1962 sobre naufrágios nas Ilhas das Flores e Corvo

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Artigo de Jacob Tomaz, n’0 Telégrafo de 2 de Setembro de 1962, sobre a barca Modena.
Alguns apontamentos sobre naufrágios nas Ilhas das Flores e Corvo
(Jacob Tomaz, n’0 Telégrafo de 2 de Setembro de 1962)
Desde que se procedeu ao povoamento dos Açores, estas Ilhas começaram a ser visitadas por barcos de diversas nacionalidades nomeadamente espanhois, ingleses e argelinos e a partir daí essas visitas mais e mais se foram intensificando. Nos alvores do século XIX a frota baleeira de New Bedford invade estes mares bem como a marinha mercante inglesa que já no século XVIII, quanto às Flores, traficara de diversas formas. Depois tudo se vai normalizando até ficar reduzido ao seu estado actual.
Com a descoberta do Caminho Marítimo para a India e depois o comércio estabelecido entre aquele continente e o Reino de Portugal, os Açores passam a ser passagem obrigatória para as nossas naus e para toda a navegação interessada nas riquezas do Oriente. Simultâneamente os navios piratas de diversas nacionalidades infestam estes mares e as populações passam a viver suspensas do terror das pilhagens.
E quando se iniciam as navegações entre a Europa e a América do Norte e Central e mesmo com o Brasil, as Flores deve ter sido, entre as Ilhas dos Açores, uma das que mais navios via demandar as suas costas, quer para fornecer refresco, quer para receber destroços, quer ainda para ser vítima de numerosas pilhagens e massacres. E naus da India por aqui passaram também….
A dura luta travada entre florentinos e piratas deixou longa História na tradição oral e na toponimia, influindo assinaladamente sobre a localização de povoações e até sobre a forma e disposição arquitectónicas das moradias. Até nos registos de óbitos da época (os mais antigos são do século XVII) algum padre mais comovido ou minucioso deixou confirmação de alguma coisa do que acima se diz. Faltam porém as melhores fontes coevas de informação já que os arquivos desta Ilha estiveram igualmente sujeitos – mesmo em pleno século XX – a piratarias e vandalismos de outra espécie.
Quantos dramas se não viveram? A quantos naufrágios se não assistiu? Embora nenhuma tentativa séria se tenha feito ainda no sentido de relatar esse aspecto da nossa heróica história de Ilhéus durante essas largas décadas de colonização e fixação é mais que certo que nunca esse relato poderá ser completo. No entanto muito se poderia fazer ainda. Melhor diria muito se poderia fazer já. Descortina-se até, por de trás de tudo isso, a estruturação de características que hoje o açoriano mantém, vincadamente.
Datam do século XVII os primeiros naufrágios longamente relatados, ocorridos nas Ilhas das Flores e Corvo. Do princípio do século XVIII também existe o relato em pormenor de um que, pelas promessas feitas por dois dos seus passageiros, nobres espanhois, iria ter poderoso reflexo no enriquecimento do património artístico do convento de S. Boaventura, daí transitando parcialmente para outras igrejas da Ilha. Trata-se de alguns exemplares da magnífica escultura religiosa espanhola do fim do século XVII. Infelizmente, tal como aconteceu aos arquivos das Flores, mesmo em pleno século XX tivemos de assistir ao massacre de algumas dessas joias artísticas.
Também no século XVII, a passagem de uma fragata dinamarquesa (1) por esta Ilha pode ter influido em larga medida, na evolução da sua vida social, contribuindo para que as populações se refrescassem por diversas formas, com a cultura e mentalidade dos povos daquele Reino. Este, porém, é estudo que está por fazer e do qual só existe um leve rastro difícil senão impossivel de seguir e de desbravar.
Até nossos dias e nesta Ilha das Flores, os naufrágios se têm sucedido, mais ou menos dramáticos, mais ou menos espectaculares. Destes, o mais importante foi o do vapor Slavonia ocorrido em 1909; daqueles, teremos o da barca Bedart [Bidart] ocorrido em 1915 para só falar em dois, ambos deste século.
