Temos, sim, a obrigação de evitar as mais enganadoras armadilhas do processo, se o desejarmos, efetivamente. Tanto pelos dados da evolução política e social do mundo, analisado até à exaustão pelos media, comentadores e redes sociais, como pelo potente fenómeno da globalização.
Mas, utilizando uma expressão do Professor Avelino Menezes, “o mundo da globalização, onde todos estão juntos, é também o mundo da descaraterização, onde ninguém se conhece.” Por isso, este contributo de Pedro Arruda, não me parece centrar-se naquilo em que o próprio autor acredita, mas no valioso repto para um diálogo em que a maioria de nós participe, transformando-se numa pedra para o edifício da identidade humana, sob dois aspetos fundamentais: enquanto cidadãos do mundo, e enquanto naturais dos Açores.
Pode dizer-se, para o apresentar a quem ainda não o conheça, que Pedro de Mendoza Y Arruda Oliveira Rodrigues, natural de Lisboa, nascido a 8 de outubro de 1974 é empresário. Reside nos Açores desde 1998, onde desenvolve atividades nas áreas do turismo, agricultura, associativismo, defesa do património, cultura, ambiente e comunicação.
Licenciado em História pela Universidade Autónoma de Lisboa, possui o Curso de Desenho da Sociedade Nacional de Belas Artes, em Literatura o Curso de Viva Voz e Introdução à Poesia e Literatura Portuguesas contemporâneas na Universidade Nova de Lisboa; Curso de Estudos Olisiponenses pela Universidade Autónoma de Lisboa.
Desempenhou funções de Gestor e Administrador na Plantação de Ananases Dr. Augusto Arruda. Foi sócio fundador da MUU – Produções Culturais, tendo desenvolvido diversos projetos nas áreas de cultura e comunicação. Foi Delegado de Turismo de São Miguel na Direção Regional de Turismo dos Açores, Coordenador de Promoção na Turismo dos Açores – ATA.
Fundador e presidente da USBA – União de Surfistas e Bodyboarders dos Açores, foi ainda comentador regular nos seguintes programas: Choque de Gerações, Língua Afiada e Açores 24 (RTP Açores).
Atualmente é comentador no programa 2 Margens da Açores TSF e cronista regular do jornal Açoriano Oriental com a coluna Café Royal.
Publicou dois livros de Poesia: 15 Poemas de Amor e um Divertimento; Um Dia Tudo Será Mar Outra Vez e tem diversos textos publicados em revistas e antologias.
Ele considerou fundamental juntar pessoas para discutirem diversas nuances deste momento facilmente desnorteante, que porém todos devíamos estar dispostos a sopesar, uma vez que todos estamos implicados.
Julgo que não devemos recusar este aspeto da sua exortação, portanto. Ou será que, como diz o sugestivo prefácio do Doutor Carlos Riley, pretendemos permitir que o Pedro permaneça “um navegador solitário no exercício da mais sagrada das liberdades, a liberdade de pensamento e expressão”?…
Bem, o propósito – refletir e pronunciar-se sobre este transe difícil, e a justificação – ser ele, talvez, uma das alturas mais complicadas das nossas vidas, estão estabelecidos.
Para esse desiderato, com projeção no futuro, todos seremos válidos; não necessitamos de nos assumir como políticos, religiosos, ou representantes de coisa nenhuma.
A mim, também convocada pelo autor para uma curta apresentação da sessão e do livro, julgo que caberá então somente sublinhar alguns dos motes que encontrei na obra, para que saibam com o que contar, que é como dizer, qual a matéria que o Pedro nos aponta para ser debatida:
– Qual a verdadeira dimensão social das epidemias, e até que ponto a sua força teórica é mais responsável do que a mortandade física, no desenho de novas sociedades?
– Se teimarmos em nada aprender com as mais óbvias lições de História, caminhando como zombies, de braços estendidos para a mimese, estaremos apenas a ser fastidiosos, previsíveis e repetitivos, ou nem sequer nos tornamos dignos de uma perpetuação civilizacional neste universo?
