A Festa do Avante é inegávelmente um evento cultural e político de primeira grandeza, dificilmente reproduzido por qualquer outra força política em Portugal.
Foram anunciadas medidas cautelares que irão vigorar este ano no recinto da Quinta da Atalaia, para prevenção do contágio epidémico.
Designadamente a inexistência de espaços fechados, a instalação de auditórios abertos, com corredores e circuitos definidos e casas de banho desinfetadas, as esplanadas a serem alargadas para permitir o espaçamento entre as mesas e os clientes, contando com equipas de higienização em permanência, os restaurantes a funcionarem em regime de take-away, o uso de máscara a ser obrigatório em pontos de atendimento e existindo locais para desinfeção das mãos em todo o recinto, as entradas no recinto da Festa a serem feitas através de pórticos alargados e com as portas a abrirem mais cedo para se evitarem aglomerações de pessoas, o recinto na Quinta da Atalaia a ter mais dez mil metros quadrados relativamente aos anos anteriores, ficando com uma área total de trinta hectares, etc., etc..
Mas a verdade é que a licença requerida pelo PCP para a Festa do Avante é para cem mil pessoas, não para duas ou três dezenas de milhar.
E todos nós sabemos – pelo menos aqueles que lá foram pelo menos uma vez -, que é muito difícil assegurar o distanciamento social entre um tão grande número de pessoas, e mesmo garantir o uso da máscara num evento com estas características.
Espectáculos de música, com a participação entusiasmada de milhares de pessoas, cantando e dançando, sempre muito animados e bastas vezes acelerados, espectáculos de teatro de rua no recinto, performances circense ou de idêntica natureza um pouco por todo o lado, em que é muito difícil evitar o contacto físico, porque as pessoas estão na Festa para conviver e para tirar prazer da confraternização.
E também para compartilhar da camaradagem, encontrando amigos, conhecidos ou companheiros, de vida ou de Partido, cujo ritual muito português impõe sejam bebidos uns copos em conjunto, acompanhados de uns petiscos saídos quentinhos do carvão, do fogão ou do forno.
E por mais que os serviços de segurança do Partido Comunista, ou por este contratados a terceiros, estejam atentos a todos estes fenómenos – perfeitamente normais em período anterior à pandemia, mas agora limitados ou proibidos -, a verdade é que só podemos antever muita confusão e discussão, mesmo o descontrole absoluto relativamente a largas faixas de visitantes, sejam jovens ou menos jovens, que estarão se borrifando para as regras de segurança sanitária e só vão querer beber mais um copo, se possível com alguma excitação à mistura.
Lembro-me bem ainda hoje dos espectáculos do Chico Buarque e do Zeca Afonso em 1980, do Paulinho da Viola alguns anos depois, e de tantos outros cantores e bandas a que assisti nos três anos em que fui visitante e espectador, e, no meio daquelas noites fenomenais, também me lembro bem do espavento das cenas de bebedeiras monumentais, e até de pancadaria, que pupulavam um pouco por todo o recinto da Festa.
É normal que tal aconteça, quando dezenas de milhares de pessoas, de todo o género e feitio, e tantos e tantos não militantes ou simpatizantes disciplinados, se encontram em festas desta natureza.
Mas a verdade é que a Festa do Avante é também um negócio lucrativo.
Segundo as contas oficialmente apresentadas pelo Partido Comunista Português relativamente ao ano de 2019, o Partido terá angariado cerca de dois milhões de euros com a realização da Festa do Avante.
Será essa a principal razão para o PCP cismar em realizar a festa este ano?
Desbaratando definitivamente todo o eventual crédito de responsabilidade que possa ter granjeado nesta matéria do combate ao Covid-19?
E correndo mesmo o risco de ser acusado, conjuntamente com os seus principais dirigentes, de autores materiais do crime de propagação de doença contagiosa, caso as coisas não venham a correr bem, como se receia?
(Luis Almeida Pinto)