PEDRO DA SILVEIRA POR URBANO BETTENCOURT

SINAIS DO ÚLTIMO OESTE (1)

– «Da minha língua vê-se o mar», escreveu Vergílio Ferreira.
– «E da minha vê-se a América», respondo-lhe eu, muitos anos depois, com os pés no chão firme da Fajã Grande e os olhos no ilhéu de Monchique.
À beira do Canal da América, a placa incrustada numa pedra solta de basalto garante que S. Bento é o padroeiro da Europa. Pois que seja. Mas eu penso é numa outra placa, de madeira, que por ali houve em tempos e nos deixava ler o poema «Ilha», de Pedro da Silveira, com o sonho apontado às «Califórnias perdidas de abundância».
O verso e a força dos imaginários que suporta hão-de entender-se melhor se se tiver presente o intenso jogo de relações de proximidade da América com os Açores durante todo o século XIX, particularmente com as Flores (aonde acorriam jovens de outras ilhas para mais facilmente «darem o salto» para oeste). Se se tiver também presente o historial de abandono do arquipélago por parte de Lisboa. Coisas que o escritor Manuel Ferreira Duarte soube sintetizar na referência a um caso concreto: «Toda a gente sabia que no ano da fome a barca “Sara” tinha trazido farinha era da América. De Lisboa vinham editais.»
Dizem que o Monchique é o último território europeu. Do ilhéu não se parte, passa-se por ele já em viagem. O Monchique é o primeiro território americano que nos é dado ver.

(«Sinais de Oeste» e «Último Oeste» são títulos de um livro e de um poema de Pedro da Silveira)