– Que atmosfera se pode evolar, de forma tão sensitiva quanto a de um mau perfume, do perigoso e galopante enamoramento entre política e meios mediáticos, quando se entrelaçam para sobrevivência mútua, através da manutenção de uma constante apoteose?
– Que alcance terão o potencial destruidor do histerismo, a disseminação frívola do ódio, a estupidez que crê sem procurar reagir, a ambição única de procurar viver em uníssono com as matilhas? E quanto nos retira tudo isso a presença de espirito necessária para lidar com o verdadeiro vírus?
– Aonde nos levará o que o autor chama “a humana naturalidade do medo”? À ressurreição de um ancestral instinto de sobrevivência, ou à perda, insuspeitada até que irremediável, de toda a liberdade que só milénios de caminhada de consciencialização havia logrado, e não totalmente conquistado?
– Analisemos os motivos pelos quais, independentemente do mote gerado por mais uma pandemia nessa História milenar, e como na crónica de uma morte anunciada por uma espécie de auto antropofagia, a humanidade, de um dia para o outro e em contaminação múltipla, está a eliminar-se, ao eliminar o próprio desenho da sua existência.
E se haverá uma razão para que isso aconteça, precisamente agora…
– Reflitamos na nova antinomia nascida de dois contrários a preto e branco que veio, de forma errónea, opor dois inimigos figadais, sem a clivagem do bom senso: os pro e contra COVID.
– A quanto montará a fragilidade ética e moral dessas sociedades, aparentemente sofisticadas e desenvolvidas, esventradas de forma impúdica e de um só golpe, por um único vírus, pois a causa real do seu desvario pode residir bem mais, no estado histórico dos países que assola, do que no seu potencial intrínseco…
– Acerca da surpresa ao constatar que todos nós, que até há pouco nos concentrávamos no modo de evitar populismos e o perigo das ditaduras, seremos capazes de nos entregarmos, sem talvez o sentir, ao que nas palavras do autor é a ditatorial sociedade “da higienização e do fascismo sanitário”.
– Sobre até que ponto o COVID 19 se transformou, para alguns de nós, em pretexto para exacerbamentos de grupo, incongruências individuais, fanatismo político e, em todos esses casos, numa orgia de episódios excessivos?
– Se a completa desumanização das nossas vidas é uma nova tendência que veio para ficar…
– Se as terríveis e profundas desigualdades do mundo, foram ou não sublinhadas a tinta fluorescente por uma coisa que, ironicamente, atacaria a todos, de forma niveladora…
– Se aquilo que procuramos é mesmo um novo normal, ou antes um novo mundo “mais solidário, mais livre, mais fraterno e, sobretudo, mais sustentável” – como o pretende Pedro Arruda.
Enfim, são estes, parece-me, os temas principais sobre os quais nos podemos pronunciar, ainda que seja pela oportunidade de conversar com nós próprios; ainda que seja pela humildade sapiente de estarmos presentes e escutar alguns outros.
Pedro Arruda considera que, se estamos mergulhados num ambiente no qual, por imposição temática, já nos entregamos todos à morte, vale a pena que respondamos ao menos, “que mundo queremos que nasça dessa morte”.
Destapa assim a caixa de Pandora da responsabilização coletiva neste mundo distópico – já não para onde nos dirigimos, mas onde nos estamos a habituar habitar:
Um cosmos desprovido de qualquer calor humano, procedimentos autistas, solidão intrínseca e em fosso abissal entre desafortunados e privilegiados. Estabelece assim, a culpa dos que navegam no cansaço cíclico de quem pouco faz por si e tudo exige aos que os governam, sem que se possa absolver ninguém pelo surgimento desse mundo onde, como escreve o autor, “por detrás de vidros fumados em carros que deslizam, magnatas passam a olhar impávidos, a ordem mecânica das coisas, cinzenta e esvaziada.”
Enfim; assumindo-se, em tudo, em sofrimento conjunto perante a nossa sorte comum, Pedro Arruda decide voltar-se para cada um de nós e lançar uma pergunta terrível e definitiva:
“Diz-me que isto é o Futuro”…