Tudo isto vem a propósito de uma inscrição encontrada pelo sr. Celestino de Carvalho Flores, em 1960 na Fajã do Conde, Santa Cruz, a qual já deu motivo a uma interessantíssima palestra proferida aos microfones de Rádio Club dos Açores, pelo sr. Tenente Coronel José Agostinho.
Com os elementos reunidos por duas vias diferentes (Celestino Flores e José Agostinho) se dá agora a presente notícia.
Primeiramente temos a inscrição, tal como a copiei em 10/10/1961, feita em grande bloco granítico, de forma mais ou menos cúbica, para a qual foi necessário alisar grosseira e parcialmente, uma das faces:
CAPT. W. H. LANG
[aqui reprodução de símbolo que alguns crêem maçónico]
AND 11 MEN
LANDED MAY 5 73 (2)
FROM BARK MODENA
OF BOSTON MASS.
FOUDERD [FOUNDERD] APRIL 22
Modena – era uma barca americana, construída em Duxbury, Mass. em 1851. Tinha 206 toneladas e eram seus proprietários em 1873 Rideout e Roberts, de Boston (3).
Em 9 de Março de 1873 chegou a Bermuda, vinda da Serra Leôa e a 15 de Abril partiu da Bermuda para Boston.
A 22 de Abril foi abandonada na Lat. 35° N, Long. 65° W sendo salva toda a tripulação. (4).
No Merchantil [Mercantile] Navy List, Bureau of Statistics está o seguinte registo (5):
Modena – barco [barca]
Número oficial – 16295
Sinal – HMVN (6)
Tonelagem – 175.08
No National Archives encontra-se um certificado do Registo datado de 13 3.1867 no qual se diz que Modena foi construída em Boston, tendo por armadores J. Rideout, H. O. Roberts e N. Mansfield, da qual era capitão David A. Roberts (7)
DIMENSÕES:
98,70 pés de comprimento
25,75 pés de largura
10,42 pés de «creux» (😎
Tinha uma «Square stern», proa sem ornamentações, uma ponte e 3 mastros. Do naufrágio alguém teria escapado visto que no verso do registo se encontravam as palavras «Surrendered at Faial». (9)
Não resta dúvida de que as duas informações se completam e se devem referir à mesma barca, embora exista contradição nalguns pormenores.
«Como do ponto onde a barca se afundou até às Flores medeiam 1.700 milhas, não poderia acreditar-se que o capitão Lang e os seus homens fizessem tal travessia no salva-vidas da barca e, para mais, em menos de duas semanas. O que aconteceu decerto foi a tripulação da barca Modena ter sido recolhida por um navio que passou para Oeste [Este] tendo desembarcado os náufragos na Ilha das Flores, a primeira que encontrou» (10).
(1) Até há dias só havia notícia desta ocorrência através de um oficio do comandante do Royal Norwegian Navy – Orlogs kaptein Rolf Scheen. Agora, porém, mais um elemento de poderosa sedução pude encontrar pelo que é de prosseguir na pesquisa.
(2) O algarismo 5 está gravado demasiado junto do 7 pelo que se lê, de início, 573.
(3) inf. do museu Peabody, de Salens, Mass – J. Agostinho.
(4) inf. de Mr. C. C. Cutler, tirada do New York Maritime Register – J. Agostinho.
(5) inf. do department of Armed Forces History – C. Flores.
(6) Com o M e o V deste sinal ter-se-á procurado fazer o sinal que aparece na inscrição, logo abaixo do nome do capt. W. H. Lang?
(7) inf. de Mr. M. L. Peterson – C. Flores.
(😎 idem, idem; não se traduziu a palavra francesa «Creux» que talvez signifique pontal.
(9) inf. de Mr. M. L. Peterson – C Flores.
(10) in «A União», n.º 19 866 de 20 de Fevereiro de 1962 – J. Agostinho.
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