.
Mulher!
Sandra Fernandes
8 de março de 2021
Views: 0
Views: 0
Já escrevi sobre este tema em 2019 e 2020, mas a comunicação social insiste em considerar tudo racista e inclui obras literárias (agora foi a vez do Eça), sem ter em conta as noções socialmente aceitáveis da época e que não podem ser julgadas pelos valores de hoje, caso contrário temos de ir já ao dealbar da nacionalidade em que Afonso Henriques era um racista na sua luta de reconquista contra os islâmicos na Península. O melhor é desconstruir o país e devolvê-lo ao Califado, apagamos os descobrimentos e lavamos as máculas coloniais. E esperemos que os outros países façam o mesmo, caso contrário não serve de nada…Ou ir mais atrás ainda aos primeiros homídeos.
Este tema é sempre difícil de abordar pois todos têm, ou julgam ter, a resposta e a atitude certa, seja ela politicamente correta ou incorreta, mais de acordo com as crenças políticas de cada um do que com quaisquer outros fatores endógenos ou exógenos. A esquerda faz dele bandeira e a direita responde com a portugalidade a que nunca prestou atenção nem preito. Todos são rápidos a disparar, condenar e julgar quaisquer afirmações que se profiram sobre este tema. É um dos chamados tema fraturantes, não só da sociedade portuguesa, mas da maioria das sociedades (ie., daquelas onde é permitido falar dele).
Cresci numa sociedade fechada em pleno Estado Novo, quando as criadas (não havia técnicas auxiliares domésticas) diziam “se a menina não come corto-lhe a trança e dou-a aos ciganos”, “se o menino se porta mal chamo o polícia”. Havia variações ao tema da cegonha que vinha de Paris. Quando alguém se comportava mal “se continuas assim devolvo-te aos ciganos a quem te comprei”, ou similares.
Apesar da mistura genética da família, não havia africanos na família, até em 1973 chegar a Timor Português e descobrir um luandense negro com o meu apelido, filho de um primo direito do pai. Também vim a descobrir primos mulatos no Brasil onde havia um ramo de parentes que ali se radicou há um século atrás.
O racismo era religioso. Quando me casei pela primeira vez e não o fiz pela Igreja, metade da família ostracizou o casamento. Mais tarde quando me divorciei (consta que fui o primeiro) outros houve de mais idade a seguirem o exemplo.
O racismo era socioeducacional, havia quem tivesse meios para prosseguir os estudos no liceu ou nas escolas comerciais e industriais e outros sem esses meios, e a distinção fazia-se logo ali nesses infantes com quem nem brincar se podia.
O racismo revelava-se nos nomes e apelidos, resquícios dos tempos da monarquia e de fidalguias arruinadas. Era igualmente visível nos subúrbios onde se crescia dentro da cidade (no Porto era a Foz, Avenida da Boavista, Avenida Marechal Gomes da Costa vs Rua dos Combatentes nas Antas, por exemplo), e prolongava-se pelos locais de férias (no norte, os transmontanos iam de banhos para a Póvoa de Varzim, e a gente “fina” andava mais pela Granja ou Miramar enquanto a Aguda era mais classe média baixa…)
O racismo social (e económico) prosseguia dentro das próprias elites consoante os colégios que se frequentavam e as festas onde se ia. Depois veio o 25 de abril e tudo se baralhou, mas o racismo continuou com novos paradigmas e alvos (apenas os ciganos se mantiveram na linha da frente).
Quase todos os que se insurgem seriam incapazes de viver num subúrbio de ciganos ou afrodescendentes que alegadamente dizem defender desse racismo. Mas fica-lhes bem a defesa dos mais fracos.
Aqui nos Açores, além dos tipos de racismo atrás descritos, há outros derivados da canga feudal que constituía a matriz dominante das ilhas, mas muita gente, mais capaz do que eu, poderá elaborar sobre o tema. Como tornei a escrever ironicamente em 2020
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, sem pretos, nem mulatos, mestiços, ciganos, judeus, imigrantes, árabes, muçulmanos e outros indesejáveis de raças inferiores
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, e sejam do meu clube.
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, e estejam orgulhosos de terem andado a matar turras em África
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, e não sejam comunistas, socialistas ou traidores da descolonização
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, e não sejam desertores ou objetores de consciência
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, e não sejam criminosos
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos, e não sejam homossexuais, lésbicas ou outros com comportamentos desviantes
Não há racismo em Portugal, desde que sejam todos brancos,
desde que sejam todos brancos,
todos brancos
brancos
Um povo que nunca cuidou de se educar, de ter formação pessoal e profissional capazes (os governantes não o quereriam, quanto mais incultos mais manipuláveis), sem gosto na sua história, na sua língua e na sua cultura sempre confundida com atividades circenses, touradas ou futebol surge retratado na TV como aquela mulher que dizia do primeiro-ministro goês “eu não vou lá muito com a cara dele” e assim faz as suas opções políticas, mal dissimulando o seu racismo, xenofobia e preconceitos seculares. É este povo que vota e faz as suas escolhas no seu analfabetismo disfuncional.
Olho pela janela e as brumas não auguram a chegada de nenhum Sebastião, desejado ou não. São apenas brumas, o Sebastião jamais chegará em dias de nevoeiro e mesmo que chegasse não salvaria este país. Estamos neste mundo louco em que a desintegração da sociedade ocidental arrasta consigo princípios e valores, criando zombies, novos paradigmas da sociedade, novos escravos com a designação de colaboradores, em que ressurgem fantasmas de nazismo, racismo, xenofobia, egoísmo, mentira, manipulação, a um nível que há muito julgávamos arredados. Afinal, como diz o outro, apenas estalou o verniz primitivo.
Mas a maioria dos que me rodeiam, impávidos e serenos, quase como nos tempos do Estado Novo em que íamos “cantando e rindo” e deixa-se enlevar por este torpor, este amolecimento das capacidades críticas de pensamento e de discernimento pensando que chamando a tudo e todos de racistas apaga as máculas ancestrais.
Eu, sinceramente, não entendo que deva pedir desculpas por eventuais parentes e antepassados que agiram de acordo com as normas vigentes na época, por mais insanas que me possam parecer hoje. Se foram negreiros, bandeirantes, missionários ou meros miscigenadores, limitaram-se a cumprir essas normas então vigentes.
Voltando ao início desta crónica, em minha casa havia criadas, hoje tenho empregadas ou funcionárias, adaptei-me aos tempos que correm sabendo que não é por se mudar o nome às coisas ou por as condenarmos agora que elas desaparecem ou que criamos uma igualdade que não existe.
Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713[Australian Journalists’ Association MEEA]Diário dos Açores (desde 2018)Diário de Trás-os-Montes (desde 2005)Tribuna das Ilhas (desde 2019)Jornal LusoPress Québec, Canadá (desde 2020) |
Views: 0