Fijus di Terra: 500 anos depois ainda se fala português no Senegal | VortexMag

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Os laços histórias são assim: perpetuam-se no tempo contra tudo e contra todos. 500 anos depois, os Fijus di Terra ainda falam crioulo português no Senegal.

Fonte: Fijus di Terra: 500 anos depois ainda se fala português no Senegal | VortexMag

Fijus di Terra: 500 anos depois ainda se fala português no Senegal

Os laços histórias são assim: perpetuam-se no tempo contra tudo e contra todos. 500 anos depois, os Fijus di Terra ainda falam crioulo português no Senegal.

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AGuiné-Bissau foi descoberta pelos portugueses em 1446, mas somente em 1588 foi fundada Cacheu, primeira povoação portuguesa, administrativamente dependente de Cabo Verde, juntamente com Casamansa (actualmente pertencente ao Senegal), que era parte da colónia portuguesa da Guiné-Bissau até 1886. Altura em que, na sequência da Conferência de Berlim, uma convenção leva Portugal a ceder a cidade de Ziguinchor e a região de Casamansa para a França.

Apesar do estabelecimento de fronteiras com o governo francês em 1886, quando Ziguinchor deixou de estar sob o domínio português, a população local continuou falando uma variedade do crioulo de Cacheu, com influência do crioulo de Bissau (ambos variedades do crioulo da Guiné-Bissau), mas com características gramaticais e lexicais próprias.

Os fijus di terra eram os proprietários da terra, diferenciavam-se dos outros grupos étnicos por esta língua crioula, pela religião católica pelas maneiras, hábitos e roupas europeias.

Talvez a característica mais destacada desta população era o bem conhecido Domingo de Ziguinchor no qual as pessoas iam à missa e andavam elegantemente de paletó e chapéu pelas ruas e jardins de Ziguinchor.

Por isso, para os franceses, os crioulos fossem os interlocutores por excelência com o resto dos habitantes. E eles mesmos foram obrigados a aprender o crioulo, língua que era bem mais fácil que as outras línguas nativas para a aprendizagem de um europeu.

Mesmo os funcionários da região norte que os franceses mandavam vir devido ao fato de serem mais escolarizados que os do sul, aprendiam rapidamente a falar o crioulo, este era a língua mais falado pelos habitantes, e até as outras etnias da região aprendiam o crioulo por ser a língua do comércio. Não só devido à proximidade com a Guiné-Bissau e ao contrabando que se fazia entre os dois países, mas ainda ao comércio do mercado local que atraia os camponeses do interior.

Actualmente os laços com a Guiné-Bissau ainda são muito fortes, desde laços familiares, sociais, religiosos e étnicos, de tal forma que em 1985 num questionário, 70% respondeu já ter visitado a Guiné-Bissau. E mesmo apesar do crioulo de Ziguinchor ser do tipo do crioulo de Cacheu a influência do de Bissau faz ainda presença em Ziguinchor.

Para além dos fijus di terra terem vindos da Guiné-Bissau principalmente durante a guerra colonial muitos refugiados, como os Mandjak, os Manggne e os Pépel, também reforçaram a população crioula. Nas famílias mais ricas ainda é tradição se casar com membros das de Bissau ou Cacheu.

Numa pirâmide que ilustra a estrutura social de Ziguinchor pode-se colocar quatro pilares: no mais alta os fijios di fidalgu a seguir os fijus di terra em seguida os Madjak vindos da Guiné-Bissau e por fim as outras etnias locais.

Durante a década de 1950 ocorreu o êxodo do campo para a periferia de Ziguinchor, e o crioulo tornou-se na língua de comunicação inter-étnica, e previa-se que esta seria uma forma de homogeneizar o sul do Senegal, Casamansa.

Por outro lado as missões cristãs também usavam o crioulo como língua litúrgica o que fazia com que este tivesse na igreja mais um apoio para o seu fortalecimento e difusão.

Nos censos realizados em 1963, dos 42 mil habitantes de Ziguinchor, 35 mil, falavam o crioulo (83% da população total), e 30 mil possuíam o crioulo como língua materna (71,4%).

Após os 75 anos de domínio francês e de 37 anos de independência os Crioulos de Ziguinchor ainda são conhecidos como “Les portuguais” – “portuguis” na população local. Porém, com o crescimento da cidade e o aparecimento dos subúrbios tirou a terra dos fijus di terra, deixando-os completamente na pobreza.

Após a independência a situação mudou completamente, os crioulos eram vistos como cúmplices dos franceses. Os cargos públicos ocupados pelos crioulos foram substituídos pelos funcionários vindos da região norte que falavam a língua wolof, e assim começou o declínio da população crioula de Ziguinchor que foram sempre a maioritária. De tal maneira que em 1985 apenas 37% das crianças que frequentavam a escola falavam o crioulo.

As diferenças étnicas e culturais entre os povos de Casamansa, da qual Ziguinchor é a capital, e dos povos da região norte do Senegal que são maioritariamente wolof são muito grandes, motivo que leva Casamansa já há alguns anos a luta pela sua independência (desde 1982). Muitos historiadores vêem neste fato uma herança dos conflitos luso-franceses sobre o território e que nomeadamente a Guiné-Bissau e o Senegal herdaram.

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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