GOA DOS AFETOS

 Goa: Portugal no património, ruas e nomes, mas também em afetos

Do património, às ruas e nomes até à missa em português, a herança deixada em Goa não se faz só de reminiscências. Por força de afetos, embora longe, Portugal parece por vezes estranhamente perto, sobretudo para quem chega.

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Goa: Portugal no património, ruas e nomes, mas também em afetos

Lusa

Dos 450 anos de presença portuguesa em Goa ficaram desde centenas de capelas, igrejas e basílicas, a fortalezas erguidas no alto com canhões apontados para majestosas paisagens, até a mansões coloniais, com nomes de família pintados sobre o azulejo no exterior.

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O português vive nos nomes de cidades (como Vasco da Gama ou Margão), de lugares (Reis Magos ou Dona Paula), de bairros (Fontainhas ou São Tomé), de ruas (de Ourém ou de Natal) de jardins (como Garcia de Orta) e nos de muitas lojas, restaurantes ou hotéis.

Com idêntica facilidade tropeça-se em nomes próprios: no velhinho Sebastião – que naquela histórica noite de dezembro de 1961 adormeceu português e acordou indiano – ou na recém-batizada Celeste.

Os apelidos também abundam. Só no exterior da Igreja da Imaculada Conceição, em Pangim, onde todos os domingos de manhã se reza o “Pai Nosso” em português, encontram-se vários, desde Monteiro, a Pereira, a Meneses e a Sousa (com s ou com z).

Embora a comunidade católica não represente nem um terço da população, a professora Maria do Céu Barreto diz não ter dúvidas de que em Goa “o catolicismo é muito mais fervoroso do que em Portugal”.

Desvenda-se nas velas que ardem até ao fim nos pequenos altares em rotundas, no terço pendurado no espelho do interior do carro, na cruz que pende do pescoço e até no baixar do joelho em sinal de respeito à passagem por uma igreja.

Na missa do Galo há fiéis que levam de casa o banco para se sentar, ruas engalanadas e um espírito que abraça comunidades de diferentes credos, segundo relatos que chegam em português.

A comunidade lusa expatriada é quase inexistente em Goa, onde ninguém sabe dizer quantos falam português, uma língua que – dizem – é pertença dos mais velhos e que, se ouve, finda a época das monções, aqui e ali, da boca dos “portugueses de Goa na diáspora” que vão passar longas temporadas à terra.

São deles – mas não apenas – os carros e motos que circulam pelas barulhentas ruas de Goa com dísticos e autocolantes de Portugal, país que para alguns goeses nascidos antes de 1961 chegou a ser “pátria”.

No único estado indiano onde o futebol disputa com o críquete o título de desporto-rei – torcem pela seleção das quinas durante Mundiais em jogos acompanhados de perto pela televisão e têm saudades “do chouriço e do azeite do ?Reino'”.

“São indianos por fora e portugueses por dentro”, como se ouve com frequência dizer em Goa, uma janela para um Portugal captado em imagens a preto e branco, tais como as memórias.

Em Goa, ainda há olhos que brilham entre rostos de contornos enrugados quando, surpreendentemente, surge uma ‘portuguesa de fora’.

Uns apenas sorriem, outros vão mais além: “Venha, também vou para o Altinho”. Estava feito o convite para dividir um riquexó e para mais dois dedos de conversa, com mais perguntas do que respostas, em ambos os sentidos.

Recíproca é também, por vezes, a surpresa: Aos 79 anos, Maria Imelda de Sousa entoa com orgulho “A Portuguesa”, mais afinada do que muitos ‘compatriotas’.

Já entre os mais novos, além do futebol de Cristiano Ronaldo, vibra-se com a música. Centenas de jovens lançam-se, todos os anos, no famoso concurso da canção portuguesa “Vem Cantar”.

O fado é, aliás, outro património luso que também se cultiva nomeadamente em restaurantes, onde se cumpre o tradicional silêncio que demanda, entre pratos, alguns também sob influência lusitana, mesmo que apenas nos nomes.

Por Portugal, nutrem-se “afetos”, diz-se, sem mais explicações. Os ressentimentos, esses, existem mas não afastam uma sensação de grande proximidade em Goa, onde, pelo menos em teoria, ser português ainda dá direito a um ‘preço de amigo’.