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Histórias do tempo de
SALAZAR em Trás-os-Montes.
Ferrugende, anos 50:
Há dias uma das minhas irmãs, contou-me este episódio que deveria ter ocorrido em 1956, teria ela 5 anos:
A aldeia estava coberta com um manto espesso de neve, semelhante aos muitos nevões que nessa altura aconteciam, durante os rigorosos e longos invernos.
Não se encontravam os habituais pedintes miseráveis e famintos; os pobres idosos e vulneráveis não resistiriam ao frio extremo; se escorregassem na neve, devido à osteoporose elevadíssima, as quedas provocariam fraturas e, nos caminhos que ligavam as isoladas aldeias de montanha, as possibilidades de auxílio seriam quase nulas e morreriam de hipotermia ou congelados.
Num desses gélidos dias bate à nossa porta uma criança cigana, mal vestida, faminta e com os pés nus sobre a neve, a pedir esmola, procurando algo para comer; é arrepiante e corta o coração, a fome obrigou-a a sair do acampamento cigano, naquelas condições.
Foi levada para dentro de casa, limparam-na cobriram-na com uma pequena manta e deram-lhe uma refeição quente, vestiram-na e calçaram-lhe as pequenas botas da minha irmã Lurdes, que eram as únicas que lhe serviam. Depois o meu pai levou-a ao colo para o acampamento e na mão direita levou um cabaz com batatas, pão centeio, vagens secas, um pedaço de toucinho e uma garrafa de vinho, a Lurdes ficou sem as suas botas até que o nevão passou e a minha mãe lhe comprou outras na feira de Vilarandelo. Nessa altura em que eu tinha, pouco mais de um ano, era o mais novo de uma família onde já havia 8 filhos.
Cabazes com composição semelhante, era o que o meu pai entregava às famílias, em relação às quais tinha conhecimento que pouco ou nada teriam para comer em casa, sempre que havia grandes e prolongados nevões; recordo-me de a minha mãe ter contado um caso também chocante; foi a casa de uma mulher viúva com 4 filhos com um cabaz de comida, a casa era escura e fria, não havia lume nem luz; mal viu o meu pai entrar, aquela mãe vestida de negro, em pranto exclama com as mãos apontadas ao céu: Senhor Barreira, só tenho em casa um cântaro de água e algum sal; era quase meio-dia e o que aquela mãe tinha dados aos filhos era água e uma areia de sal na boca de cada criança.
Ainda numa nevada, uma família de 4 pessoas que tinha farinha para fazer pão, mas não tinha forno para o confecionar, teve que transportar lenha à cabeça a uma distância considerável através de um caminho isolado, onde havia um forno privado disponível; ao levar, um molho de lenha na cabeça, uma infeliz mulher escorregou na neve, partiu uma perna e aí permaneceu presa e imóvel, até que um carpinteiro a encontro e a salvou já numa situação precária, ficaria com mazelas graves para o resto da vida.
Não era só no inverno que situações de miséria, pobreza e fome aconteciam.
Para ter pão na mesa era necessário semeá-lo antes do inverno, acompanhar o crescimento até que era ceifado à mão pelos segadores, depois procedia-se à acarreta, que consistia no transporte de molhos de centeio, em carros de bois, para uma eira, a penúltima tarefa era a malhada, que se chamava assim, porque se fazia com malhos; o malho era uma ferramenta agrícola muito simples, que tinha por objetivo extrair os grãos da espiga, consistia num cabo longo, relativamente delgado, ao qual se acoplava através de uma tira de cabedal resistente, um pau mais grosso e pesado (malho); a força dos homens, projetava o malho sobre as espigas e os grãos de centeio separavam-se.
Antes a eira, toda ela, tinha que ser barrada por uma pasta, que impedia que os pequenos e pontiagudos grãos do cereal se misturassem com a terra poeirenta da eira.; Assim, na véspera da malhada, com baldes de zinco, as pessoas iam aos estábulos recolher os excrementos do gado bovino (a chamada bosta); a esta era adicionada água, obtinha-se assim um fluido mal-cheiroso, mais ou menos viscoso que, com grandes vassouras (a que davam o nome de vasculhos) se espalha por toda a eira, ao fim de algumas horas estaria seca; Depois ainda era preciso limpar o centeio com auxílio de crivos.
Numa dessas malhadas, um casal com cinco filhos, devido à fraca produção, viu cem por cento da sua colheita ser levada pelos credores, ou seja, alguém que lhe tinha emprestado centeio para fazer pão, porque a produção do ano anterior não tivera sido suficiente, a pobre mãe desfez-se em lágrimas.
Essa família passou o ano inteiro sem pão, para não ter que recorrer a novos credores.
Faiões, anos 60
Esta história foi-me relatada, há alguns anos, por uma senhora da aldeia de Faiões, subúrbios da cidade Chaves, de nome Adelina, que se indigna sempre que alguém se queixa da vida que tem nos tempos atuais. A Adelina, era uma criança de uma família numerosa, onde todos andavam descalços e mal vestidos, que passavam muita fome e não tinham outro meio para se aquecerem que não fosse através do “roubo” de restos lenha, nas matas de quem a possuía. Uma das pessoas mais ricas de Faiões era o pároco local; um dia o pai da Adelina foi “roubar” um molho de lenha a uma mata propriedade do padre local, e uns dias depois, como era um católico fervoroso, e tinha problemas de consciência, contou ao sacerdote, em confissão na igreja, que lhe tinha roubado lenha; no dia seguinte estava a GNR em sua casa que o levou sob prisão.
Nantes, década de 60
No Sábado passado conheci o senhor João, um pequeno artesão que nasceu nos anos sessenta, numa situação de extrema pobreza; o pai trabalhava de sol a sol para outros e pouco ganhava, a mãe era uma lavadeira, que levava roupa para as senhoras ricas da cidade de Chaves, o casal já tinha 3 filhos e de súbito nascem dois gémeos verdadeiros, que aos olhos de qualquer pessoa, pais incluídos, eram exatamente iguais, a um deram o nome de João e ao outro Manuel.
Três dias após a parto, que ocorreu no inverno, a mãe teve que ir lavar roupa para o ribeiro; fez um fardo de roupa que levava às costas e colocou num cesto de verga, os bebés de três dias, que acondicionou e agasalhou da melhor maneira que pode.
A caminho da ribeira, com o cesto dos gémeos na caça em equilíbrio e com o fardo de roupa às costas, tropeçou numa pedra, não conseguiu segurar o cesto, uma das crianças bateu com o crânio numa pedra e teve morte imediata a outra sobreviveu ilesa, é o Senhor João, que recentemente foi avô pela primeira vez, e é um homem bom e muito feliz. Quando relatou este dramático acontecimento ao filho, a sua mãe comentou da seguinte forma: “Meu filho, eu não sei se quem morreu foste tu ou o teu irmão…” queria dizer que não sabia se morreu o João ou o Manuel.
PS: Conheço todos os descendentes destas famílias, todos têm boa qualidade de vida, com exceção do único sobrevivente, da família em que a senhora fraturou a perna na neve, que tem uma vida, em termos de habitação, e só em termos de habitação, precária.
Estas narrativas visam os saudosistas de Salazar, agora acoitados nesse partido fascista, racista, xenófobo e homofóbico, o chega, eles não se cansam de clamar que isto só lá vai com o novo Salazar, ora esse Candidato a Salazar é André Ventura.