E SE UMA RECOMENDACAO LHE DESSE UMA RESTRICÃO? ISSO É IMPULSE |
Compreendo que a Suécia tenha voltado ao radar português e desta vez por razões mais agradáveis. Já ninguém diz que se tentam poupar pensões matando os mais velhos. Desse ponto de vista foi um progresso.
É por isso natural que seja usada como uma espécie de exemplo contra o confinamento. Já menos natural é que para isso, muitos, precisem de relatar uma realidade que não existe.
Se em Abril a imprensa nacional não fez um favor a ninguém, colocando a Suécia num Woodstock permanente, hoje, quem repete ad nauseum que a Suécia “sem confinamento, restricões e máscara” está em melhor situacão que Portugal, também não ajuda muito.
De pouco serve contestar o caos das ambulâncias e a forma como a história nos foi contada (afinal era mais desorganizacão do que emergência) se, acabamos por fazer exactamente o mesmo e a destruir a credibilidade de um argumento.
Vamos a ver se nos entendemos. É indiferente se tens um amigo que vive em Malmö, um primo de um conhecido que passou por Estocolmo ou um familiar que jura mesmo que não sei quê. Se repetes a frase “não tem restricões, apenas recomendacões”, estás a espalhar notícias falsas. Ponto final. E não estás a ajudar a que se percebam as verdadeiras razões da melhoria sueca nesta luta contra a pandemia.
A Suécia é de facto um bom exemplo para que se perceba o erro do confinamento obrigatório, do problema social causado com a delacão incentivada e da falta de relacão entre as mortes e as escolas abertas. Pelos dias de hoje até pode ser um bom exemplo de como organizar o acesso às urgências. MAS PARA ISSO BASTA CONTAR A VERDADE E RELATAR OS FACTOS. Inventar realidades paralelas só enfraquece um argumento que por si só já é válido.
Para evitar despejar as regras que são públicas e genéricas, explico-te o meu caso, que certamente não será muito diferente de outros milhares.
1 – O meu empregador limita a um número muito reduzido as pessoas que podem estar no escritório. Estou em casa desde FEVEREIRO. Isto é uma restricão.
2 – A minha filha está num sistema misto de ensino. Na escola e online. Isto é uma restricão.
3 – Se o meu filho tosse na escola, é de imediato mandado para casa. Isto é uma restricão.
4 – Se fizer um teste de covid, não posso sair de casa até receber o resultado. Isto é uma restricão.
5 – Se estiver infectado, acertaste, tb n posso sair.
6 – Se tiver algum familiar num lar, a partir de dada altura deixei de o poder ver. Isto é uma restricão.
7 – Há meses que deixei de jogar futebol porque os campeonatos foram cancelados e os pavilhões fechados. Isto é uma restricão.
8 – Quando me sentei à mesa num restaurante, perguntaram-me se as pessoas que estavam comigo eram familiares. Caso contrário as mesas seriam afastadas. Isto é uma restricão.
9 – Quando vou a qualquer servico, as pessoas que me atendem estão atrás de um vidro ou plástico. Não são imaginários. É uma restricão.
10 – Concertos e espectáculos foram cancelados. É uma restricão.
11 – Ajuntamentos com mais de X pessoas foram proibídos. É uma restricão.
Depois há a parte prática da coisa. As recomendacões. Ao contrário do que acontece em Portugal, não é necessário que o vizinho do 3 esq coloque uma foto minha no FB a passear o cão ou ter um polícia a puxar-me as cuecas, para cumprir o que me é pedido. Portanto, se o governo me pede, ou RECOMENDA, que eu limite os meus contactos ao núcleo familiar, eu cumpro. E como tal, não encontro um único amigo em Gotemburgo há largos meses. Ou seja, qual é a diferenca entre uma RESTRICÃO ou uma RECOMENDACÃO? Se cumprires ambas, então a diferenca é…exactamente, nenhuma.
O que significa, por outras palavras, que as pessoas confinam sem a polícia correr o pessoal à bastonada.
E claro, como em todo o lado, há quem cumpra mais e quem cumpra menos. Mas tudo somado, entre as recomendacões cumpridas e as restricões impostas, a populacão faz a sua parte. O governo protege os mais idosos e o SNS organiza-se com uma triagem para o acesso às urgências, garantindo que só lá chega quem precisa. É isso que explica a ausência de caos no momento e a reducão das mortes. NÃO É ANDAREM TODOS AO MONTE!
E quando passam para o nível seguinte, de partilhar festas e ajuntamentos no Brasil e dizer que “tal como na Suécia”, estão apenas a engrossar as fileiras de negacionistas e a fazer nada, mas absolutamente nada, para que no nosso país se perceba porque é que o confinamento é errado.
Há número que explicam as mortes, que não as relacionam com as escolas ou que indicam em que tipos de confinamentos a propagacão aumentou. Há informacão fidedigna publicada pelos INEs de cada país e estudos feitos por especialistas. São essas as fontes de informacão. Não é o teu primo, nem o amigo do teu amigo que como não vê polícias na rua, faz o que lhe pedem para não fazer.
Aprendam com os erros da Suécia (lares) e observem o que por cá se faz de bom (dados tornados públicos, respeito do distanciamento ou até a organizacão do SNS). Mas não repitam os disparates ditos em Abril nem tentem difundir uma realidade que não existe. Deixem isso ao cargo do jornalista pela verdade que ele já faz, e de bom grado, essas figuras tristes sozinho.
Há restrições na Suécia, há recomendações, há pessoas em casa (a trabalhar) e até há quem use máscara (não é obrigatório).
E mesmo assim há liberdade, há circulação, há respeito pelas distâncias, há redução do número de mortos e há protecção da economia.
Se querem ajudar, não inventem. Percebam a realidade.