2007 uma ilha s miguel

Views: 0

————————————————————————————-
http://dn.sapo.pt/2006/08/30/boa_vida/uma_ilha_miguel.html
Uma ilha: São Miguel


Isabel Lucas

Um embaixador procura na Igreja de S. Miguel Arcanjo, em Vila Franca do Campo, uma imagem igual à que existe numa outra igreja muito longe daquela, numa pequena cidade do estado de Santa Catarina, Brasil. Foi em 1997. O embaixador procurou e encontrou. A imagem de Santa Catarina foi feita à semelhança da de Vila Franca do Campo por emigrantes açorianos que chegaram ao Sul do Brasil depois da Restauração de 1640. Muitos anos depois a mesma imagem seguiu na máquina fotográfica do diplomata para servir de modelo ao restauro daquela que inspirou. É a mesma imagem que sai na procissão de 2005, e que saiu em todas as festas, a cada Verão, sempre que emigrantes como os que a levaram para o Brasil regressam àquela que foi a primeira capital da ilha de S. Miguel.

Fica no centro sul da ilha e está virada para o ilhéu que lhe pertence. É o ilhéu de Vila Franca, como são de Vila Franca as queijadas, os solares, as fachadas góticas e barrocas das igrejas, o forte, o porto de pesca, os vestígios que ficaram do burgo quinhentista antes de ser destruído pelo terramoto de 1522. Foi em Vila Franca do Campo que S. Miguel começou. Foi em Vila Franca do Campo que começou também a relação contraditória da gente com o mar, um mar que raramente sai de vista.

Chamam-lhe a ilha verde, mas não chega dizer isso sobre S. Miguel, nem mesmo quando tudo o que se vê é verde na estrada do Pico do Carvão, a caminho de Ponta Delgada, vindo da Ribeira Grande, a segunda cidade micaelense. Verde de chá nas encostas abrigadas de Porto Formoso e Gorreana; verde-claro e escuro das árvores do Nordeste ou todos os verdes do parque Terra Nostra, nas Furnas. Há o verde de uma das lagoas nas Sete Cidades que não é o mesmo verde que está reflectido na água de outra lagoa, a do Fogo. Sobretudo aí, S. Miguel é muito mais que verde e mais do que cor. Transforma-se em som. Silêncio por todos os lados se não houver turistas por perto. E a água em fundo. E depois da água da lagoa, o azul da água do mar, para lá da cratera do vulcão.

S. Miguel nos seus 759,41 quilómetros quadrados de ilha, com 65 quilómetros de comprimento e 16 de largura máxima, é também o barulho que se ouve debaixo dos pés. Rouco, abafado, para que ninguém esqueça que aquela terra ferve, deita calor, e então a ilha é branca. De fumo e de enxofre nas caldeiras das Furnas e passa a ter sabor. O cozido, o bacalhau, a caldeirada, numa cozinha debaixo de terra e tempero certo do tal enxofre. É o interior da ilha, dos poucos sítios onde o mar que tudo une e tudo afasta não se avista. Porque à beira-mar, S. Miguel é negro. Negro e azul, como em Água d’Alto e em todas as outras praias ou piscinas naturais. Areia, rochas e água com o verde das árvores em fundo. Na Caleira, há ainda o convento e o conjunto é perfeito. Pena que em Agosto haja gente a mais. Mesmo quando gente é o que não se vê depois de uma noite de festa numa terra mais a nordeste. Domingo na Povoação e só um café aberto a servir quem vem de fora com os que acordam a varrer as ruas. Além disso, mais nada na Povoação.

Só chuva. Porque S. Miguel é também a possibilidade de todas as estações do ano num só dia. Chove e come-se frango assado debaixo de um chapéu-de-sol antes de avançar para as vistas do Nordeste e de uma paisagem que os guias turísticos não se cansam de classificar de “luxuriante”, mas esse adjectivo continua a ser tão pouco… Fala-se de sentidos e escuta-se o som das vogais fechadas que os emigrantes, no Verão, temperam com americanices. Em nenhum sítio como em S. Miguel se ouve falar assim. E chama-se “pxinho” ao “peixão”, prato à beira-mar, na Lagoa. Na Ribeira Grande, à beira do mesmo mar, mas do lado norte da ilha, há a vitela; o ananás na Fajã de Baixo, cracas em Ponta Delgada, olhando a marginal e lapas em todo o lado. Falar de S. Miguel é sempre dizer pouco, dizer só algumas das possibilidades desta ilha.

