Sê um homem, cobre as tuas mulheres″ Marrocos

“Sê um homem e não deixes as tuas mulheres e filhas sair de vestido justo.” Depois da Argélia em 2015, é a vez de Marrocos ser palco de uma campanha estival contra a liberdade vestimentar das mulheres. Feministas contra-atacam: “Sê um homem e rala-te com o teu cu.”

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“Sê um homem, cobre as tuas mulheres”

Sê um homem, cobre as tuas mulheres”

“Sê um homem e não deixes as tuas mulheres e filhas sair de vestido justo.” Depois da Argélia em 2015, é a vez de Marrocos ser palco de uma campanha estival contra a liberdade vestimentar das mulheres. Feministas contra-atacam: “Sê um homem e rala-te com o teu cu.”

“Em Marrocos, obcecados sexuais lançaram a campanha ‘Sê um homem e cobre as tuas mulheres’. Porque sou uma mulher marroquina e livre, a minha campanha será ‘Sê um homem e rala-te com o teu cu’.” O tweet de Majda Avrani, em francês, é de 13 de julho, quatro dias depois de surgir no Facebook de várias organizações conservadoras, incluindo a “consciência marroquina”, a hashtag #konrajoulan (“sêumhomem”), acompanhada da imagem de uma figura de negro da cabeça aos pés, sobre fundo amarelo, e os dizeres “sê um homem e não deixes as tuas mulheres e filhas saírem vestidas de modo pornográfico”. Num dos posts, o primeiro comentário diz: “Sim, não queremos as nossas mulheres vestidas de puta.”

Em reação, o coletivo MALI – Movimento Alternativo pelas Liberdades Individuais lançou a hashtag #sêumamulherlivre”. Trata-se, disse a porta-voz, Betty Lachgar, ao The Hunffington Post Magreb, de “uma campanha puramente simbólica para denunciar o patriarcado e o paternalismo”. A ativista sublinha a utilização da expressão de posse “as tuas mulheres”, e, no Twitter, afirma: “Por definição, o véu das mulheres é sexista porque é só para as mulheres. Velar, esconder. Porquê? Por pudor? Que pudor? O pudor tem um género? Porque os cabelos na cabeça são uma tentação? Porque nunca se fala dos pelos do peito nos homens? Toca a vesti-los!” Considerando-se, num artigo publicado a 25 de julho no site El Faro de Melilla, “a rapariga mais odiada de Marrocos”, a psicóloga clínica Ibtissame Lachgar, de 43 anos, descrita no artigo como “o nome por trás de todos os atos mais reivindicativos e polémicos que ocorreram em Marrocos no século XXI” – da organização de um piquenique em pleno dia durante o Ramadão (de acordo com os preceitos muçulmanos, deve-se jejuar desde o nascer do Sol até ao seu ocaso), em 2009, ao kiss-in em Rabat em solidariedade com dois adolescentes que foram presos por terem postado uma foto beijando-se no Facebook, e ao tingir de uma fonte na mesma cidade com tinta encarnada no dia internacional da eliminação violência contra as mulheres – está na lista negra do Daesh e recebe periodicamente ameaças de morte e violação, tendo sido também já detida pelo menos uma vez, em 2016. Denunciando o facto de “o reino de Marrocos ter uma reputação de tolerância religiosa no seio do mundo árabe-muçulmano mas a sociedade continuar profundamente conservadora”, Lachgar considera que esse conservadorismo está a adensar-se, facto que atribui à chegada ao poder do partido islamita PJD (Partido da Justiça e Desenvolvimento), à internet e à sintonização por satélite de canais radicais islâmicos estrangeiros que disseminam mensagens misóginas e violentas. Aliás, esta campanha marroquina emula a que há três anos surgiu na Argélia, em maio, depois de uma estudante da Faculdade de Direito de Argel ter sido impedida de fazer um exame por ter “um vestido demasiado curto”. Já em 2017, um imã de Casablanca se tinha insurgido no FB contra “a nudez obscena nas cidades marroquinas”.

“Um homem não suja a irmã assim”

Ateia, Lachgar é defensora de uma sociedade secularista, onde todos possam conviver livremente – a começar pelas mulheres, submetidas a um brutal assédio de rua. “Muita gente progressista não sabe o significado de assédio, pensam que esses atos são simples flirt. Não entendem que isso também é violência contra as mulheres.” Num país no qual um inquérito da Unicef em 2014 revelou que mais de 63% das mulheres consideram que “por vezes se justifica” sofrerem algum tipo de violência física por parte dos cônjuges, e um programa da TV estatal mostrou em 2016 como “disfarçar” com maquilhagem as marcas disso, apalpões e dichotes obscenos ditos por homens a desconhecidas na rua são de tal forma “normais” que os guias de viagem aconselham as turistas a nunca andar sós, nunca entrar em cafés (considerados reino masculino) e ter muito cuidado na praia.

“Sê um homem e ajuda essa mulher que é agredida à tua frente. Sê um homem e vai trabalhar ou estudar. Nós os muçulmanos não aprendemos a sujar as nossas irmãs desta forma. Um homem não suja a sua irmã assim.”

Mas não são só as marroquinas a protestar contra este estado de coisas. Amine Aouni, youtuber marroquino que vive na China, publicou um vídeo já com centenas de milhares de visualizações e no qual interpela os homens que acham que têm mulheres para tapar: “Sê um homem e ajuda essa mulher que é agredida à tua frente. Sê um homem e vai trabalhar ou estudar. Elas, elas fazem alguma coisa das suas vidas e muitas vezes ajudam os pais. E tu fazes o quê? Tu deitas-te no sofá, lanças uma hashtag de pernas estendidas enquanto a tua irmã te dá dinheiro para acederes à internet. Nós os muçulmanos não aprendemos a sujar as nossas irmãs desta forma. Um homem não suja a sua irmã assim.”

“Sê um homem e não deixes as tuas mulheres e filhas sair de vestido justo.” Depois da Argélia em 2015, é a vez de Marrocos ser palco de uma campanha estival contra a liberdade vestimentar das mulheres. Feministas contra-atacam: “Sê um homem e rala-te com o teu cu.”