“Fa d`ambô: língua crioula de Ano Bom”, (Guiné Equatorial)

Pequena ilha assegura a ligação moderna da Guiné Equatorial à lusofonia

Uma pequena ilha, com pouco mais de cinco mil habitantes e 17 quilómetros quadrados, é a ligação moderna que a Guiné Equatorial e linguistas brasileiros encontraram com a lusofonia e com o português, em particular o crioulo de São Tomé.

 

Em Ano Bom, fala-se Fá d`Ambô, um crioulo próprio que foi estudado por linguistas brasileiros e que encontraram uma base lexical portuguesa. E mesmo quem discorda da adesão à CPLP admite essa ligação ancestral.

É o caso de Juan Tomás Laurel, exilado político em Barcelona, que minimiza a proximidade linguística e preferia que o país não tivesse aderido à CPLP sem uma salvaguarda da questão dos Direitos Humanos no país.

“Obiang não tem qualquer interesse no português, mas sim em mostrar o seu poder”, diz o também escritor, autor dos livros “Ditador de Corisco” e “Dicionário Básico e Aleatório da Ditadura Guineana”. Natural de Ano Bom, Juan Laurel considera uma ironia que seja esta ilha, pela qual “Obiang nunca teve interesse”, a justificar a adesão do país à CPLP.

No dia 23, a CPLP aprovou a entrada da Guiné Equatorial na organização, uma reivindicação antiga do governo, liderado por Teodoro Obiang e contestada por várias organizações da sociedade civil, que alegam o facto de poucos falarem português e acusam o regime de várias violações de direitos humanos.

Durante os 11 anos da ditadura de Francisco Macías, deposto em 1979 pelo seu sobrinho Obiang, o barco que fazia a ligação à ilha “poderia estar dois anos sem ir” como castigo porque os “anoboneses não votaram” do chefe de Estado, recorda.

A pesca foi também proibida no país e a província foi a última a ter eletricidade. “Sempre foi a miséria”, diz.

Para ir diretamente da capital, Malabo, a Ano Bom, é necessário cruzar São Tomé e Príncipe, pelo que é natural esta “grande influência semântica e fonética” do Fá d`Ambô, reconhece Juan Laurel.

“Ano Bom foi povoado por portugueses e existem muitas palavras que permanecem”, diz, dando exemplos como os dias da semana, que são semelhante ao português.

O cônsul honorário português em Malabo, Manuel Azevedo, dá outros exemplos: “Bom dia”, “Boa noite”, “Obrigado”, “pedra” ou “assunto”.

Em 2011, uma equipa de peritos da Universidade de Campinas, no Brasil, esteve na ilha para estudar o idioma local a aferir a sua origem portuguesa.

No estudo final, os autores consideram que “a língua não se encontra ameaçada de extinção, posto que possui falantes nativos, é aprendida pelas crianças e tem grande relevância social na comunidade anobonesa”.

Para os autores do estudo, “Fa d`ambô: língua crioula de Ano Bom”, Alfredo Silveira, Ana Agostinho, Manuel Bandeira, Shirley Freitas e Gabriel Araujo, as línguas crioulas do golfo da Guiné têm por base o português, tendo em conta a “exploração colonial” da região.

“Embora a colonização portuguesa na Ilha de Ano Bom tenha sido irregular, há provas inequívocas da relação do mundo português com Ano Bom e, por conseguinte, com a Guiné Equatorial”, referem.

O sistema fechado das plantações e a vinda de mão de obra escrava do continente criaram identidades próprias no crioulo da ilha, muito próximo do de são Tomé.

Numa comparação linguística, os autores demonstram que o Fa d`ambô é uma das “línguas crioulas de base portuguesa do Golfo da Guiné” e que a “herança portuguesa na região une as ilhas do Golfo com os demais países da CPLP”.

Os autores recordam ainda que foi essa ligação linguística “que serviu como inspiração para a solicitação para ser membro-permanente da Guiné Equatorial junto à CPLP”, num texto académico em que também fazem considerações sobre o regime de Obiang e sobre o processo de formalização do português enquanto língua oficial.

“De uso limitado no país, devido à inexistência de um contingente populacional luso-falante relevante, o português requererá esforços para se tornar uma língua de uso de facto”, referem os autores, admitindo que a entrada do país é uma “decisão política complexa, devido à “observância de direitos fundamentais dos cidadãos”.

No entanto, consideram os autores, a própria CPLP “age de maneira irregular: por um lado, a sociedade civil de alguns países membros possui restrições ao regime ditatorial da Guiné Equatorial”, mas “aceita a presença de Angola no grupo”.

No entanto, referem os investigadores brasileiros, “do ponto de vista técnico, a República da Guiné Equatorial preenche os requisitos de compartilhar uma herança linguística e histórica com os demais países do bloco”.

Num livro publicado em 2012, o primeiro em português na Guiné Equatorial, que se destina ao apoio didático do ensino da língua, o Presidente do país destaca a importância do novo idioma enquanto estratégia de abertura ao mundo. Obiang Nguema recorda as relações históricas com o império colonial português e dá o exemplo da existência de “expressões de forte raiz portuguesa.

E foi esta “suposição de origem” que constitui “a base da reivindicação cultural da República da Guiné Equatorial para ser membro da CPLP, uma organização de alto valor cultural que representa hoje mais de 244 milhões de pessoas em todo o mundo”, refere o Presidente.

 

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