__._,_.___

Um embaixador procura na Igreja de S. Miguel Arcanjo, em Vila Franca do Campo, uma imagem igual à que existe numa outra igreja muito longe daquela, numa pequena cidade do estado de Santa Catarina, Brasil. Foi em 1997. O embaixador procurou e encontrou. A imagem de Santa Catarina foi feita à semelhança da de Vila Franca do Campo por emigrantes açorianos que chegaram ao Sul do Brasil depois da Restauração de 1640. Muitos anos depois a mesma imagem seguiu na máquina fotográfica do diplomata para servir de modelo ao restauro daquela que inspirou. É a mesma imagem que sai na procissão de 2005, e que saiu em todas as festas, a cada Verão, sempre que emigrantes como os que a levaram para o Brasil regressam àquela que foi a primeira capital da ilha de S. Miguel.

Fica no centro sul da ilha e está virada para o ilhéu que lhe pertence. É o ilhéu de Vila Franca, como são de Vila Franca as queijadas, os solares, as fachadas góticas e barrocas das igrejas, o forte, o porto de pesca, os vestígios que ficaram do burgo quinhentista antes de ser destruído pelo terramoto de 1522. Foi em Vila Franca do Campo que S. Miguel começou. Foi em Vila Franca do Campo que começou também a relação contraditória da gente com o mar, um mar que raramente sai de vista.

Chamam-lhe a ilha verde, mas não chega dizer isso sobre S. Miguel, nem mesmo quando tudo o que se vê é verde na estrada do Pico do Carvão, a caminho de Ponta Delgada, vindo da Ribeira Grande, a segunda cidade micaelense. Verde de chá nas encostas abrigadas de Porto Formoso e Gorreana; verde-claro e escuro das árvores do Nordeste ou todos os verdes do parque Terra Nostra, nas Furnas. Há o verde de uma das lagoas nas Sete Cidades que não é o mesmo verde que está reflectido na água de outra lagoa, a do Fogo. Sobretudo aí, S. Miguel é muito mais que verde e mais do que cor. Transforma-se em som. Silêncio por todos os lados se não houver turistas por perto. E a água em fundo. E depois da água da lagoa, o azul da água do mar, para lá da cratera do vulcão.

  1. Miguel nos seus 759,41 quilómetros quadrados de ilha, com 65 quilómetros de comprimento e 16 de largura máxima, é também o barulho que se ouve debaixo dos pés. Rouco, abafado, para que ninguém esqueça que aquela terra ferve, deita calor, e então a ilha é branca. De fumo e de enxofre nas caldeiras das Furnas e passa a ter sabor. O cozido, o bacalhau, a caldeirada, numa cozinha debaixo de terra e tempero certo do tal enxofre. É o interior da ilha, dos poucos sítios onde o mar que tudo une e tudo afasta não se avista. Porque à beira-mar, S. Miguel é negro. Negro e azul, como em Água d’Alto e em todas as outras praias ou piscinas naturais. Areia, rochas e água com o verde das árvores em fundo. Na Caloura, há ainda o convento e o conjunto é perfeito. Pena que em Agosto haja gente a mais. Mesmo quando gente é o que não se vê depois de uma noite de festa numa terra mais a nordeste. Domingo na Povoação e só um café aberto a servir quem vem de fora com os que acordam a varrer as ruas. Além disso, mais nada na Povoação.

Só chuva. Porque S. Miguel é também a possibilidade de todas as estações do ano num só dia. Chove e come-se frango assado debaixo de um chapéu-de-sol antes de avançar para as vistas do Nordeste e de uma paisagem que os guias turísticos não se cansam de classificar de “luxuriante”, mas esse adjectivo continua a ser tão pouco? Fala-se de sentidos e escuta-se o som das vogais fechadas que os emigrantes, no Verão, temperam com americanices. Em nenhum sítio como em S. Miguel se ouve falar assim. E chama-se “pexinho” ao “peixão”, prato à beira-mar, na Lagoa. Na Ribeira Grande, à beira do mesmo mar, mas do lado norte da ilha, há a vitela; o ananás na Fajã de Baixo, cracas em Ponta Delgada, olhando a marginal e lapas em todo o lado. Falar de S. Miguel é sempre dizer pouco, dizer só algumas das possibilidades desta ilha.

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
Esta entrada foi publicada em turismo lazer viagens. ligação permanente.